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Crítica | Better Call Saul – 6ª Temporada

O magnífico fim de uma era.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

Better Call Saul, assim como foi o caso de sua progenitora Breaking Bad, não é uma série qualquer. Muito ao contrário, ela é especial e merece toda a apreciação possível agora e pelos anos que virão. Vince Gilligan e Peter Gould, ao decidirem fazer um prelúdio sobre o advogado espalhafatoso e malandro que apareceu pela primeira vez em 26 de abril de 2009, no oitavo episódio da segunda temporada de Breaking Bad, não tinham a menor intenção de fazer mais do mesmo, como seria fácil para eles fazerem considerando o sucesso da série original. Mas qual seria o desafio nisso, não é mesmo? E ainda bem que ainda há pessoas na máquina hollywoodiana que pensam assim e, talvez mais ainda, que ainda há produtoras dispostas a bancar esse tipo de projeto extremamente autoral.

Com isso, mesmo tendo nascido e sido anunciada como um prelúdio sobre Saul Goodman, Better Call Saul tornou-se muito, mas muito mais do que isso e converteu-se, no processo, em uma obra consideravelmente mais complexa que BB. Não digo de forma alguma que BCS é hermética ou difícil de entender e nem minha afirmação tem qualquer conotação depreciativa em relação à BB, pois não é nada disso. A complexidade de BCS, em oposição à BB é que BCS, apesar do título, não gira em torno apenas de Saul Goodman ou Jimmy McGill (Bob Odenkirk). Muito ao contrário, por diversas vezes ao longo das temporadas, inclusive na própria derradeira, é sensível que há, em essência, duas histórias que, na maioria das vezes, andam em paralelo: a do protagonista de um lado e a de Gustavo Fring (Giancarlo Esposito) e Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks) de outro. E sim, gostando ou não, essa é a estrutura de Better Call Saul, quase como duas séries em uma, mas com um tangenciamento narrativo precioso e muito bem trabalhado ao longo dos anos que, por exemplo, nos permite ver o lado mais, digamos, frágil e também, por um breve momento, feliz, de Gus.

Mas, mais ainda do que isso, do lado da riquíssima narrativa de Jimmy McGill, vemos nascer uma co-protagonista que, nas primeiras temporadas, vinha “comendo pelas beiradas”, até tomar de assalto a telinha, disputando com unhas e dentes o estrelato e a importância na engrenagem narrativa. A advogada Kim Wexler (Rhea Seehorn), primeiro namorada, depois esposa de Jimmy, é uma personagem essencial para a formação da série como um todo, com a atriz desenvolvendo-se dramaticamente a passos largos e, por diversas vezes, tomando conta integralmente do cenário. É quase que como uma rasteira audiovisual o que Gilligan e Gould nos prega ao transformar uma coadjuvante em protagonista.

Sei que não falei de verdade ainda da sexta temporada, mas convenhamos que já falei tudo o que tinha para falar nas análises semanais que escrevia quase febrilmente após conferir pela segunda vez (quase sempre) cada episódio. Minha proposta, aqui, é ser um pouco mais holístico, por assim dizer, para mostrar que Better Call Saul nasceu como prelúdio e acabou tornando-se o efetivo final de Breaking Bad, mas com a missão clara e aberta de pegar fiapos narrativos – como os nomes Nacho e Lalo sendo falados “do nada” por Saul no citado episódio 2X08 de Breaking Bad e que se transformaram, como que em um passe de mágica, em personagens completos ao longo dos seis anos de história – e desenvolvê-los a ponto de realmente criar algo relevante para os personagens. De certa forma, é aqui que vemos a “origem” de Gus, de Mike e, claro, de Saul, mas também de Hector Salamanca (Mark Margolis) como o conhecemos em Breaking Bad e assim por diante.

O que eu quero dizer com isso é que a missão que Gilligan e Gould se encarregaram de cumprir era de uma enormidade e de uma ambição difícil de colocar em palavras. E, naturalmente, grande parte dos mais importantes eventos da série teriam que desaguar em sua derradeira temporada. No entanto – e aqui vemos outra grande diferença em relação à Breaking Bad – o ritmo narrativo escolhido pelos co-criadores da série não poderia ser mais díspar em relação à obra original. O que antes era tratado com magníficos fogos de artifício dignos dos melhores filmes de ação policial, tornou-se algo minimalista, humano e, em alguns casos, sem que o adjetivo seguinte seja interpretado negativamente, simples. Afinal, como eu sempre defendo, menos costuma ser mais e Better Call Saul é uma espécie de aula magna desse conceito que eu tanto prezo.

