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Crítica | Bem-Vindos à Vizinhança

Mesmice sem pretensão.

por Felipe Oliveira
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Ou American Horror Story não sai de Ryan Murphy, ou a famosa série antológica não sai dele — talvez estejam tão entrelaçados que não conseguem se desvencilhar. Ame ou odeie, é sabido como a série promoveu momentos de entretenimento na TV para os fãs de terror, porém, a essa altura a criatividade já se perdeu faz tempo, ainda que se tenha os mesmos aspectos para chamar atenção a cada novo ciclo: os cartazes, a abertura, e um elenco de grandes estrelas. E os conceitos são só artifícios nessa dança.

Certo que a produção aqui é Bem-Vindos à Vizinhança, uma minissérie baseada numa história real ocorrida em 2014 quando um casal adquiriu uma casa em Westfield, Nova Jersey, e passou a ser assediado através de cartas por alguém que assinava como O Observador (The Watcher), mas um caso assim nas mãos de Murphy, não demora muito para que ele faça parecer que estamos de volta a Murder House, palco da primeira temporada de AHS. Se de alguma forma o autor acha que com isso está prestando homenagens aos seus trabalhos, ao menos fizesse com personalidade.

Um detalhe que facilita os rumos de The Watcher, é pelo caso original não ter sido resolvido, o que dá margem para brincar com várias ferramentas do terror aqui, contudo, é frustrante que, de qualquer referência que Murphy poderia se inspirar para utilizar na trama, ele recorra a sua única forma de contar histórias de terror: AHS. Por pelo menos quatro dos sete episódios, o que vemos na minissérie é uma estrutura semelhante a Murder House: vizinhos bizarros e invasivos, e a aparente vida perfeita que o casal (vivido por Naomi Watts e Bobby Cannavale) tinha ao lado dos filhos revela rachaduras ao terem contato com a almejada casa dos sonhos.

Soma-se a isso como o Dean Brannock (Cannavale) passa a apresentar um comportamento controlador e machista ao ver a filha (Isabel Gravitt) se maquiar ou usar roupas decotadas, além de sofrer com paranoias. A diferença entre Dean e Ben Harmon (Dylan McDermott) é que ele não sucumbiu à loucura de sentir atração por espíritos que habitavam na casa. Seguir por esse caminho familiar demonstra uma falta de dinamismo do autor em explorar a trama que tem em mãos, afinal, a ideia era alternar entre elementos sobrenaturais e de paranoia a fim de retratar a busca por preservação e vaidade de uma comunidade atrelada à ganância. Enquanto o roteiro falha no desenvolvimento dos personagens e nas subtramas jogadas para efeitos dramáticos, a composição da peculiar comunidade chama a atenção.

A paleta de cores em marrom, bege, rosa salmão, branco e cinza dos figurinos caracteriza a monótona relação da família Brannock e a falsa ideia de harmonia, segurança e comodidade que buscavam ao se mudar para a nova casa. Do lado de dentro, o uso de luzes quentes faz tudo parecer controlado e uniforme — a mudança de cor das roupas, como o preto, só surge em momentos que a sanidade ou relação do casal está ameaçada — do lado de fora, os planos abertos pontuam a sensação de incômodo e desconfiança dos Brannock em serem observados na vizinhança acinzentada. Mas se por um lado esses contrastes se tornam atraentes, o show falha no que forma o mistério.

Há um tom extremamente exagerado nos personagens além das performances caricatas do elenco e um excesso de melodrama digno de um novelão, e só alguém como Jennifer Coolidge na pele da corretora Karen para tirar de letra essa proposta risível de minissérie. No final, Murphy provoca sobre a prática de phrogging, uma suposta trama ocultismo, tudo para manipular as percepções acerca do Observador. O texto se dedica a fazer o telespectador duvidar de tudo e de todos, e talvez a grande sacada aqui seja em abordar como a casa se torna palco para expurgar o que há de mais “sombrio” na vizinhança: a obsessão, a ganância, a apropriação, o conservadorismo. Isso de alguma forma confronta a suposta perfeição do casal de protagonistas, com Dean, típico patriarca se perder no papel de supridor e não aceitar quando Nora (Watts) é quem cuida da família. E é interessante como nos três últimos capítulos Nora vai assumindo o controle ao buscar por respostas.

O que torna Bem-Vindos à Vizinhança frustrante em seu resultado, é que mesmo sabendo do desfecho indefinido do caso real, Murphy e o co-criador Ian Brennan aplicam a mesma sentença na minissérie. As várias hipóteses levantadas, o suspense que não se sustenta — sendo Coolidge protagonista da única sequência minimamente aproveitável do gênero — e o tom exagerado para criar dúvidas, tudo faz parte de caminho que não leva a lugar algum.

Bem-Vindos à Vizinhança (The Watcher – 2022, EUA)
Criação: Ryan Murphy, Ian Brennan
Direção: Ryan Murphy, Paris Barclay, Jennifer Lynch, Max Winkler
Roteiro: Ryan Murphy, Ian Brennan, Reilly Smith, Todd Kubrak (baseado em um artigo de Reeves Wiedman)
Elenco: Naomi Watts, Bobby Cannavale, Mia Farrow, Terry Kinney, Jennifer Coolidge, Christopher McDonald, Noma Dumezweni, Margo Martindale, Joe Mantello, Isabel Gravitt, Henry Hunter Hall, Richard Kind
Duração: 52 a 49 min (7 episódios, cada)

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