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Crítica | Bem-Vinda a Quixeramobim

Welcome ao Ceará internacional, mais engraçado e mais vendido.

por Davi Lima
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Rir é um ato de resistência. – Paulo Gustavo

Bem-Vinda a Quixeramobim é o mais próximo de Bacurau que a distribuidora Downtown Filmes vai lançar no cinema. Apesar de já ter exibido  Estômago, Xingu e Elis, a distribuidora  é muito mais conhecida pelas comédias De Pernas pro Ar, Cilada.com e Carrossel. E o que com certeza diferenciará  esse novo filme estrelado por  Edmilson Filho (parceria de sempre com  diretor Halder Gomes), Max Petterson (Youtuber de conexões internacionais) e Monique Alfradique (atriz lembrada por Malhação e pela novela Fina Estampa) é como a comédia cearense se torna cenário para um discurso de resistência contra um empresariado predador da água. A homenagem a Paulo Gustavo, com a frase “rir é um ato de resistência”, (vale lembrar que a Downtown Filmes produziu Minha Mãe é Uma Peça), fecha a ideia desse novo longa e  abre novos questionamentos na  proposta de Halder Gomes.

Desde o curta-metragem Loucos por Futebol, ou do longa Cine Holliúdy, que o diretor Halder Gomes mostrou duas qualidades suas como autor de cinema: o humor paródico do Ceará e a esquete documental como narrativas. Esse seu valor de fácil observação na risada, independente do grau, provocou dois fenômenos no modus “guerrilha de cinema brasileiro” que o diretor desenvolveu para a distribuição de sua arte: uma visão passiva do cearense aos que riem dele e um blockbuster pelas referências que os blockbusters provocam. A guerrilha de sustentar um filme brasileiro no cinema por mais uma semana funciona, mas até que ponto isso transforma a “indústria” nacional, pelos métodos que dificultam um longa brasileiro de se estabelecer em meio ao cinema americano? Será que a qualidade humorística de Halder esconde esse questionamento?

Seja por um ato de consciência, ou pela oportunidade de um novo roteiro, o diretor parece enveredar por um mix de transformação em Bem-Vinda a Quixeramobim, sem se aventurar demais na paródia e intertextualidade dos americanos para mimetizar o cearense no seu ridículo “abestado” (bobo) trejeito, invertendo o clássico molde do drama introdutório como base para a esquete, indo logo para o humor. O drama e quaisquer motivações dos personagens seguem o ritmo do inverossímil para possibilitar a fantasia da história – num aspecto cordelista – e legitimar objetividade para se chegar às qualidades cômicas que Halder desenvolve bem. Há, aqui, menos passividade e menos blockbuster, e mais acidez no palavreado e nas construções sociais da imaginária Quixeramobim.

Entre a pousada que se torna cabaré e a transformação do “calango seco” (malandro) que é um bom professor de crianças, o filme vai se recheando das gírias cearenses, entre as mais específicas e as mais genéricas. Aproveitando a protagonista Aimeé (Monique Alfradique), que é carioca, a história da rica influencer que entra em falência e busca dinheiro de uma propriedade no Ceará, vai direto ao ponto em ensiná-la os trejeitos mais reforçados da região, na riqueza e na pobreza. Nisso, em relação a O Shaolin do Sertão e os dois Cine Holliúdy, há menos preocupação com o público familiar e mais foco na transculturalidade do sudestino e o nordestino, colocando a mulher rica, filha de uma “quixeramobinense” e herdeira de empresário carioca corrupto, adaptando-se ao contexto social do sertão do Ceará. Seja na dança sensual do forró, no banho da “tabaco” (órgão  sexual feminino), Halder Gomes demonstra menos papas na língua com a tal “imoralidade” da comédia.

