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Crítica | Better Call Saul – 5X10: Something Unforgivable

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores.

Foi Carl Jung que disse que “às vezes, as pessoas têm que fazer algo imperdoável só pra continuar vivendo” e essa frase sublinha o grande momento de Something Unforgivable que faz Kim, não Jimmy, finalmente mergulhar de cabeça em seu lado sombrio e isso justamente quando seu parceiro, por sua vez, consegue enxergar exatamente o oposto, considerando-se uma influência ruim para ela. Se o senso comum sempre disse que Kim levaria a pior em razão das falcatruas de Jimmy, de uns tempos para cá esse caminho mais fácil, mais óbvio e, no final das contas, mais simples, vinha sofrendo desvios suficientes para revelar que Vince Gilligan e Peter Gould não entregariam o mais esperado, mas sim o mais sensacional.

Ainda é perfeitamente possível que toda a conversa de Kim sobre aplicar um mega-golpe em Howard para levar o caso Sandpiper a um acordo que beneficiaria Jimmy financeiramente sejam apenas isso, uma conversa marital, na privacidade de um quarto de hotel, mas Kim indubitavelmente mudou e a forma jocosa, mas ao mesmo tempo séria com que ela abre o caminho para esse assunto, foi deliberadamente criada para deixar o espectador sem saber o que concluir, em um roteiro co-escrito por Gould e Ariel Levine (estreando na série) que mais uma vez privilegia a sensacional Rhea Seehorn, deixando Bob Odenkirk literalmente sem falas. Se o ensinamento de Jung, refletido no título, for procedente, talvez Kim realmente precise fazer o que sugere que seja feito para continuar vivendo da maneira que ela quer viver, dedicando-se exclusivamente a casos pro bono, pois sua felicidade naquela sala da defensoria pública foi palpável, além da risada espontânea depois que Howard conta sobre Jimmy para ela, outros dois momentos incríveis para a atriz em particular e para a série em geral, aliás.

É como se o espectador estivesse ganhando dois pelo preço de um. A promessa inicial era revelar como Jimmy seria transformado em Saul, mas quer parecer que isso só não é suficiente e, mesmo que andando de forma descompassada e, de certa maneira, comendo pelas beiradas, a série é também sobre a transformação de Kim em sua contrapartida golpista Giselle. Quando digo “de forma descompassada”, quero dizer também de forma dissimulada, pois as diversas vezes que Kim mostrou-se como menos do que a advogada certinha e ética ao longo das temporadas da série foram encaradas como, na pior das hipóteses, um leve e momentâneo desvio de caráter, ou seja, algo para enriquecer a personalidade da personagem, tornando-a talvez mais próxima de Jimmy, mas nada muito mais complexo do que isso. Mas se Kim sempre teve esse tipo de comportamento e que só foi amplificado pelo seu relacionamento com Jimmy ou se ela passou a gostar desse mundo a que Jimmy a apresentou, talvez nunca descubramos, mas fica cada vez mais evidente que a conexão dela com ele é muito maior do que o amor que um sente pelo outro. São as famosas alma gêmeas e Kim parece estar muito bem assim, especialmente pela forma bem tranquila como ela aceita quando a verdade sobre as desventuras no deserto de Jimmy são reveladas. Sim, Kim está no jogo. No mesmíssimo jogo de Saul (repararam que não escrevi Jimmy, certo?).

E é particularmente impressionante como o roteiro lida com essa balança. Vemos Jimmy, triste, mas altivo, reconhecendo que tragou Kim para um universo de sombras e reconhecendo-se como uma influência ruim para ela de maneira muito parecida com a maneira machista que Howard diz para Kim que ela teria largado sua sociedade no escritório Schweikart & Cokely por causa de Jimmy. A conclusão da conversa de Kim com Howard é a mesma da de Kim com Jimmy: não, ela escolheu seguir esse caminho que ela talvez não soubesse que chegaria a esse ponto, ok, mas que ela escolheu, não há dúvidas. Qualquer afirmação em contrário é simplesmente ofensiva à personagem e ponto final.

