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Crítica | Batman – O Cavaleiro das Trevas 2

por Ritter Fan
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estrelas 2,5

batman_o_cavaleiro_das_trevas_2_capa_plano_criticoÉ muito normal ler comentários de leitores que se desapontaram com o mais aguardado lançamento de 2001 nos quadrinhos, a continuação da adorada, aclamada e reverenciada (com toda razão, aliás) graphic novel Batman – O Cavaleiro das Trevas, de 1986, que revolucionou o personagem e, diria, a indústria dos quadrinhos mainstream como um todo. Era consenso geral que Frank Miller muito provavelmente não conseguiria chegar ao mesmo nível de sua obra-prima, mas o que acabou chegando às ávidas mãos e olhos dos leitores foi algo considerado muito aquém do que seria minimamente aceitável.

É bem verdade que a carreira de Frank Miller, responsável também nos anos 80 por revigorar o Demolidor, por escrever e desenhar Ronin, uma excepcional graphic novel futurista, por reescrever a origem do Batman em Batman: Ano Um, por colocar nas bancas talvez a melhor história do Wolverine já escrita, Eu, Wolverine e, nos anos 90, por recontar a batalha de Termópilas em Os 300 de Esparta e nos presentear com uma série de sete graphic novels passadas em Sin City, universo próprio noir que ele criou, dentre outras, já não estava mais na ascendente. A chegada da continuação de O Cavaleiro das Trevas funcionou, talvez, como o marco definitivo de que algo não estava bem com Miller. E, de fato, ele mudou. E não só fisicamente, com uma doença que o acometeu, mas também com a forma de encarar o mundo por intermédio de suas histórias. O Cavaleiro das Trevas 2 é cru, mal-acabado, perdido, simplista e em nada lembra seu antecessor.

No entanto, sou um dos poucos que talvez ainda defenda essa obra. Não com a cegueira típica de alguns fãs cegos deste grande autor, mas sim com um pouco de compreensão do que Miller quis passar ali. Ou talvez o que eu gostaria que fosse a ideia por trás do conceito de Miller em O Cavaleiro das Trevas 2.

O primeiro ponto que é essencial lembrarmos é que 15 anos há haviam se passado desde o primeiro volume. Um artista pode e deve mudar muito em período tão grande. A arte de Miller tornou-se mais caricata, algo visto desde Elektra Vive, de 1990 e que continuou com praticamente todas as suas obras da década de 90, inclusive as já citadas Os 300 de Esparta e especialmente com os volumes de Sin City. Portanto, os traços que vemos em O Cavaleiro das Trevas 2 e que é, talvez, o ponto mais evidente de reclamação dos leitores, não era novidade alguma. Muito provavelmente dirão que ele exagerou e talvez eu possa concordar com essa afirmação, mas é que esse exagero, essa “grosseria” nos traços é, para mim, o outro aspecto que Miller quis passar: a crítica ao estado da arte.

E por arte, leiam a arte de escrever e desenhar quadrinhos como um todo. Afinal, Batman tornou-se um ser super-poderoso e invencível depois que Miller o colocou frente a frente com o Superman, fazendo com que o Homem de Aço apanhasse ao ponto de ficar com o rosto todo inchado. Sua criatividade tornou-se o padrão da indústria, bastando ver quantos embates posteriores entre os dois aconteceram em histórias dentro da continuidade normal da DC Comics. Além disso, todo o enfoque sombrio de sua obra original foi absorvido como padrão da indústria, seja com Batman, seja com qualquer outro herói, tendência essa que, para o mal ou para o bem, continua até hoje. Assim, gosto de ver O Cavaleiro das Trevas 2 como uma espécie de grito de liberdade em relação às amarras que as editoras mainstream de quadrinhos se auto-impuseram. A arte de Miller não vem para revolucionar mais uma vez, mas sim para desnudar a mesmice que marcava a época e que, de certa forma, ainda marca os quadrinhos (outro tipo de mesmice, claro).

