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Crítica | Até os Deuses Erram

por Luiz Santiago
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Adaptação da peça This Story Of Yours, de John Hopkins (responsável pelo roteiro do filme), Até os Deuses Erram nos coloca de frente para o inspetor Johnson (Sean Connery) da polícia britânica, que está cada vez mais perturbado pelos estupros e assassinatos que investiga. O texto dá a entender que este é um crime que vem acontecendo já há bastante tempo, com algumas variações em termos de vítimas (mulheres, garotas, garotos), mas todos configurados por um estupro; algumas vezes seguido de morte.

A abordagem de Sidney Lumet para a sequência de eventos aqui mostrados mantém alguns de seus encadeamentos favoritos, como o conflito de personagens em algum tipo de confinamento e a grande diferença de percepções para um mesmo fato, às vezes trabalhando com tempos diversos ou através de um excelente uso de montagem paralela, como tivemos em O Golpe de John Anderson, por exemplo, só para citar uma obra daquele início de década para o diretor.

Sean Connery brilha na construção de um personagem que nos oferece um ponto de vista progressivamente explicado e tornado problemático por aquilo que pode significar. Na minha leitura, a escolha visual do diretor para segurar a ambiguidade ao longo de toda a obra — muitas vezes a despeito do roteiro — é um trabalho aplaudível e a atuação de Connery reforça isso ao transitar de forma muito natural entre a perturbação pelas “más visões” de sua mente e pelo afinco e segurança que tem ao acusar Baxter (Ian Bannen, também excelente). A ação entre esses dois homens adiciona uma camada a mais de drama na história, tanto para o lado de possível culpa do personagem de Sean Connery quanto nas questões morais, éticas e de exercício da justiça dentro da força policial.

Quanto mais os personagens são confrontados diretamente, mais adicionamos suspeitas para um e outro indivíduo, a ponto de o filme manter essa grande ambiguidade, dando-nos de sobra todo o tempo transcorrido entre o interrogatório de Baxter, a chegada de Johnson em casa, sua terrível relação com a esposa e o posterior confronto que ele tem com um superior. Toda a condução da fita passa por espaços fechados, onde as pessoas parecem condenadas, de alguma forma, a colocarem para fora algo que as atormenta, sofrendo uma dor física no processo (dos braços segurados com força à mão queimada por um cigarro). Trata-se de um inteligente estudo de reações com um elemento perigoso em cena: o estado psicológico de um homem da lei que, a partir de determinado ponto da trama, não tomamos mais como inocente.

Sem pressa para resolver esses dilemas, Lumet nos permite ter acesso antecipado a algumas cenas e, pouco a pouco, nos dá elementos para que formemos uma versão possível do quebra-cabeça. A construção do problema principal parece até algo banal, mas pouco a pouco ganha peso, assim como o assunto principal do filme, falando sobre o abuso de crianças. Até os Deuses Erram é um projeto instigante sobre a descida de alguém ao seu próprio inferno mental, sendo instigado e provocado por forças externas em todo o processo, dando ao público muita coisa para pensar. O típico enredo onde nos damos conta de que o perigo pode estar disfarçado daqueles que supostamente deveriam combatê-lo.

Até os Deuses Erram (The Offence) — Reino Unido, EUA, 1973
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: John Hopkins (baseado em sua própria peça)
Elenco: Sean Connery, Trevor Howard, Vivien Merchant, Ian Bannen, Peter Bowles, Derek Newark, Ronald Radd, John Hallam, Richard Moore, Anthony Sagar, Maxine Gordon, Hilda Fenemore, Rhoda Lewis, Cynthia Lund, Howard Goorney
Duração: 102 min.

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