A direção de Gould, justamente para marcar bem esse ponto, parece enamorada por Seehorn. A atriz é o centro das atenções em todos os momentos, com Odenkirk fazendo quase que uma figuração de luxo. Mas calma, pois ele está também muito bem como a contrapartida cabisbaixa e quase derrotada de uma Seehorn toda cheia de si e especialmente bonita aqui, dominando cada quadro em que aparece, mesmo que por vezes espertamente em cantos mais escuros como no momento em que a ideia de derrubar Howard começa a nascer.

Tenho plena consciência que até agora nem mencionei o outro lado da história, aquele que envolve Lalo, Nacho e o cartel de Don Eladio, mas é que, por mais que o episódio tenha se esmerado também aqui, Kim foi inegavelmente o destaque e eu simplesmente precisava dedicar mais tempo a ela. A talvez desesperada tentativa de assassinato de Lalo por Gus Fring foi conduzida com absoluta maestria por Gould, que trabalha o suspense primeiro fazendo de tudo para dilatar o tempo até o clímax de ação, com a Ferrari “Magnum” com um “frunk” cheio de dinheiro sendo cerimonialmente presenteada ao poderoso chefão, com a apresentação de Nacho a ele para o necessário batismo e continuidade dos negócios da família Salamanca nos EUA e, claro, muito rapidamente, com a conversa entre Mike e Gus em que Mike, mais uma vez, tenta salvar Nacho de seu destino.

No entanto, não tem jeito e, de sua própria maneira, o cada vez mais contrito Ignácio Varga, faz algo imperdoável também, só que não metafórica, mas sim literalmente para continuar vivendo. Mas Lalo tem sete (ou seriam nove?) vidas e, de um homem brincalhão que parece estar realmente feliz em seu elemento, ele se transforma em um matador sanguinário que acaba com um tropa de elite sem maiores esforços em razão de seu conhecimento de sua fortaleza, ficando ainda mais raivoso quando vê seus funcionários chacinados. Uma guerra se avizinha e Nacho, coitado, não tem para onde correr.

A penúltima temporada de Better Call Saul acaba com mais um espetacular episódio que traz tanto uma reviravolta quanto uma guerra, ambas, porém, que estavam escritas nas estrelas para quem quisesse ver e que parecem prometer mudar o jogo para o ano final. Novamente, os showrunners mostram que sabem contar uma história como ninguém na televisão moderna, entregando algo sensacional.

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P.s.: Como fiz outra vez, ao final da 5ª temporada de Agents of S.H.I.E.L.D., queria mais um minuto de sua preciosa atenção para um anúncio extremamente brega e lacrimoso: como vocês, meus caros leitores, são incríveis!!! Eu e meu colegas aqui no site escrevemos no Plano Crítico simplesmente por gostarmos do que fazemos em nossas horas vagas e o que torna tudo ainda melhor – realmente sem preço – é a participação intensa de vocês nos comentários, com elogios, xingamentos (sempre educados!), concordâncias, discordâncias, teorias, dúvidas e ensinamentos! E, ao longo dessas 10 últimas semanas, isso foi particularmente especial aqui nas críticas de Better Call Saul especialmente diante de um momento tão delicado que vivemos hoje em dia no mundo em razão da pandemia. Obrigado de coração pelo prestígio de vocês!

Better Call Saul – 5X10: Something Unforgivable (EUA, 20 de abril de 2020)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Peter Gould
Roteiro: Peter Gould, Ariel Levine
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Tony Dalton, Giancarlo Esposito, Lavell Crawford, Max Arciniega, Javier Grajeda, Josh Fadem, Hayley Holmes, Peter Diseth, Don Harvey, Daniel Moncada, Luis Moncada
Duração: 60 min.

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