Ao mesmo tempo, juntando Eri (Max Petterson) e Aimeé, o filme busca internacionalizar o Ceará como parte, mediando algo mais específico e algo mais geral sem depender da cultura do blockbuster para ser apropriado e interpretado pela cultura cearense. Há uma modificação do diretor em produzir esses espaços aqui . Porém, assim como muitas gravações não foram em Quixeramobim, e sim na cidade vizinha Quixadá (que sempre é retratada como Quixeramobim nos filmes de Halder, até ajudando a economia local); o valor e o problema do diretor voltam à tona de outra forma, na ilusão de um local  representado  em outro, onde  a terra sertaneja se torna paródia para ser vendida, num longa que narra um drama de resistência contra vendas de terra ilegais depois de toda a introdução cultural cearense. Inicialmente, a comédia é bem assertiva, medindo o tempo de risada e seriedade, em proporções desiguais, com proposta clara. Mas quando a história aparece realmente séria, cai na ambiguidade de fazer cinema brasileiro no Brasil: realista e inverossímil.

A comparação mínima com Bacurau se vale pelo aprendizado que o cinema brasileiro tem desenvolvido para atender a demanda. É difícil, porque filmes como os de Halder Gomes, desde Cine Holliúdy, usam o cinema de guerrilha no Brasil enquanto se facilita a distribuição da Downtown Filmes para os EUA. A legenda em Cine Holliúdy era para ajudar o sudestino a entender a rapidez do cearense, mas agora serve muito mais para o  americano ler, já que Max Petterson é famoso internacionalmente e Edmilson Filho, com cabelo descolorido e americanizado, interpretando Darlan, se divulgou bem com Halder Gomes. Bacurau ao menos não tinha problemas em incorporar o cinema americano em sua forma cinematográfica, focando na sua temática anti-estadunidense para interpretações, enquanto Bem-Vinda a Quixeramobim ainda tenta equilibrar uma montagem brasileira com propaganda de turismo.

Não há nenhum  problema em o Ceará chegar ao cinema como turismo, até porque a produtora e a diretora Bárbara Cariry fizeram  isso no filme Pequenos Guerreiros, ‘turistando’ pelo Cariri. A questão é como Halder Gomes entende bem de sua comédia, mas não sabe comprometer  a risada com a resistência. Por um lado, ele sempre foge do drama mais lento para não perder o espectador, mas quando necessita, consegue mais em tornar a terra cearense nostálgica e familiar para desenvolver alguma conexão verdadeira de Aimeé com as prostitutas da Xixilândia, especialmente com Genésia, interpretada pela maravilhosa Rossicléa. Fora disso, quando tenta justificar o roteiro da loira carioca, que se traduz em cearense depois dos clichês do vai e volta entre o interesse monetário e moral, ou você ri com a “esculhambação” (confusão), ou você aceita só a sobrenatural chuva que pode resistir ao desvio de água das  empresas predatórias.

No final, é um filme bem divertido para um público bem abrangente, mesmo com aqueles problemas e qualidades básicas da direção, que sempre busca o  amadorismo cênico , num processo documental de piadas sequenciais em entrevistas dos seus personagens caricatos. Não tem jeito, é sua arte, mas não quer dizer que suas propostas não possam ser problematizadas, ainda mais quando o cearense, torcedor do Fortaleza Esporte Clube, vai do torcedor do estádio Castelão em Loucos Por Futebol ao coach de blockbuster brasileiro no cinema nacional. Se Paulo Gustavo estava certo, então até para rir necessitamos aprender com uma piada realmente boa.

Bem-Vinda a Quixeramobim – Brasil, 2022
Direção: Halder Gomes
Roteiro: L.G. Bayão, Marina Morais, Márcio Wilson, Halder Gomes
Elenco: Monique Alfradique, Max Petterson, Edmilson Filho, Chandelly Braz, Silvero Pereira, Falcão, Haroldo Guimarães, Carri Costa, Rossicléa, Roberta Velmont, Luis Miranda, Mateus Honori
Duração: 106 minutos

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