E, com isso, vemos as mortes de Nacho Varga (Michael Mando) e Lalo Salamanca (Tony Dalton), além da talvez grande surpresa da temporada, a de Howard Hamlin (Patrick Fabian). No primeiro caso, uma execução protraída no tempo para valorizar o personagem e a inesquecível atuação de Mando, em que vemos, talvez, o personagem de mais coração da série despedir-se heroicamente, dizendo tudo o que precisava dizer ali, diante de seus algozes, e com alguma certeza de que Mike protegeria seu pai (algo que a temporada faz questão de mostrar, vale lembrar) dali em diante. Esse foi o primeiro grande baque da temporada, ainda em seu terceiro episódio. Lalo Salamanca, fascinante e ameaçador personagem que é o grande pavor da vida de Gus Fring, chega a seu fim em Point and Shoot em um tiroteio de brevíssimos segundos e no escuro com seu arquiinimigo, os dois atirando a esmo e Lalo sendo atingido basicamente na sorte (azar para ele, claro). Uma morte não exatamente inesperada pela morte em si, mas sim pela sua execução que joga pela janela todas as convenções a que fomos praticamente treinados a esperar de momentos assim.

Deixei Howard Hamlin por último, mesmo que isso signifique que minha narrativa ficará fora de ordem (ai meu TOC!), pois quero aproveitar para discorrer, aqui, sobre o primeiro grande problema da temporada final. Considerando a importância de seu assassinato seco, off camera e, por isso mesmo, aterrador, pelas mãos de Lalo, para o que acontece em seguida com Kim e Jimmy, achei que Gilligan e Gould demoraram demais para humanizar o advogado almofadinha que tem um Jaguar com placa personalizada. Afinal, o que imaginamos dos co-criadores da série? Por tudo que eles já mostraram em tela, acreditamos piamente que eles tinham tudo mapeado em detalhes desde o primeiro dia em que começam a trabalhar com alguma obra nova. Deixar para mergulhar na vida privada de Howard somente na última temporada, mais especificamente em Axe and Grind, pareceu-me um “deslize”, algo que muito artificialmente só existiu para especificamente criar aquela conexão especial do personagem com o espectador durante o complexo golpe idealizado por Kim para acabar com a reputação de seu ex-chefe e mentor de forma a levar a um acordo no caso SandPiper.

Isso de forma alguma torna a morte de Howard menos chocante ou menos importante. Nada disso! No entanto, se compararmos o tipo de preparação que a série fez para o suicídio de Chuck McGill (Michael McKean), é no mínimo estranho que um esforço que fosse 10% disso não tenha sido feito em relação à Howard. Foi, em termos narrativos, apesar de eu ter chamado de “primeiro grande problema da temporada final”, o que reputo como a única verdadeira falha da temporada e, sendo sincero, da série como um todo (a partir dessa última temporada, claro). O mergulho muito rápido na vida privada de Howard, com sua esposa já se distanciando dele e ele se consultando com um psicólogo completamente alheio ao que está acontecendo ao seu redor daquele jeito inocente dele merecia mais detalhamento um detalhamento que fosse orgânico na série e não concentrado em uma ou duas cenas em seu final.

No entanto, mesmo assim, como já disse, a brutal morte de Howard – e seu desaparecimento que usa a história de vício em drogas criado por Kim – funcionou como o estopim para que Kim e Jimmy se separassem, com a primeira finalmente percebendo que os dois, juntos, são veneno para todos ao seu redor. A culpa em seus ombros pesou e ela não poderia mais tanto continuar com Jimmy como sequer ser advogada, desaparecendo da vida do marido ao final de Fun and Games e nos fornecendo o primeiro fim não mortal de um personagem importante da série. O segundo fim vem logo no episódio seguinte, em Nippy, já com Jimmy como Gene Takavic, o gerente de uma loja Cinnabon de shopping, em Omaha que, para se livrar de um motorista de táxi que o reconhece como Saul Goodman, retorna a seus golpes no que parecia ser a última vez. Como meus leitores sabem, esse seria, para mim, o final perfeito de Better Call Saul.

