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Crítica | Atômica

por Guilherme Coral
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estrelas 3,5

Baseado na graphic novel Atômica: A Cidade Mais Fria, de Antony Johnston e Sam Hart, Atômica nos traz um raro exemplar de filme de espionagem com uma mulher como protagonista. Para aqueles que leram a obra original – sem ter assistido qualquer trailer (algo cada vez mais recomendado, considerando a superexpositividade desses nos dias atuais) – era de se esperar que veríamos, nessa adaptação cinematográfica, algo que seguisse mais a linha dos filmes de espião menos explosivos, visto que a narrativa desses quadrinhos herda muito das histórias de John le Carré. O que vemos aqui, porém, funciona como um híbrido de tais complexas tramas com a ação dos recentes James Bond, ou, mais precisamente, John Wick, considerando a direção de David Leitch, que co-dirigira De Volta ao Jogo.

A trama segue a mesma premissa básica do material original: Lorraine Broughton (Charlize Theron), agente do MI6, é enviada a Berlim Oriental, poucos dias antes da queda do Muro, a fim de recuperar a lista de agentes duplos britânicos em atividade nessa região, colocada em risco com a morte do agente que a portava, antes que ela caia nas mãos inimigas ou seja vendida no mercado negro. Ao chegar lá, ela acaba se inserindo em uma atmosfera de incerteza, visto que não sabe exatamente em quem confiar, já que qualquer um dos seus supostos aliados pode ter trocado de lado, questão que dificulta consideravelmente a sua missão.

Em muitos aspectos essa adaptação se mantém bastante fiel à graphic novel na qual foi baseada, mesmo que sua estética seja completamente diferente. Enquanto, de um lado, nos quadrinhos, temos o preto e branco obviamente representando a dicotomia da Guerra Fria, no filme a fotografia opta pelo uso constante de luzes neon, que dialogam com o tom de cada cena. Esse artifício, que nos remete imediatamente aos filmes de Nicolas Winding Refn, divide espaço com a forte presença de tons azulados mais frios, esses sim, naturalmente, nos remetendo ao cenário geopolítico da época retratada. Dessa forma, portanto, o longa cria o seu estilo próprio, no contraste entre as cores quentes e frias, ao mesmo tempo que segue a proposta da arte de Sam Hart no material original.

De fato, esse ponto já nos prepara para o fato de Atômica demonstrar uma preocupação muito maior com a forma do que com a substância em si, questão aprofundada pela direção de Leitch, que, assim como fizera em De Volta ao Jogo, nos entrega sequências de ação que verdadeiramente se destacam no cenário cinematográfico atual. Fica bastante claro, desde o início, a preocupação do diretor em deixar bastante claro o que está acontecendo, não caindo na irritante mesmice dos planos curtos e câmera tremida. Temos total consciência do que acontece em tela, enquanto o diretor não somente gera a tensão através de tais cenas, como nos fascina, ao passo que o cuidado demonstrado garante a beleza de tais trechos, mesmo considerando a visceralidade apresentada. Assim sendo, da mesma forma que na já citada obra do diretor, sentimos o impacto de cada golpe, tornando tudo mais real e imersivo, atingindo seu ápice no emblemático plano sequência mais para o final da projeção.

Esse cuidado com a forma, porém, não é o suficiente para nos fazer esquecer dos muitos deslizes relacionados à narrativa do longa como um todo. De certa forma herdando de sua contraparte nos quadrinhos, o filme adota a típica estrutura críptica de obras do já mencionado autor John le Carré, dispensando maiores didatismos nos diálogos e já nos jogando de cabeça nessa trama de espionagem. O problema é que, conforme progredimos, a confusão inicial apenas vai aumentando, de tal forma que ansiamos por cenas de ação a fim de nos distanciarmos dessa desnecessária complexidade, que transforma um enredo bastante simples em uma complicada equação. Quase como para nos explicar o que está acontecendo, a obra ainda nos leva de volta, constantemente, para as cenas do interrogatório de Broughton, que se passam após a história toda. O problema dessas é que, ao invés de esclarecer a história, ela acaba a complicando ainda mais, além de fragmentar a narrativa, prejudicando consideravelmente o ritmo do filme.

Felizmente, o trabalho de Charlize Theron, que já provara mais de uma vez estar apta para filmes de ação, mantém-nos atentos à obra. Seu olhar penetrante deixa bastante claro o que se passa na mente da personagem, dispensando a necessidade de diálogos, ainda que esses estejam muito presentes na obra, até em excesso. Toda sua linguagem corporal e caracterização da personagem a torna uma protagonista forte, que não deve nada a nenhum espião do cinema mainstream, fazendo jus ao material original. Mais importante, porém, é a maneira como ela se encaixa perfeitamente nesse cenário, em momento algum nos fazendo duvidar da época na qual a história se passa.

Atômica, portanto, é um filme visualmente impactante, com emblemática caracterização de sua protagonista. Charlize Theron é, de fato, a loira atômica do título, capaz de nos fazer acreditar em tudo o que se passa em tela. A preocupação da forma sobre a substância, porém, prejudica consideravelmente a narrativa da obra, tornando-a fragmentada, quase episódica, apresentando um ritmo hesitante, que diretamente afeta nossa imersão, que deve ser resgatada após sermos bombardeados com confusas informações ou com um excesso de diálogos que não se harmoniza idealmente com essa mistura da espionagem-ação com a figura tradicional do espião, no caso, espiã.

Atômica (Atomic Blonde) — EUA/ Alemanha/ Suécia, 2017
Direção:
 David Leitch
Roteiro: Kurt Johnstad (baseado na graphic novel de Antony Johnston e Sam Hart)
Elenco: Charlize Theron, James McAvoy, Eddie Marsan, John Goodman, Toby Jones, James Faulkner, Roland Møller, Sofia Boutella, Bill Skarsgård, Sam Hargrave
Duração: 115 min.

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