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Crítica | Babilônia

O barulhento cinema mudo.

por Kevin Rick
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Uma curiosidade: assisti Babilônia alguns dias depois de ver Os Fabelmans, uma experiência que me trouxe algumas reflexões que acredito serem interessantes de pontuar rapidamente. Ambos os filmes são cartas de amor ao Cinema e à sua História, ainda que de maneiras extremamente diferentes. Spielberg tem essa abordagem cheia de ternura, magia e tom fabular mesmo em seus dramas ao retratar seu ofício, enquanto Damien Chazelle continua obcecado com a obsessão de artistas, sempre com narrativas espirais sobre o preço do sucesso e da perfeição.

Acredito que ambos os retratos são válidos e importantes, principalmente quando uma obra está interessada em analisar a podridão interna de Hollywood, como é o caso de Babilônia. No entanto, quis trazer esse rápido paralelo, porque Spielberg, mesmo com seus problemas de foco em Os Fabelmans, tem uma sinceridade tão bonita em como enxerga o Cinema. Já Chazelle me parece um pouco falso em Babilônia, usando uma narrativa cheia de lições manipulativas, moralismos chatos e mensagens um tanto óbvias sobre como a indústria cinematográfica cospe seus indivíduos para continuar rodando. A coisa é: o envelope dessa mensagem confusa é um espetáculo audiovisual que transforma a película em uma experiência divertidíssima.

Antes de adentrar mais nesse pensamento, contexto: Babilônia acompanha um grupo de personagens durante a transição do cinema mudo para os filmes falados, entre os anos 20 e 30. A narrativa é uma colagem de crônicas que se intercalam e se conectam durante a fita, onde seguimos, principalmente, Manny Torres (Diego Calva), um mexicano que quer trabalhar num set de filmagens; uma aspirante a atriz chamada Nellie LaRoy (Margot Robbie); uma estrela do cinema mudo chamado Jack Conrad (Brad Pitt); além dos subutilizados Sidney (Jovan Adepo), um trompetista de jazz, e Lady Fay Zhu (Li Jun Li), uma cantora de cabaré, entre outros coadjuvantes excêntricos e coloridos.

Se pudesse definir a obra de Chazelle, diria que é o encontro maluco de Cantando na Chuva com O Lobo de Wall Street, nos entregando uma peça de excessos e luxúria durante um período importante e turbulento de Hollywood. A meia hora de abertura aqui é simplesmente esplêndida, com o cineasta concentrando seus esforços em criar uma obra hipercinética e propulsiva sobre libertinagem e depravação. É folia da mais alta qualidade, com uma produção completa que não se desculpa pelo retrato grotescamente eletrizante de valores como moral e ética sendo desprezados por uma indústria completamente hedonista.

Dos passeios de Chazelle pelos cenários detalhadamente produzidos até suas impressionantes composições que dão uma escala absoluta para a festa, o cineasta tem uma condução primorosa para nos situar na forma de vida daqueles personagens. A cinematografia de Linus Sandgren é cheia de vida e cor, enquanto a trilha sonora de Justin Hurwitz encontra o perfeito equilíbrio entre barulho e movimentação. Sinto que muitos artistas hoje retratam festas e depravação com um tom gratuito, mas Chazelle e seus colaboradores sabem como deixar tudo dançante. O clímax do trompete de Sidney desencadeia uma longa sequência pelo salão; um solo de bateria está condicionado à coreografia da exuberante LaRoy; e a produção como um todo consegue dar um senso de humor perverso a muitas sequências.

É um início muito divertido, que deixa claro que será uma obra sobre curtir a vida adoidado e sobre figuras autodestrutivas, até que algo venha e interrompa a festa – ironicamente e propositalmente, é a chegada do cinema falado que inicia esse processo, assim como um moralismo social que atravessa a libertinagem. Depois da aparição do título, porém, a diversão é mais esparsa e o desenvolvimento narrativo tem seus tropeços. A intercalação das histórias merece críticas negativas, seja pela edição que não consegue dar fluidez para a conexão dos núcleos, seja pelo pouquíssimo foco dado ao Sidney e a Lady Fay Zhu, para mim os dois personagens mais interessantes junto de Manny em suas representações de personagens marginalizados na indústria – parece até que Chazelle encaixou eles na história como um pensamento posterior ou tangente; talvez uma “obrigação” depois das críticas que recebeu por ter feito duas obras sobre jazz sem um personagem negro de destaque?

No entanto, tenho outros problemas de ordem narrativa que são maiores, todos envolvidos pela mensagem esquisita de Chazelle que expliquei no início do texto. Existem muitas cenas extremamente didáticas sobre artistas sendo quicados para fora da indústria cinematográfica, incluindo um monólogo enfadonho para Jack Conrad, um arco previsível de LaRoy e até mesmo o título. A obra é cheia dessas pequenas lições morais e mea culpa por personagens de péssima índole. O próprio desfecho (que é aberto a interpretações) e sua montagem experimental da história do Cinema me parecem querer justificar que tudo valeu a pena, que os excessos são justificados para fazer Arte e uma sugestão cínica de que o progresso do Cinema nasce de vidas destruídas. Faltou, para mim, a ambiguidade de Whiplash ou o sentimentalismo de La La Land em seus desfechos similares sobre a busca pelo sucesso artístico.

Não sei se é essa mensagem que Chazelle quis passar, mas é a sensação que tive, de uma espécie de orgulho (a)moral por tudo aquilo no sorriso de Manny. Ou talvez ele só ficou feliz de estar marcado e participado daquele período. E mesmo passando por isso, o roteiro consegue ser um tanto superficial em suas críticas, leves referências e toques de metalinguagem, e arcos narrativos comuns ou mal trabalhados. O que realmente eleva a experiência é o estilo com que tudo é feito, os maneirismos de câmera e dos personagens, e as diversas cenas icônicas, sensuais e malucas, mesmo que a fita em si acabe sendo inchada e com muitas sequências arbitrárias – o bloco da cobra, por exemplo, é completamente desnecessário para mim, enquanto o evento com participação de um insano Tobey Maguire é perturbador e aterrorizante da melhor maneira possível.

Particularmente, minhas cenas favoritas envolvem os retratos que Chazelle faz dos sets e da transição de períodos do Cinema, como num bloco fantástico com a loucura de vários filmes sendo feitos ao mesmo tempo, com centenas de extras, mortes e destruições de câmera, ou noutro bloco especial sobre a agoniante e inadvertidamente cômica passagem para a era de som com a personagem de LaRoy. Quando Chazelle também se deixa levar pela história sem lições morais, os atores brilham, com destaque para uma Margot Robbie que encapsula a autodestruição e paixão pelo prazer de sua personagem; Brad Pitt com o ego, a ambição e a melancolia de uma estrela em decadência; e o Manny como um avatar da audiência que ama as telonas.

Babilônia é um filme cheio de momentos, mas sem se tornar um todo orgânico, se me entendem. É menos inteligente e crítico do que quer ser, e pode ser óbvio e um tanto cafona às vezes em sua trama recorrente sobre aqueles destruídos pela indústria cinematográfica. No entanto, mesmo em seus tropeços dramáticos e superficialismos narrativos, é uma tremenda experiência divertida sobre os bastidores de um sucesso desenfreado, suas lendas urbanas e os problemas de excessos, ainda que Chazelle pareça estar celebrando tudo aquilo e não criticando.

Babilônia (Babylon) — EUA, 2022
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Brad Pitt, Margot Robbie, Diego Calva, Jean Smart, Jovan Adepo, Li Jun Li
Direção: 189 min.

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