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Crítica | Batman (Sem Spoilers)

A autodescoberta do órfão entre a vingança e o heroísmo.

por Davi Lima
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  • Confira aqui a versão com spoilers.

Em Cloverfield: Monstro um cara queria encontrar sua namorada; em Planeta dos Macacos: O Confronto e Planeta dos Macacos: A Guerra o primata inteligente queria viver em paz com seus irmãos; em Batman o Homem Morcego quer uma Gotham melhor, uma cidade renovada. Motivações de fácil entendimento e tão profundas na mesma proporção grandiosa de cenário de história dos três filmes citados. É assim que o diretor Matt Reeves trabalha a vingança, que são as sombras de Gotham, em uma luz vermelha de esperança melancólica em meio a submersão em mentiras. Ao mesmo tempo em que a investigação é o conceito de Batman, ele se transforma do voyeurismo de órfãos em busca da verdade em um olhar ao longe que contempla novos caminhos do sacrifício heroico.

O filme tem um formato bastante similar ao cinema de David Fincher, como Se7en: Os Sete Crimes Capitais e Zodíaco, se dispondo à trama de buddy cop e ao suspense noir como foco central da história do Batman em todas as vertentes. Batman (Robert Pattinson) e Gordon (Jeffrey Wright) são como a dupla Mills (Brad Pitt) e Somerset (Morgan Freeman) do filme sobre os sete pecados capitais, exemplos fáceis de reproduzir na dinâmica de personagens em roteiro; porém, desafiadores para os roteiristas Matt Reeves e Peter Craig torná-los críveis e que valham a pena serem vistas em tela mais uma vez numa grande caçada por um assassino em série como vários filmes já fizeram.

Mas, diferente de Fincher, Reeves não dirige um tratamento de retroalimentação de dois protagonistas como em Se7en, e sim um coadjuvante policial não corrupto recebendo a confiança de um vigilante, ao mesmo tempo que Gordon confia em Batman. O título não mente: realmente há uma investigação pelo “ser” do Batman como texto principal. Não se torna um estudo de personagem como uma trama que acompanha o herói em seus dramas para desvendá-lo como único centro narrativo. No entanto, há um centro de gravidade no olhar de Bruce Wayne de Robert Pattinson que atrai a história de investigação para si, mesmo quando ele está passos atrás do vilão Charada (Paul Dano).

Batman torna-se uma investigação de si mesmo, desenvolvendo um blockbuster maniqueísta, de bem e mal, sem fragilizar a ausência de categorias morais cinzas de um drama parcialmente whodunit, jogo que procura saber quem é o assassino, propulsionando a renovação do protagonista e do filme para os objetivos heroicos de Cruzado Encapuzado. Existe um meio de suspense em que se questiona as motivações que vão fazendo Batman entrar como várias personalidades diferentes no clube de Pinguim (Colin Farrell), assim como os encontros de Selina (Zoë Kravitz) com Bruce, sempre com variações nas cenas de romance, de descoberta um do outro de maneira objetiva e sensualmente trágica. Como nas histórias de amor dos filmes antigos de investigação em preto e branco da década de 40 no cinema americano, com narração off, femme fatale e uso aprimorado da iluminação e das penumbras na fotografia; Batman emula isso para construir a imersão na mente de Batman e Gotham simultaneamente e fazer homenagens ao cinema clássico americano – assim como sua duração longa reflete isso. 

Nesse método de utilizar fases cinzas do protagonista para a trama, evidenciadas nas cartas charadas, sempre nos revelando mais sobre Bruce Wayne por trás da máscara, o plano da narrativa mostra-se no incremento dos dramas de identificação com a investigação do Charada. Batman, por mais que resolva os enigmas, sempre está se desafiando, como um ser em processo heroico com certo nível de experiência. E quanto mais o filme progride, conseguimos alcançar seu alter ego, que se esconde em seus diários de missões e auto ajuda, em suas narrações em off e nas dúvidas que vão surgindo sobre seu lema de vingança contra a corrupção de Gotham. O bem e o mal surgem como a luz e a escuridão de uma película em preto e branco, acentuando ainda mais o cinza que cria as penumbras a serem desvendadas. Assim, um escopo moral além do protagonista ergue-se na fotografia do sol e do nublado, propondo caminhos visuais enquanto Batman se auto descobre.

Quando Matt Reeves introduz Something in the Way do Nirvana em um passeio de moto de Bruce – e o filme tem uma recorrência de passeios de motos -, é como se a canção estivesse debaixo da ponte que a letra diz, em meio a goteiras da chuva de Gotham, dando o engate para se achar um caminho em meio ao novo enigma. O Charada é um ponto de interrogação não por ele mesmo, mas para o percurso narrativo que nos translada pela vida do órfão Bruce Wayne. O diretor disse que pensou no personagem como Kurt Cobain. A personalidade melancólica, reflexões sociais introspectivas e entrega completa a profissão de maneiras perigosas como representação de uma geração.

Juntando tudo isso de Cobain, esse novo Batman ainda cria uma empatia pela sua crença esperançosa ainda em tateamento, misturado no niilismo insensível ao seu redor em toda a atmosfera do filme pelas luzes vermelhas, amarelas e sombras vivas nos vários ambientes na fotografia digitalmente modificada. Bruce mal aparece em público, passa muito tempo na caverna e tem pouquíssimas atitudes reativas, mantendo uma plena graça atraente em meio ao som da música Ave Maria, que perambula pelo longa metragem.

