Home FilmesCríticas Crítica | Belas Criaturas (2022)

Crítica | Belas Criaturas (2022)

Um completo desajuste.

por Luiz Santiago
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Em seu segundo longa-metragem, o diretor Guðmundur Arnar Guðmundsson segue explorando o mundo da adolescência e da juventude, uma escolha dramática que o acompanha desde os primeiros anos de carreira e que também esteve em seu primeiro longa, o estupendo Heartstone. E assim como fez no filme de 2016, o diretor explora relações de amizade entre garotos adolescentes aqui em Belas Criaturas. Existe um interessante contato físico e fraterno entre alguns desses meninos, mas dessa vez o diretor não trabalha esse contato aliado à sexualidade. E é muito curioso ver esse tipo de carinho, especialmente entre meninos adolescentes, em uma história onde a homossexualidade não está verdadeiramente em pauta. É uma discussão típica do século XXI, onde novas representações da masculinidade são vistas mais frequentemente em novas gerações e tiram o peso opressivo de um abraço ou demonstração de afeto entre dois homens que são apenas amigos.

O roteio de Belas Criaturas, porém, não faz com que tal traço de tratamento particular entre esses garotos de uma cidade da Islândia abra as portas para exposições de uma juventude fantasiosa, com atitudes irreconhecíveis. A despeito de não se furtarem abraços e eventuais carinhos (especialmente os amigos Addi e Konni, que são os mais próximos), o convívio entre esses meninos é pontuado por atitudes violentas, onde um tipo de manifestação homofóbica, embora pouco intensa, também existe. A câmera de Guðmundsson começa mostrando para o espectador atos de violência adolescente cometidos em escolas da Islândia, e um desses casos, no qual o nariz de um estudante é quebrado, acaba sendo o ponto de partida para o foco maior dado a Balli, em torno do qual a grande trama se desenvolverá.

Depois da apresentação da problemática dos espancamentos, do bullying e da vida desregrada desses adolescentes, temos a oportunidade de conhecer um pouco as famílias ou ouvir relatos de como esses espaços domésticos são constituídos. É nesse momento que o diretor nos convida a refletir sobre as influências familiares como formadoras de personalidade, de seus comportamentos dentro e fora de casa. A maneira como lidam com a raiva, como canalizam suas frustrações e como demonstram sentimentos de forma geral, recebe um estudo pontual aqui. Em momentos diferentes, a câmera e a trilha sonora focam em um garoto e deixa com que expressem um pouco mais de si, tanto a faceta interna, socialmente bem relacionável, plácida, humana; quanto a faceta dos traumas, monstruosa, normalmente exibida com algum tipo de violência verbal ou física.

Aqui, os lares ajudam a delinear a diferença entre os blocos dramáticos. Embora vejamos as relações familiares de apenas dois dos quatro garotos, ouvimos citações de como as coisas funcionam nas outras duas casas, e a descrição é tão bem colocada, e de modo tão condizente com o comportamento dos meninos, que não precisamos de mais nenhum outro contexto para entender de onde vem aquelas atitudes. O roteiro, todavia, mescla esses momentos de briga com as idas e vindas da amizade e as mudanças pelas quais alguns deles vão passando. Um acaba indo por um caminho cada vez mais questionável. Outro dá voz a elementos místicos, seguindo os passos de sua mãe. Outro, tenta lidar com o trauma causado pelas ameaças e pelo medo que estiveram com ele ao longo dos anos. Cada personagem possui a alma ferida de um forma bastante intensa, e todos passam por momentos de dor ao longo da fita, com coisas de vão de espancamentos a estupro.

O ambiente desregrado e doentio também é marcado pelo cigarro, que está o tempo inteiro na mão desses meninos de tão pouca idade. O diretor usa o vício como uma demonstração da falta de controle das famílias e de como os garotos estão entregues, cedo demais na vida, a coisas que só deveriam conhecer bem mais adiante. Medo, ansiedade e tristeza acompanham essas “belas criaturas” em suas aventuras impulsivas pela cidade, onde cometem atos dos quais se arrependem, mas dos quais não conseguem se distanciar. O apoio fraterno que o quarteto principal se dá é o exemplo de gente machucada tentando ajudar — enquanto fere um pouco, também — outras pessoas igualmente feridas. Por incrível que pareça, em um dos braços dessa relação, esse tipo de interação faz nascer uma flor. E do contato mais improvável, surge uma amizade que consegue transformar alguém que realmente precisava daquele contato, daquela transformação.

Belas Criaturas (Berdreymi) — Islândia, Dinamarca, Suécia, Holanda, República Tcheca, 2022
Direção: Guðmundur Arnar Guðmundsson
Roteiro: Guðmundur Arnar Guðmundsson
Elenco: Birgir Dagur Bjarkason, Áskell Einar Pálmason, Viktor Benóný Benediktsson, Snorri Rafn Frímannsson, Anita Briem, Ísgerður Elfa Gunnarsdóttir, Ólafur Darri Ólafsson, Kristín Ísold Jóhannesdóttir, Blær Hinriksson, Theodór Pálsson, Kamilla Guðrún Lowen, Aðalbjörg Emma Hafsteinsdóttir, Sunna Líf Arnarsdóttir, Davíð Guðbrandsson, Þórhildur Ingunn, Sólveig Guðmundsdóttir
Duração: 123 min.

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