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Crítica | Avatar: O Caminho da Água (Com spoilers)

A genuína experiência visual.

por Felipe Oliveira
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Quando se fala em Avatar, é fácil a discussão concentrar-se no título revolucionário que o filme recebeu em 2009, graças aos efeitos visuais e à inovadora tecnologia em 3D utilizados na produção. E claro, ainda na época, com a novidade se fazendo um marco, também serviu como ponto de comparação entre os filmes que estampavam o formato 3D em sua divulgação como acréscimo de qualidade. De fato, o que James Cameron entregou, desafiou a forma com que muitos filmes eram elaborados, e não demorou muito para a tentativa de levar mais tecnologia para as telonas tenha deixado de lado o valor da experiência cinematográfica trazida pelo cineasta.

Muito se fala também em como o filme esbanjava beleza visual, mas era fraco quando o assunto se tratava da história. Contudo, enquanto inúmeros longas se resumiam em oferecer migalhas visuais que mal compensavam o 3D que anunciava, Cameron pensava em combinar em Avatar o pacote completo no quesito do enredo e qualidade visual, ainda que a história fosse previsível, afinal de contas. Dá para citar uma enxurrada de filmes que integram o choque pós Avatar, onde poucos mantiveram a lógica de oferecer mais experiência, mas anunciavam o 3D como formato em exibição, quando sequer contou com uma câmera dedicada no processo, passando por uma conversão a fim de que duas ou três cenas “fizessem valer a pena” a presença da dita tecnologia. 

Então, não há exagero ao dizer que Avatar é detentor de um marco revolucionário como experiência cinematográfica, quando se tem uma soma de produtos padronizados, a exemplo do MCU, tanto em termos de história quanto de efeitos visuais — isso se finalizarem os efeitos. O MCU, assim como outros filmes isolados, acostumaram o público a um experimento visual anestesiado, onde as múltiplas sessões e formatos prometidos no cinema não se podem distinguir nessa vertente, sendo a história e o CGI, em momentos específicos, assumindo fatores determinantes para apreciação (entre bom ou ruim) do seu resultado, não como experiência.

A diferença, já que Avatar não conta com complexidade de história, está na qualidade como experiência, isto é, em ter um 3D que vá além da tridimensionalidade básica de objetos na tela e que seja marcante pelo valor da imersão. O ponto da discussão é que, estampar a disponibilidade de um filme em diferentes formatos se tornou fácil, um chamativo obrigatório para qualquer blockbuster. Logo, dizer que Avatar é o “mais verdadeiro” não parte de uma afirmação presunçosa, considerando que é um exemplo que se preocupa em atingir seu potencial visual e como experiência, assim, The Way of Water nada mais é do que uma expansão desse efeito revolucionário.

Assim como o primeiro, Cameron esperou um bom tempo para investir em sua sequência. O que justifica os longos treze anos de hiatus, é por o consagrado cineasta necessitar do aprimoramento da tecnologia para compor uma estética e identidade visual ainda maior do filme. Normalmente, uma continuação em Hollywood acontece com um intervalo de dois a três anos, e se a questão fosse apenas o critério comercial do filme, não demoraria para o segundo filme acontecer e reproduzir as mesmas diretrizes técnicas que tornou Avatar um evento cinematográfico visual estrondoso, e esse é o legado que torna a sequência ainda interessante para o público, mesmo demorando tanto tempo: uma exibição de qualidade visual única nas grandes telas.

A prova de que a vontade de Cameron sempre foi em expandir o universo que criou, universo esse que bebe de várias referências cinematográficas de ficção científica, está na forma simples e previsível com que mais uma vez o roteiro se apresenta, e ainda assim, funciona perfeitamente como base para o foco principal do diretor: explorar Pandora. Não é difícil perceber que The Way of Water utiliza de uma estrutura semelhante ao longa original, porém, mantendo consciente de que o público conhece o caminho. Enquanto no anterior éramos introduzidos a tecnologia que possibilita a criação dos seres híbridos, os Avatars, e a missão que pretendia obter os recursos valiosos da lua extraterrestre, a sequência agora se passa mais de uma década depois dos acontecimentos passados, trazendo uma antiga ameaça para Jake (Sam Worthington), Neytiri (Zoe Saldana) e sua família.