Diferente do filme de Tim Burton, que tornava a imagem do morcego em misticismo, do realismo exacerbado de Christopher Nolan e do pesaroso violento implementado por Zack Snyder, o Batman de Matt Reeves tem uma simetria com a imaginação temporal do Homem-Aranha de Sam Raimi, interpretado por Tobey Maguire. Se a Nova Iorque de Peter Parker de 2002 a 2007 tinha um ar anacrônico indecifrável no universo do Aracnídeo, a Gotham gravada no filme com locações na Escócia para cenas abertas, é moderna e clássica, entre a madeira e o carpete das casas, com um céu cinza e ensolarado quando precisa.

Não é mais Chicago futurista, nem o modelo gótico deformado, é algo novaiorquino com cara europeia. Batman encaixa-se nisso, ou vai se encaixando. Essa mistura cultural e universo próprio contribui para criar uma ponte crítica política sobre as formas que o heroísmo quer se fazer e as mediações sociais esquecidas. Ser a vingança sem a filantropia, enquanto programas de políticas públicas de renovação como sustentação de corrupção. Bruce parece a parte disso e o suspense acerca de Charada clama pela verdade que vai transformar os órfãos em multiplicação.

Desde 1999, com Clube da Luta, David Fincher abordava a sociedade americana na transição da década de 90 de filhos sem pais, do pessimismo quanto à masculinidade e ao capitalismo. Embora a carga política de Batman não seja para tanto, participa dessa discussão dos anos 90, não à toa que traz Nirvana para seu repertório, se enriquece com Se7en para o clima de investigação e Bruce parece um jovem noventista emo que ascendeu com as mudanças do rock nos EUA, jovens autênticos buscando por mudanças. Essa classe cultural une-se aos pobres pela sensação de orfandade, assim como Bruce se redescobre como órfão, como parte da sociedade de Gotham esquecida, mesmo tendo seus privilégios, claro. No lugar de ser levantado pelo pai Thomas Wayne em Batman Begins, agora Batman segura a mão da criança órfã como símbolo heroico contra a corrupção e real renovação social e política na cidade.

Mulher Gato, Gordon e Alfred (Andy Serkis) são coadjuvantes clássicos de roteiro para que o personagem chegue neste ato. O funcionamento da história se sustenta em personagens que circulam as ideias que Bruce não diz, que mantém consigo. Ele se coloca como frágil, quando Mulher Gato diz saber cuidar de si e questiona a figura do protagonista com um romance representativo da atração de Bruce por essa Gotham a que Selina é intrínseca. O segredo por trás de sua vida põe o dilema do Batman sobre matar ou não, especialmente depois de sua apresentação na cidade como vingança. Da mesma forma, Gordon protege o herói como um jovem que precisa ser cuidado por um amigo dentro da lei, como um símbolo de esperança repetida por Batman: você é um bom policial. Já Alfred permuta entre tentar ser o pai de Bruce, mas na verdade é um parceiro experiente da MI6 e um pilar essencial para manter a história dos Wayne viva dentro de uma narrativa familiar, não apenas jornalística.

Isso tudo forma a cidade de Batman antes de ele entregar-se a ajudar a cidade Gotham além da vingança, antes de entender o foco para onde olhar, fugir do voyeurismo de cima e se colocar debaixo olhando para o céu. A trilha sonora de Michael Giacchino entrega tudo isso para que esse novo filme do personagem da DC Comics se torne digno de um cinema hollywoodiano clássico. São duas fases do tema de Batman – como o compositor provavelmente pensava nas suas composições sonoras para jogos de videogame – das notas graves e das notas agudas, ambas associadas a como o protagonista se relaciona com a cidade. Quando ele é as sombras e quando ele contempla a cidade que ele ainda não sabe ajudar plenamente.

Como desafio, o tema de Charada também diz tudo sobre o suspense assustador da investigação de um assassino em série, sendo a música Ave Maria com modificações para acompanhamento de filmes de terror. Enquanto o romance clássico do tema de Mulher Gato é como se tivesse saído de uma obra noir, que em algum momento se mistura com o tema de Batman em algumas notas. A trilha entrelaça todo o ritmo que você vai experimentar ao assistir o filme. Batman é assim em sua narrativa, em seu Batman e em sua ação. Tudo se auto investiga, expondo dramas, desesperanças, mas nunca deixando os olhos de Batman se perderem para o heroísmo, até a última cena.

E, assim, a nova obra de Matt Reeves voa alto no seu escopo grandiloquente ao tratar o heroísmo clássico em meio ao mar intimista e dramático de órfãos sociais buscando uma renovação verdadeira em suas vidas na sociedade. Há dúvidas sobre esse renovo real e até que ponto a esperança de Batman não é inocente demais. No entanto, trata-se de um caminho, como na música do Nirvana, ou alguma interpretação da letra de Cobain. Como um noir, Batman entrega a melancolia e a tragédia, mas como um cinema clássico de Hollywood traz o herói investigativo de si, restando uma iluminação transformadora para quem se diz estar nas sombras, ser as sombras e a própria vingança.

Batman (The Batman | EUA, 2022)
Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves, Peter Craig
Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Jeffrey Wright, Colin Farrell, Paul Dano, John Turturro, Andy Serkis, Peter Sarsgaard, Jayme Lawson, Barry Keoghan, Gil Perez-Abraham, Peter McDonald, Con O’Neill, Alex Ferns, Rupert Penry-Jones, Kosha Engler, Archie Barnes, Janine Harouni, Hana Hrzic, Joseph Walker, Luke Roberts, Oscar Novak, Stella Stocker, Sandra Dickinson, Jack Bennett
Duração: 176 minutos.

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