Lançado em 1976, Bandido marca a virada de Ney Matogrosso do experimentalismo dos Secos & Molhados e do ousado Água do Céu – Pássaro (1975) para um som mais acessível, mantendo sua apresentação transgressora. A capa já entrega: Ney é um anti-herói cinematográfico, com chapéu de aba larga e tons terrosos, evocando o imaginário de westerns e folhetins populares, como Zorro. A faca na imagem e a tipografia dourada, com jeito de cartaz de “procurado”, reforçam a ideia de um artista que transforma a marginalidade em manifesto estético, brincando com códigos de rusticidade e rebeldia.
Ney percebeu que sua revolução vocal e comportamental podia alcançar um público maior sem perder potência. O repertório, mais dançante e radiofônico, aqui, mantém sua grande qualidade e dialoga com mais ouvintes, tanto nas letras quanto na música. Nos anos 1970, com artistas explorando o íntimo e o libidinoso, Ney desafiava o machismo e a heteronormatividade, alinhando-se ao tropicalismo tardio. Sua ambiguidade sexual era uma forma de resistência política numa sociedade sob ditadura, onde ser diferente era, por si só, um ato de coragem. Bandido cria uma atmosfera de sedução perigosa, misturando o popular com o sofisticado, o riso com o ameaçador. Comparado ao álbum anterior, mais experimental, este é mais direto, com produção e arranjos que flertam com gêneros latinos como bolero, mambo, salsa, ritmos brasileiros e até o nascente brega. O personagem central é o fora-da-lei romântico, um bandido-galã que seduz e provoca, refletindo a própria condição de Ney como artista transgressor num Brasil conservador.
A faixa de abertura, Bandido Corazón (Rita Lee), é um cartão de visitas com ritmo latino contagiante. Ney alterna gritinhos e teatralidade, estabelecendo o tom sedutor do álbum. Os arranjos, ricos em instrumentos latinos, reforçam a energia. Já Aqui e Agora (Luli) quebra o ritmo e não me conecta tanto. Apesar da interpretação sólida, a canção carece dos ganchos melódicos das demais, ficando menos envolvente. Cante uma Canção de Amor (Odair José) retoma a sedução, mas com vulnerabilidade. A ironia, que desafia a masculinidade tradicional, mostra a sofisticação do conceito. Pa-ran-pan-pan (De Carlo) é pura festa caribenha, com exageros e ritmos de mambo, celebrando a latinidade. A Gaivota (Gilberto Gil) é um dos pontos altos, com melancolia e metáforas de liberdade. A interpretação delicada de Ney prova sua capacidade de emocionar pela fragilidade. Usina de Prata (Rosinha de Valença) fecha a primeira metade com romantismo e poesia, refletindo o Brasil industrial dos anos 70.
A segunda metade começa com Trepa No Coqueiro (Ary Kerner), uma explosão nordestina. Ney abraça a brasilidade com percussão vibrante, mostrando versatilidade. Pra Não Morrer de Tristeza (João Silva e Caboclinho) é introspectiva, explorando sofrimento e superação com interpretação contida. Mulheres de Atenas (Chico Buarque e Augusto Boal) ganha ironia na voz de Ney, amplificando a crítica ao patriarcado. Airecillos (Marlui Miranda) encerra com delicadeza, como um epílogo sereno. Já as faixas da versão deluxe, como a versão alternativa de Pra Não Morrer de Tristeza (que eu prefiro, à versão original) e duas ótimas canções com Fagner, Postal de Amor – Versão 1 e Ponta do Lápis, dão uma visão diferente sobre os bastidores do álbum, mas mantém a atmosfera e a qualidade.
Bandido é manifesto estético e entretenimento, misturando provocação e acessibilidade. Na discografia de Ney, é o momento em que ele passou a dominar a experimentação e a comunicação direta, criando um clássico atemporal, emocionante e surpreendente, cheio sedução, e saborosa rebeldia.
Aumenta!: Bandido Corazon
Diminui!: —
Bandido
Artista: Ney Matogrosso
País: Brasil
Lançamento: 1976
Gravadora: Continental
Estilo: MPB, Música Latina, Samba
Duração: 43 min. (versão deluxe)