Mas eis que a série não acabou aí, ganhando três episódios extras – Breaking Bad, Waterworks e Saul Gone – que se concentram na “fase Gene Takavic” e se tornam não apenas o encerramento de Better Call Saul, mas também e, ambiciosamente, o final efetivo de Breaking Bad (talvez em conjunto com El Camino). Aqui é que, mais claramente, a ambição de Gilligan e Gould se revela e a temporada final entra no que eu poderia facilmente chamar de outra marcha, uma em que as participações especiais – ou fan services – imperam e que entregam um final completamente explicado para todos os personagens. Apesar de Saul Gone ser um episódio tecnicamente irretocável (facilmente o melhor dos três), tenho para mim que nenhum deles era realmente essencial para a série. Eles estragaram a experiência? Obviamente que não, em razão das diversas participações especiais, inclusive a para mim completamente inesperada de Betsy Brandt como Marie Schrader e o grande Michael McKean, em razão da incrível performance derradeira de Bob Odenkirk dando seu último golpe – falo do momento em que ele nos dá uma rasteira e reverte seu golpe anterior dos sete anos e meio! – e do belíssimo momento em que Jimmy e Kim, juntos, talvez pela última vez, dividem um cigarro encostados em uma parede.

Mas como então você deu nota máxima à temporada, Ritter?

Tenho certeza de que essa será uma dúvida comum e minha resposta é muito simples: a sexta e última temporada de Better Call Saul oferece tanta coisa absolutamente inacreditável seja em termos narrativos, seja em termos técnicos, que os dois problemas que detectei pode ser facilmente varridos para debaixo do tapete. Aliás, dois problemas não. UM só, o que envolve a vida particular de Howard Hamlin, conforme expliquei acima. O outro problema – o final explicadinho – não é um verdadeiro problema, pois eu não sou mais criança que, quando contrariada, faz biquinho, bate o pé e se joga no chão. Minha preferência não importa. O que eu queria como final não interessa. Mais ainda, considerando-se Breaking Bad, eu já sabia que Gilligan e Gould não gostam de deixar espaços “vazios” em suas histórias como David Chase espetacularmente fez em Família Soprano, por exemplo, e fazem questão de cobrir todas as suas bases. Não gosto disso, não cansarei de afirmar, mas o ponto é que um final “muito bem explicadinho, nos seus míííííííínimos detalhes”, que não deixasse qualquer espaço para a imaginação, era algo inevitável, especialmente considerando que a magnífica dupla dinâmica queria mesmo era encerrar Breaking Bad por vias transversas. É por isso, portanto, que a nota máxima é o mínimo que essa temporada merecia.

O Universo Breaking Bad fará falta, mas tudo que é bom precisa chegar a um fim. Mesmo que, lá no fundo, eu quisesse que mais desse fantástico mundo fosse explorado – uma série da ascensão da família Salamanca seria potencialmente incrível, por exemplo! -, espero que Vince Gilligan e Peter Gould sigam novos caminhos e nos brindem com novos desafios nos próximos anos. Assim como eu praticamente persigo tudo o que o citado Chase, David Milch, David Simon, George Pelecanos e Matthew Weiner, dentre outros, façam por aí, eu sei que seguirei os dois, sejam juntos ou separadamente, em qualquer projeto em que se debruçarem. S’all good, man!

Better Call Saul – 6ª Temporada (EUA, de 18 de abril a 15 de agosto de 2022)
Criação: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Michael Morris, Vince Gilligan, Gordon Smith, Rhea Seehorn, Melissa Bernstein, Giancarlo Esposito, Thomas Schnauz, Michelle MacLaren, Peter Gould
Roteiro: Peter Gould, Thomas Schnauz, Ariel Levine, Gordon Smith, Ann Cherkis, Alison Tatlock
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Tony Dalton, Giancarlo Esposito, Mark Margolis, Daniel Moncada, Luis Moncada, Ed Begley Jr., Jeremiah Bitsui, Ray Campbell, Rex Linn, Javier Grajeda, Lavell Crawford, Julie Pearl, Tina Parker, Sandrine Holt, Carol Burnett, Pat Healy, Jim O’Heir, Kelsey Scott, Max Bickelhaup, Nathaniel Augustson, Barbara Rosenblat, Peter Diseth, Bob Jesser, Stephen Conrad Moore, Rusty Schwimmer, Bryan Cranston, Aaron Paul, Betsy Brandt, Michael McKean
Duração: 691 min. (13 episódios)

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