Com uma primeira parte consideravelmente lenta, o roteiro escrito a seis mãos organiza as informações nada intrincadas para a movimentação da trama, nesse caso, o inimigo que comina a estabilidade familiar e como comunidade de Jake é ninguém menos que um clone do coronel Quaritch (Stephen Lang) que monta uma força tarefa a fim de se infiltrar em Pandora para se vingar de Jake e Neytiri. Desse modo, ainda que se apoie numa conveniência, é como se nunca tivéssemos saído da habitação extraterrestre, visto a motivação simples proposta pelo roteiro, porém, esse arco de vingança e obsessão já revela um ponto cansativo, mesmo para um enredo que em momento algum pretende ser complexo.

O que “incrementa” essa inversão de papéis, considerando também que Jake se infiltrou em Pandora, aprendeu os costumes dos Na’vi no intuito de explorar e se apropriar do planeta, é que o roteiro não perde tempo enrolando com uma reintrodução enfadonha a mitologia, mas deixa clara a contraposição ética e moral entre Jake e Quaritch, com o primeiro representando o caráter de preservação e integridade ecológica, já o coronel, a exploração de riquezas e territórios. Se afastando da aura melodramática da luta entre mocinhos e vilões, embora a temática sobre ambientalismo e colonização se mantenha, há um acerto em deixar o didatismo em menor escala e investir na configuração emocional do longa.

Então, mesmo para um enredo simples, o texto de The Way of Water consegue abarcar muito bem o seu escopo sentimental com os principais personagens, direcionando essa abordagem na construção de laços e relação familiar. Um dos exemplos da assertiva simplicidade é que, apesar dos dilemas que envolve a ligação em meio a Miles ‘Spider’ Socorro (Jack Champion) com os Sully e consequentemente os Na’vi, e como fica dividido entre a lealdade e a conexão com o clone de seu pai, é o fato da previsibilidade dos conflitos não atrapalhar em nada a narrativa, mas que sabe usar da trivialidade nos momentos certos, até para meros ganchos que serão retomados nas próximas sequências. Posto isso, não haverá surpresa quando essa dinâmica fraternal for trazida justamente como pontapé para Quaritch continuar caçando Jake, não com as informações de que foi traído, e sim que seu ex-soldado usurpou sua paternidade.

E sim, mesmo para uma sequência de duração maior, essa convencionalidade do enredo não pesa no andamento da narrativa ao dividir tão bem os arcos em sequências pontuais. Notemos como os backgrounds comuns dos personagens, principalmente de Kiri (Sigourney Weaver) que parece tardio e sem atingir o impacto pretendido, conseguem atingir o objetivo de desenvolver o carisma da família Sully a fim de nos importamos com eles, sobretudo, o ato final, que é estruturalmente pensado na ligação que possuem e como se protegem. A perda do primogênito de Jake, Neteyam (Jamie Flatters) vale como uma consequência muito bem-vinda, e um sinal de que Cameron ainda arrisca em meio a trivialidade e sensação de mesmice da trama. Assim, diferente de O Caminho da Água, o aguardado Avatar 3 terá como gancho o sentimento da perda e os dilemas familiares para retomar o enredo, o que indica uma abordagem mais melancólica, mas ainda mantendo por perto as temáticas ecológicas.

Visualizando como o apelo emocional e de contextualidade não se sobrepõem, mas serve bem como plano de fundo, é o suficiente para validar The Way of Water como uma sequência que vale a pena existir depois de treze anos. O pensamento de Cameron se mostra franco na forma de conceber esse projeto, pois o questionamento principal não era “como voltar a Pandora” e sim “o que há ainda para explorar em Pandora”. E o esboço estava lá no final de Avatar, quando várias tribos juntavam forças para derrubar as investidas dos humanos em descolonizar os Na’vis, a tribo da floresta. Cameron só definiu qual tribo poderia ser explorada e ser o centro dessa continuação, e o visionário cineasta escolheu um caminho que é familiarizado: o das águas — o que vai desde Piranhas 2: Assassinas Voadoras, O Segredo do Abismo, e claro Titanic, este último caracterizando emocionalmente o último ato —, revelando uma linda escolha.

Relembrando brevemente a magia que encantava em Avatar, alternando entre os complexos militares e as luzes fluorescentes nas florestas de Pandora, antes de entrar no caminho deslumbrante e infinito das águas, há uma aposta significativa em sequências de ação mais explosivas e movimentadas, o que ajuda a preencher a introdução lenta da narrativa e a equilibrar o ritmo. Essa dinâmica serve também para entreter com as cenas de ação, uma vez que a trama discorre por uma familiaridade notória ao primeiro filme, o que poderia desanimar e esvaziar o interesse, porém, em meios aos passos lentos, Cameron não perde de vista as demonstrações de novas tecnologias para a composição estética do longa.

