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Crítica | Balada Sangrenta

Elvis Presley no que talvez seja seu filme mais cuidadoso.

por Ritter Fan
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O quarto longa estrelado por Elvis Presley no intervalo meteórico de apenas três anos é, provavelmente, um dos melhores de sua carreira por contar com um roteiro de Herbert Baker e Michael V. Gazzo que adapta romance de Harold Robbins antes de sua fase mais, digamos, popular, que genuinamente se preocupa primeiro com a história e desenvolvimento de personagens e apenas depois nos vários números musicais que pontilham a narrativa. Além disso e talvez mais importante, a direção ficou ao encargo de ninguém menos do que Michael Curtiz, responsável por Casablanca, em um momento de sua carreira depois que sua notória briga com a Warner Bros. o levou ao caminho de freelancer. E, finalmente, o elenco de apoio é composto, dentre outros, por Walter Matthau, ainda em começo de carreira, vivendo Maxie Fields, o gângster de Nova Orleans que inicialmente emprega Danny Fisher (Presley) como ajudante de garçom e Carolyn Jones, que concorrera ao Oscar de Melhor Atriz coadjuvante por Despedida de Solteiro e que, a partir de 1964, seria imortalizada como Mortícia Addams na célebre série sessentista A Família Addams, como Ronnie, amante de Maxie.

Fica muito evidente que toda essa conjunção de fatores faz de Balada Sangrenta (uma “tradução” de King Creole talvez dramática demais, mas que não é desprovida de sentido, ainda que ele só venha no terço final) uma obra superior de Elvis Presley, com Curtiz, que duvidava da capacidade dramática do cantor, usando de toda sua genialidade atrás da câmeras para “domá-lo” a ponto de obrigar que as famosas costeletas fossem aparadas e fazer de Presley um mais do que obediente ator, daqueles que chegava antes de todo os demais e fazia absolutamente tudo que o cineasta exigia. As rédeas curtas do diretor certamente contribuíram para um trabalho menos canastrão do cantor transformado em ator que mergulha melhor em um papel de elementos complexos, como um jovem de 19 anos que, repetindo o último ano da escola pela segunda vez por envolver-se em uma briga, passa a focar em seus trabalhos para ajudar sua família a sair da pobreza depois que seu pai (vivido pelo veterano Dean Jagger) não consegue mais sustentar seu negócio ou empregos, tornando-se um recluso no próprio e apertado apartamento na famosa Rua Bourbon.

Danny Fisher não é o “rebelde sem causa” que o personagem poderia muito facilmente ser. Muito ao contrário, ele tem objetivos claro de vida e seu problema está mais em sua incapacidade de controlar seus impulsos e temperamento e em entender quem ele exatamente é, com o medo de se tornar um fracassado como ele acha que o pai é funcionando como uma nuvem carregada sobre sua cabeça. Presley, apesar de continuar a ser inevitavelmente Presley – o astro nunca realmente desapareceria em um papel -,  consegue transmitir a angústia da juventude como Danny e suas interações com Ronnie, meio amorosas, meio mestra-pupilo, com Maxie e seus capangas, sempre belicosas e raivosas, com seu pai, constantemente frustrantes e com Nellie (Dolores Hart, em seu segundo filme com Presley e fazendo basicamente o mesmo tipo de papel que fez em A Mulher que Eu Amo), perdidamente apaixonada por ele.

Lá no fundo, a estrutura de “talento musical descoberto por empresário” dos dois longas anteriores de Presley repete-se aqui, com Fisher sendo descoberto e contratado por Charlie LeGrand (Paul Stewart), dono da boate King Creole, o que desperta a ira de Maxie Fields, mas há mais estofo do que apenas isso, com os números musicais mais cuidadosamente costurados na infraestrutura narrativa, sem que eles, como em O Prisioneiro do Amor (que parece ter sido construído ao redor do que acabaria sendo o literal – e excelente – videoclipe de Jailhouse Rock), sejam mais importantes do que a história, porém. O cuidado visual de Curtiz é outro destaque, com a fotografia em preto e branco de alto contraste do prolífico Russell Harlan, que ainda viria a trabalhar em O Sol É para Todos e Hatari, criando uma atmosfera noir que, mesmo não se justificando no início, ganha importância na medida em que o protagonista mergulha mais no submundo de uma Nova Orleans particularmente bonita em suas ruas desertas pela manhã e seus becos igualmente vazios à noite.

Com um roteiro que não entrega soluções fáceis e óbvias mesmo quando o final caminha para ser feliz, um elenco coadjuvante inspirado e, principalmente, uma direção cuidadosa por parte de Michael Curtiz, Balada Sangrenta consegue integrar as necessidades marketeiras da presença de Elvis Presley no protagonismo, razão principal da existência da obra, claro, com um lado artístico acima da média que acaba elevando a normalmente pobre atuação do cantor, especialmente em papeis mais complexos como é o caso aqui. Dentre os diversos personagens fungíveis que Presley viveu ao longo de sua carreira no Cinema, Danny Fisher é, sem dúvida alguma, um dos destaques, e só isso já é um grande avanço, ainda que, felizmente, o longa não se reduza a apenas isso.

Balada Sangrenta (King Creole – EUA, 1958)
Direção: Michael Curtiz
Roteiro: Herbert Baker, Michael V. Gazzo (baseado em romance de Harold Robbins)
Elenco: Elvis Presley, Carolyn Jones, Walter Matthau, Dolores Hart, Dean Jagger, Liliane Montevecchi, Vic Morrow, Paul Stewart, Jan Shepard, Brian G. Hutton, Jack Grinnage, Dick Winslow, Raymond Bailey, Gavin Gordon
Duração: 116 min.

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