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Crítica | Better Call Saul – 6X09: Fun and Games

Nós somos veneno.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

Jimmy. I have had the time of my life with you. But we’re bad for everyone around us. Other people suffer because of us. Apart, we’re okay, but together… we’re poison.
– Wexler, Kim.

Era de se esperar que, depois de Point and Shoot, Better Call Saul nos brindasse com um episódio mais calmo, feito para cirurgicamente fechar as eventuais pontas soltas e preparar a estirada final da história. Esse tipo de episódio, em séries de alto gabarito como as que compõem o Universo Breaking Bad, costumam ser excelentes, mas não exatamente perfeitas e normalmente inferiores ao momento climático logo anterior (vejam, por exemplo, Hit and Run, desta mesma temporada). E é por isso que eu não estava preparado para Fun and Games. Não estava preparado para um episódio que faz exatamente o que eu achava que ele iria fazer, mas só que de uma maneira tão absolutamente magistral que eu tenho genuína vontade de estourar o teto da avaliação acima. O máximo é pouco, muito pouco para esse epílogo confeccionado com carinho por Vince Gilligan e Peter Gould e executado com extrema elegância e técnica por Michael Morris e Ann Cherkis.

Se eu perder a objetividade crítica ao logo do presente texto, é porque o que acabei de assistir (duas vezes seguidas, aliás) foi tão emocionante que de alguma maneira me parece errado – ou, talvez melhor qualificando, frio, distante, não sei – falar de fotografia, montagem, direção e roteiro. O que vemos é, de cabo a rabo, desde a sequência de montagem ao som de Perfect Day, de Harry Nilsson, que intercala o dia “normal” de Kim e Jimmy em seus respectivos trabalhos com Mike e sua equipe limpando o apartamento dos advogados para eliminar todo e qualquer traço da violência que ali aconteceu, até o “posfácio” que nos arremessa para o futuro (em relação ao que acabamos de assistir, claro) para vermos Saul Goodman em seu triste, solitário e frenético cotidiano pós-Kim, outro exemplo de como a simplicidade é subestimada e como ela, em mãos hábeis, pode ser sublime.

Fun and Games é, todo ele, um dénouement, um grande – mas não esticado, ou lento, ou cansativo – epílogo que encerra todas as linhas narrativas, mesmo aquelas que não esperávamos que seriam encerradas. Finalmente descobrimos o destino de Kim Wexler e ele é… comum. Espetacularmente comum. Ela não é assassinada, não se mata, não usa o vendedor de aspiradores de pó, não enlouquece, não mergulha no crime. Kim se quebra por dentro. Ela se despedaça internamente, tendo como gota d’água não exatamente o frio assassinato de Howard Hamlin por Lalo Salamanca na sua frente, mas sim sua última mentira, uma mentira que vem para salvar Jimmy do tom acusatório da esposa de Howard e que tem o condão de ser a famosa pá de cal na questão das drogas, algo que também carrega o peso de jogar de volta para a esposa a responsabilidade pela morte de seu marido. Um mentira cruel, mas uma mentira talvez necessária tanto para o imbróglio que estava começando a se formar, quanto para finalmente fazer Kim enxergar-se com ela é.

Se ela muito claramente diz para seu marido que os dois juntos são como veneno para todos ao redor, ela mais claramente ainda reconhece seu prazer quase doentio no tipo de golpe que ela criou para derrubar Howard. Jimmy sempre foi trapaceiro, mas seus golpes eram meios para chegar a seus fins, o que não os justifica, claro, mas certamente os torna não mais do que ferramentas. Kim, ao que tudo indica, tem nos golpes quase sua razão de ser. É isso que ela quer dizer quando afirma que ela estava se divertindo demais com o estratagema contra Howard para permitir que Jimmy sequer pensasse em desistir de tudo. E, extrapolando, seu trabalho pro bono para beneficiar pessoas que precisam de advogados de qualidade, mas não tem como pagar, tem todo o jeito de ser a maneira dela de expiar seus pecados. Mas, quando ela finalmente entende a magnitude daquilo em sua vida, ser uma advogada deixa de fazer sentido e ela, então, larga tudo, inclusive Jimmy, tornando, então, fácil ver como ele, finalmente, transforma-se no pilantra Saul Goodman. Errr… eu disse acima que o final de Kim era comum, não disse? Esqueçam isso. Comum sou eu ao não encontrar uma palavra melhor para classificar esse irretocável final para essa incrível personagem…

Mas Kim, apesar de protagonizar o principal arco narrativo do episódio, não está sozinha em seu fim.

