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Crítica | Better Call Saul – 6X03: Rock and Hard Place

Nacho libre.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

And you know what else, Hector? I put you in that chair. Oh, yeah. Your heart meds? I switched them for sugar pills. You were dead and buried, and I had to watch this asshole bring you back. So when you are sitting in your shitty nursing home, and you are suckin’ down on your Jell-O night after night for the rest of your life, you think of me, you twisted fuck.
– Varga, Ignacio

Vince Gilligan e Peter Gould têm tanta segurança no que fazem que, por vezes, eles se dão o luxo de literalmente tirar onda, de criar sequências só porque eles podem criá-las, ainda que elas nunca realmente existam no vácuo ou por desejos vazios dos criadores. Rock and Hard Place começa com uma dessas cenas, nada menos do que um sensacionalmente bem executado plano sequência que é, ao mesmo tempo, um plano detalhe mostrando a terra vermelha do deserto e a vegetação ressecada local que é quebrada por uma linda planta de flores azuis, com a câmera rente ao chão finalmente repousando sobre um caco de vidro enquanto, ao fundo, uma tempestade se forma.

Esse preâmbulo que, ao final, aprendemos que é um posfácio e, mais do que isso, um epitáfio, é, sem dúvida alguma, uma bela maneira de marcar um momento histórico no Universo Breaking Bad, em que finalmente descobrimos o fim de Ignacio “Nacho” Varga, personagem citado pela primeira vez em Better Call Saul, oitavo episódio da segunda temporada de Breaking Bad, e que deu as caras na forma de Michael Mando em Mijo, segundo episódio da primeira temporada do spin-off. Foi um encerramento de arco poderoso, inesquecível, que coloca Nacho diante de quase todos os vilões da série, mas não subjugado e amedrontado, apesar de estar de joelhos e amarrado (não sem querer, quase igual a Saul Goodman quando ele cita o nome “Ignacio” em Breaking Bad), mas sim no controle da situação, morrendo da forma como escolheu morrer: por suas mãos e protegendo seu querido pai, depois de falar tudo o que queria falar sobre Hector, Lalo e os Salamancas em geral e, também, sobre o “Homem das Galinhas”, em últimas palavras cujo trecho final coloquei no começo da crítica e que, enquanto escrevo, não saem de minha cabeça.

Ver a feição de Hector Salamanca se contorcer primeiro no desespero de indicar o verdadeiro mandante do “assassinato” de Lalo e, depois, mais ainda quando Nacho revela que foi ele quem o fez ficar do jeito que está, tendo que se comunicar com uma campainha, foi o perfeito acompanhamento para o grandioso momento climático, com o dénouement, com o mesmo Hector atirando sem parar no corpo sem vida estirado a seus pés em uma explosão até hilária de fúria, sendo a quase que literal cereja no bolo da tragédia do traficante por quem amávamos torcer. Aliás, minto, a cereja no bolo vem quando percebemos, em retrospecto, que Nacho era o único personagem da cena cujo destino final desconhecíamos e que, agora, só há dois outros personagens realmente importantes – descontarei Howard aqui por razões óbvias – que não sabemos como acabarão, Lalo e, claro, Kim. É assim que notamos com toda a clareza possível que o fim dessa maravilha audiovisual realmente está próximo.

Mas, rebobinando um pouco, entre o preâmbulo que é posfácio e Mike descendo de sua posição de tiro com a van branca de Gus afastando-se da cena do suicídio, os detalhes da jornada de Nacho fascinam por sua simplicidade e pela forma como tudo é encaixado naquela ligação que Mike recebe enquanto está na mira da arma de Tyrus, por desobedecer seu chefe. A direção de Gordon Smith, que também escreveu o roteiro (é a segunda dobradinha dele na série, com a primeira tendo sido Namaste, sendo que ele só roteirizou obras-primas como Chicanery e Bagman), faz o espectador acompanhar o moribundo do momento posterior à sua fuga do motel e dos gêmeos até sua morte, com o telefonema que dá a seu pai da garagem em que momentaneamente se refugia depois de passar horas em um caminhão tanque, sendo o momento que estabelece que Nacho não sobreviverá (ecos de Ozymandias, claro). Sua despedida é agridoce, com Ignacio somente querendo ouvir a voz do pai e seu pai ainda brigado com ele, querendo que ele se entregue à polícia, mas a marcha da morte realmente começa ali, com Mike – claramente condoído, mas sem poder fazer muita coisa – sendo o efetivo veículo por intermédio do qual tudo se torna possível. Michael Mando, que vinha entregando excelentes trabalhos dramáticos atrás de excelentes trabalhos dramáticos, despede-se da série com sua performance mais impressionante.

Sei que dei avaliação máxima, mas esse é um dos casos em que talvez – talvez! – o episódio não merecesse essa nota. Meu ponto de contenda, porém, é de puro gosto pessoal, já que, tecnicamente, não há o que realmente reclamar considerando que a série tem duas claras linhas narrativas a serem desenvolvidas. Para mim, Rock and Hard Place deveria ter sido um episódio que tratasse exclusivamente do périplo de Nacho. A abordagem da continuidade do golpe de Kim contra Howard, que exige a reentrada de Huell Babineaux (Lavell Crawford) para que uma cópia da chave do carro do advogado almofadinha seja obtida é bacana e tal, mas não só é apenas um trecho de uma parte do golpe, como isso quebrou um pouco a história principal. Reconheço, por outro lado, que a conversa de Kim com a promotora Suzanne Ericsen (Julie Pearl) é extremamente importante para o tangenciamento das narrativas e para a escolha final de Saul sobre o que ele quer ser, se advogado de cartel ou, apenas, um advogado espalhafatoso de táticas apenas levemente reprováveis, mas mesmo isso eu acho que poderia ter tido lugar em outro capítulo, deixando a solenidade da morte de Nacho somente focada nele. Mas, claro, não se pode ter tudo, não é mesmo?

Merecendo ou não de verdade a nota máxima, o fato é que Rock and Hard Place é outro episódio inesquecível de Better Call Saul que marca o final da trajetória de um personagem que aprendemos a amar e a torcer, mesmo sabendo de suas alianças. Afinal de contas, temos que combinar que Breaking Bad e Better Call Saul são aulas magnas de como amar bandidos incondicionalmente a ponto de por vezes até esquecermos quem eles são lá no fundo. Nacho se foi, verdade, mas ele continuará vivo em nossas memórias televisivas.

Better Call Saul – 6X03: Rock and Hard Place (EUA, 25 de abril de 2022)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Gordon Smith
Roteiro: Gordon Smith
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Tony Dalton, Giancarlo Esposito, Mark Margolis, Daniel Moncada, Luis Moncada, Ed Begley Jr., Jeremiah Bitsui, Ray Campbell, Rex Linn, Javier Grajeda, Lavell Crawford, Julie Pearl
Duração: 46 min.

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