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Assim, vejo como natural Batman ser empoderado como é na continuação, já que todo mundo, nos 15 anos entre uma obra e outra, usaram e abusaram do Morcego. E ele tornou-se até mais jovem que no volume original, em uma brincadeira divertida feita para enfurecer os leitores. Vejo também com bons olhos a Mulher-Maravilha ser desenhada como se fosse a Elektra de short estrelado (cabelos pretos cacheados, lábios grossos e rosto anguloso como a amante do Demolidor é desenhada por ele em Elektra Vive). Também não me importo com o agravamento da inocência e “bunda-molice” do Superman, que novamente apanha feito cão ladrão. Miller exagera e basta um pouco de boa vontade para entrar na brincadeira, ainda que tenha algumas restrições à escolha do colorido digital por Lynn Varley, que parece extremamente artificial quando usado ao fundo das imagens (basta ver as sequências com o Lanterna Verde para perceber o “efeito Photoshop” nas imagens).

O que, porém, me desapontou em O Cavaleiro das Trevas 2 é que Batman é um coadjuvante em sua própria história que parte de uma premissa do tipo Watchmen, em que os heróis foram “proibidos” ou “regulados” pelo Estados. Claro que o primeiro Cavaleiro das Trevas já abordava isso, mas, agora, Miller dedica páginas e páginas a explicar por que o mundo está vazio de heróis. Há flashes de brilhantismo em Miller para explicar os “usos” feitos pelo governo dos mais diversos heróis, valendo destaque para Ray Palmer, o Eléktron, vivendo em forma diminuta em uma placa de Petri e Barry Allen, o Flash, servindo como dínamo para a produção de um terço da energia elétrica dos EUA. Mas há outros vários momentos menos inspirados como os com o Homem-Elástico e o Homem-Borracha e a subutilização do Questão. Acontece que, no final das contas, a quantidade de heróis veteranos – temos, além dos já citados, o Arqueiro Verde, o Caçador de Marte, o Capitão Marvel – e de outros novos criados para a história é mais importante do que o Batman. Ele é, apenas, a mente por detrás de um plano gigantesco para eliminar do poder Lex Luthor e Brainiac, os vilões que efetivamente controlam os EUA e, por tabela, o resto do mundo.

batman_o_cavaleiro_das_trevas_2_pagB_plano_criticoE, nesse ponto, vem meu segundo desapontamento. Toda aquela crítica ao governo e ao Estado que Miller fez em O Cavaleiro das Trevas desaparece na continuação. Ao colocar Luthor e Brainian como os Puppet Masters de todo o mal no mundo, inclusive e especialmente o desaparecimento dos super-heróis, o autor volta à óbvia luta entre o bem e o mal, sem maiores ambições. Seu trabalho anterior ganha uma versão simplificada e for dummies que funciona somente na superfície já que outro ponto negativo é a velocidade com que as coisas acontecem e os atalhos convenientes que Miller pega para chegar onde precisa chegar.

De toda forma, O Cavaleiro das Trevas 2 não é a “perda total” que muitos dizem ser. É uma obra que não deve ser comparada com a original (seria injustiça demais, ainda que completamente inevitável, eu sei) e pode ser apreciada simplesmente pelo que ela é, por mais que a trama simplista afaste o leitor que espere um pouco mais e por mais que a arte assuste em alguns momentos aqueles que esperam algo mais dentro do “padrão”.

*Leia as dezenas de críticas que temos de histórias do Batman em nosso Especial Batman.

Batman – O Cavaleiro das Trevas 2 (The Dark Knight Strikes Again, EUA – 2001/2)
Roteiro e Arte: Frank Miller
Cores e capas: Lynn Varley
Letras: Todd Klein
Editora nos EUA: DC Comics
Data original de lançamento: dezembro de 2001, janeiro de 2002 e julho de 2002 (três edições)
Editora no Brasil: Editora Abril, Panini Comics
Datas de publicação no Brasil: fevereiro, março e outubro de 2002 (Editora Abril – em três edições), setembro de 2011 (Panini Comics – edição encadernada)
Páginas: 246

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