Muito ao contrário, ela está acompanhada por muitos outros fins, nenhum evidentemente tão importante para a série como o dela, mas todos tão bem esculpidos quanto o dela. E o primeiro deles é o julgamento e absolvição de Gustavo Fring diante de Don Eladio, para o desespero enfurecido de Hector Salamanca. A vagarosidade de como a cena se desenvolve, envolvendo-a de uma solenidade sepulcral é assustadora. O semblante de Gus, impassível, mas temeroso; o de Hector fuzilando seu inimigo com os olhos; o de Juan Bolsa temendo por Gus, que ele claramente favorece; Don Eladio tratando o assunto com uma seriedade crivada de deboche. Tudo funciona para estabelecer a versão do Gus – mais experiente, ainda mais frio e com ainda mais raiva – que, um dia, mataria todos ali, com direito, claro, à câmera em ângulo baixo a partir da icônica piscina.

Mas o mais sensacional no que se refere a Gus sequer está no julgamento. A sequência seguinte, em que ele retorna para casa, encontra-se com Mike e os dois , então, fecham o túnel, sinaliza o fim de uma era e o começo de outra para ele, começo esse que Gus tenta comemorar retornando ao seu restaurante preferido e ensaiando convidar o garçom e conhecedor de vinhos que o serve e que ele conhece há bastante tempo, para uma noite íntima. Uma tomada de frente, porém, nos diz tudo o que se passa na cabeça dele: envolver-se com outro homem seria um desrespeito à memória de seu sócio e namorado morto pelo cartel e que ele só poderá se dar a esse luxo quando sua vingança for finalmente obtida. Estou lendo demais em uma cena de poucos segundos? Acho que não…

E, falando de vingança, o que dizer do “fim” seguinte, desta vez com Mike e o pai de Nacho? Desde o episódio anterior, quando Mike fala de Howard para Kim e Jimmy, é perceptível o pesar no velho ex-policial, algo repetido logo antes da sequência de abertura aqui, com ele queimando os pertences recolhidos na casa dos advogados. A bússola moral de Mike é, talvez, a mais exata de todo esse universo de Gilligan e Gould e ele realmente sente por aqueles que são vítimas em uma guerra insana. Nacho, apesar de diretamente envolvido no tráfico, tinha mesmo um bom coração como Mike afirma para o pai e é isso que o faz levantar de sua cadeira em que ele pensa em sua querida neta para respeitosamente falar sobre o fim de Nacho ao pai dele. A cena, em que os dois estão separados por uma grade por pertencerem a dois mundos completamente diferentes, é de despedaçar o coração. Ver o pai de Nacho rejeitar a “justiça” de Mike por ela não passar de vingança, um símbolo da perpetuação de violências como a que levou seu filho, com o semblante de Mike mostrando que ele concorda com tudo o que lhe é dito, aumentando ainda mais sua tristeza, encapsula tudo o que fazer de Better Call Saul ser a série que é.

Sei que já escrevi demais e sequer falei das atuações desse elenco incrível, mas acho que fica subentendido o que achei delas pelo meu uso mais do que generoso de adjetivos elogiosos que muitos talvez até achem exagerados (mas não é!!!). A grande verdade é que eu poderia escrever muito mais, decompor cada quadro dessa aula magna de como fazer TV, mas acho que um episódio como esse, que eleva a um nível impossível a qualidade de Better Call Saul e, sozinho, é capaz de catapultar toda a série para o panteão das melhores já feitas, merece mais do que uma mera crítica. Merece ser reverenciado.

P.s.: Coloquei a avaliação máxima acima sob protesto, por não termos nada acima dela.

Better Call Saul – 6X09: Fun and Games (EUA, 18 de julho de 2022)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Michael Morris
Roteiro: Ann Cherkis
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Tony Dalton, Giancarlo Esposito, Mark Margolis, Daniel Moncada, Luis Moncada, Ed Begley Jr., Jeremiah Bitsui, Ray Campbell, Rex Linn, Javier Grajeda, Lavell Crawford, Julie Pearl, Julia Minesci, Andrea Sooch, Steven Bauer
Duração: 56 min.

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