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Crítica | Back Roads (2018)

Tragédia familiar.

por Ritter Fan
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Infidelidade não era para ter sido o último filme de Adrian Lyne em 20 anos, pois o cineasta britânico tinha planos concretos para desenvolver e adaptar o romance de estreia de Tawni O’Dell, Back Roads, publicado originalmente em 1999, para as telonas. Na verdade, ele tinha mais do que apenas planos, pois ele chegou a, pela primeira vez, arregaçar as mangas para escrever o roteiro e estava pronto para seguir em frente com a produção ainda em 2008 que, a certa altura, chegou a ter Andrew Garfield, Jennifer Garner e Marcia Gay Harden no elenco. Infelizmente, porém, o projeto jamais seguiu em frente da forma imaginada por Lyne, que enfrentou uma série de problemas com financiamento que, desconfio fortemente, ainda que não tenha localizado dados concretos sobre isso, precipitaram a aposentadoria forçada de duas décadas do diretor.

Mas, como volta e meia acontece na indústria cinematográfica, Back Roads acabou ressuscitando, desta vez com o ator Alex Pettyfer (Eu Sou o Número Quatro, Magic Mike) no papel principal e também como diretor, em sua estreia e até agora única obra nesta cadeira. Adrian Lyne, como havia escrito a primeira versão do roteiro, recebeu créditos e provavelmente alguma remuneração como tal, mas não teve qualquer envolvimento na produção, com a versão final do texto sendo escrito pela própria autora do livro. E isso fica muito claro ao se conferir o longa, que, apesar de ser muito claramente material afeito a Lyne, não é, definitivamente, um filme de Lyne. Mas isso não quer dizer que ele seja ruim também, que fique bem claro.

A história é pesada e a abordagem de Pettyfer é nua e crua, sem tentar embelezá-la. Ele vive Harley Altmyer, primogênito que cuida de suas irmãs Amber (Nicola Peltz), adolescente, Misty (Chiara Aurelia), de 12 anos e Jody (Hala Finley), de seis anos, depois que sua mãe Bonnie (Juliette Lewis) mata seu pai abusivo e é presa. Quando o filme começa, a tragédia já aconteceu há algum tempo e Harley é um jovem adulto que vive uma vida que cada vez mais se fecha ao redor dele, sem poder estudar, tendo que trabalhar dois empregos e tentando lidar com suas irmãs e os conflitos causados principalmente pela forma de Amber agir com seus namorados. Seus únicos momentos para si mesmo são a psicóloga Betty Parks (June Carryl), com quem hesitantemente conversa, com sessões de terapia que vão aos poucos descortinando mais do passado da família Altmyer, e sua bela vizinha casada e mãe Callie Mercer (Jennifer Morrison), com quem começa um caso.

Tudo em Back Roads é cinza e/ou marrom, com a paleta de cores escolhida por Pettyfer claramente transpondo para as telas a agonia mental que seu personagem sente e que só vai piorando ao longo do desenvolvimento da narrativa. Suas tomadas são essencialmente de câmera parada, sempre muito atento ao personagens, suas ações e emoções, com o roteiro de O’Dell lentamente soltando detalhes mais intrincados e sujos do labirinto em que Hayley se encontra, tornando o longa uma obra consideravelmente difícil de se ver pela matéria que trata. Tudo é feito para criar uma sensação de completa falta de saída, algo que é alcançado mesmo considerando que não há muitos espaços claustrofóbicos, normalmente usados para se atingir esse objetivo. Ao contrário até, há diversas tomadas a céu aberto, considerando a região mais erma em que todos ali moram, com poucos elementos citadinos vistos no longa, a mais relevante exceção sendo o supermercado branco como um hospital em que Hayley trabalha no turno noturno.

No lado das atuações, a maior responsabilidade recai no colo do próprio Alex Pettyfer. O ator nunca mostrou muita latitude dramática, mas seu personagem é caracterizado principalmente por uma profunda e perturbadora apatia, algo que permanece como traço mais relevante mesmo durante demonstrações de afeto. Seja uma escolha proposital, seja uma limitação do próprio ator, o que importa é que seu trabalho acaba funcionando para tornar possível que o espectador ao mesmo tempo em que cria empatia com Hayley, deseja uma certa distância do rapaz. O que não funciona de verdade é a aparência talvez adulta demais de Pettyfer em um papel que, por tudo o que é colocado em tela, talvez exigisse alguém mais jovem e não com quase 30 anos como o ator tinha na época da produção. Mas essa é uma barreira ultrapassável, depois de certa altura.

O que realmente incomoda é a falta de desenvolvimento das irmãs de Hayley. Amber, que é a que mais aparece, até cumpre seu objetivo dentro da trama, mas mesmo ela poderia ter se beneficiado de mais tempo para ser construída apropriadamente. As outras duas, porém, são quase que esquecidas no filme e, considerando o quanto a irmão do meio acaba sendo importante para a trama, era simplesmente necessário que ela ganhasse bem mais relevo do que a vemos ganhar no longa. Entendo até que O’Dell tenha feito isso para preservar algumas revelações do terço final, mas o filme não precisava delas como “revelações” para funcionar, pois a pegada realista teria se beneficiado da inserção mais fluida e menos sensacionalista dessas informações.

No fim das contas, o que temos é um filme perturbador no que aborda e na forma como aborda, sem nenhuma tentativa de se aparar arestas, o que sem dúvida é mérito de Pettyfer tanto atrás como a frente das câmeras. Por outro lado, ao ser muito direto, a obra não tem nuanças e sua atmosfera é dependente unicamente daquela sensação sufocante que a história naturalmente passa. Teria sido muito interessante ver a abordagem de Lyne para essa história, mas Pettyfer, herdando o projeto depois de quase uma década com ele parado, até que não fez feio, especialmente considerando que é sua estreia da direção.

Back Roads (EUA, 2018)
Direção: Alex Pettyfer
Roteiro: Tawni O’Dell, Adrian Lyne (baseado em romance de Tawni O’Dell)
Elenco: Alex Pettyfer, Jennifer Morrison, Nicola Peltz, Chiara Aurelia, Hala Finley, June Carryl, Robert Patrick, Juliette Lewis, Robert Longstreet, Jeff Pope, Gavin Warren
Duração: 101 min.

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