Literalmente, no primeiro frame de Avatar: O Caminho da Água, é perceptível o uso da tecnologia em 48FPS, recurso utilizado para algumas cenas, mas que relembra as tentativas polêmicas de Peter Jackson em Hobbit: Uma Jornada Inesperada, buscando levar uma leitura mais fluida do 3D em cenas mais rápidas, e também Ang Lee, quando em 2019, com Projeto Gemini, lançou o longa filmado a 120 quadros por segundos, a fim de causar uma impressão mais realista além do tradicional 3D. Ao contrário desses dois exemplos, Cameron mostra ter encontrado um equilíbrio na sua proposta de imersão com mais movimento, o que talvez cause um breve estranhamento soando nas mudanças rápidas de enquadramentos entre ambientação e objetos e locomoção dos personagens, não demora para o recurso atingir naturalidade na transição das cenas.

Usar de maneira moderada uma tecnologia ainda incomum e insegura no campo cinematográfico pontua outra boa escolha de Cameron, em entender os recursos que tem à disposição. Diferente de Lee e Jackson, o diretor de True Lies não aplicou o aumento de taxa por todo o filme, assim, a visualização do telespectador vai acostumar com mais facilidade essa inserção e corresponder ao objetivo de Cameron em amadurecer durante esse tempo a transposição de maiores tecnologias nas telonas e o aproveitamento completo do público como experiência.

Se nas vertiginosas cenas de ação, a cinesia relembrava as típicas partidas em videogames, quando então Cameron submerge o filme às dedicadas cenas debaixo d’água, é que então compreendemos a conciliação de trabalhar com a captação de performance e aprimoramento nos traços dos personagens com equipamentos mais elaborados, o que traduz uma estética mais realista e impressionante. Isso tudo se faz encantador por dar forma ao objetivo do diretor em explorar mais do ecossistema de Pandora, e Cameron faz disso um deleite visual em termos de profundidade e inventividade único, principalmente quando se trata do valor cinematográfico experimental.

O controle de Cameron em apresentar uma intrínseca experiência visual em um universo que concebeu está tão viva depois de treze anos, que as poucas cenas noturnas do filme são em breve diálogos, ou durante a dinâmica de tensão e tiroteio pelas florestas de Pandora, novamente, usando de recursos já conhecidos sem comprometer a visualização e aproveitamento das cenas. Pois, quando mergulhamos pelas águas de Metkayina, o 3D é tão primoroso e imersivo que dá sentir, ter a dimensão do mar na altura do pescoço, as vidas aquáticas sendo mostradas até os limites da telas, a profundidade em planos mais fechados, e mais uma vez, durante os quadros mais escuros, Cameron volta para o uso de luzes fluorescentes para não deixar perder de vista a atenção do telespectador, convocados contemplar e visualizar toda essa beleza que O Caminho da Água permite.

No que tange a história, o roteiro não busca complexidades mirabolantes para justificar o universo que quer apresentar, e por isso, o ecossistema de Pandora é norte escolhido por Cameron para oferecer experiência visual com aplicação de tecnologia para ajudar a servir na consumação dessas narrativas sobre vidas extraterrestres e debates ecológicos, que ainda conversa acerca civilização, formação, ancestralidade e reencarnação. Ainda há mais três filmes a caminho, e não importa muito se o escopo batido da vilania tirana de Quaritch não seja uma ameaça tão ameaçadora assim, quando ainda sobra empolgação no que há para explorar em Pandora.

Avatar: O Caminho da Água pode não ter trazido o mesmo peso revolucionário do antecessor, mas serve para manter acesa a discussão de que ainda podemos ter um blockbuster que traduz entretenimento e experiência cinematográfica num pacote simples e encantador. Além que é a prova de que Cameron não perdeu o foco, nem sequer saiu de Pandora, e está apenas dando continuidade a um movimento que atravessa quase duas décadas desde o primeiro esboço, quando imaginou um universo, onde estando uma vez em Pandora, seria como entrar em êxtase visual.

Avatar: O Caminho da Água (Título original: Avatar: The Way of Water, EUA – 2022)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron, Rick Jaffa, Amanda Silver
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Kate Winslet, Cliff Curtis, Joel David Moore, CCH Pounder, Edie Falco, Brendan Cowell, Jemaine Clement, Jamie Flatters, Britain Dalton, Trinity Jo-Li Bliss, Jack Champion, Bailey Bass, Filip Geljo, Duane Evans Jr.
Duração: 192 min.

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