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Crítica | Better Call Saul – 6X10: Nippy

O epílogo da saga.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

A única razão pela qual Fun and Games não poderia ser o episódio final de Better Call Saul é por ele não encerrar a linha narrativa de seu protagonista ou da versão “gerente de uma Cinnabon de shopping center em Omaha” de Jimmy McGill. Nippy, portanto, é o que podemos considerar como o efetivo fim, ou epílogo, já que lida com o drama estabelecido nesse futuro e, para todos os efeitos do que vimos até agora, o leva a seu desfecho, eliminando a ameaça do taxista que o havia reconhecido. Além disso, não só ele é o 10º episódio da temporada – número padrão da série – como ele tem um gostinho de “volta da vitória” que lentamente comemora uma campanha extremamente bem-sucedida desde 2015.

O fato de ele não ser o último episódio, faltando ainda três, realmente nos coloca, pela primeira vez em todo esse tempo, em território completamente desconhecido. O que vier por aí, será bônus e um bônus potencialmente polpudo considerando o quilate dos showrunners, da equipe de produção e do elenco. Será como a famosa cereja em um daqueles bolos que dá pena de comer de tão lindo que é e que, quando finalmente comemos, nem acreditamos que pode ser tão gostoso assim. Se o passado “albuquerquiano” de Jimmy voltará para pegar Gene depois do que ele fez com Jeff (Pat Healy substituindo Don Harvey) e se, no processo, Kim voltará de algum jeito para sua vida, não demoraremos para descobrir, ainda que existam infinitas outras possibilidades.

Nippy é um episódio que já começa encantando pelo uso da belíssima fotografia em preto e branco de Paul Donachie e continua encantando com o vagaroso e detalhado périplo das compras da azeda Marion (ninguém menos do que a icônica Carol Burnett) e seu retorno para casa em sua scooter, onde um Jimmy como Gene Takavic, armou sua emboscada. Não demora muito e, com a ajuda de um obstáculo aqui, um alicate ali, a fala mansa de nosso querido protagonista desmonta todas as rabugices da senhora que, ato contínuo, descobrirmos ser a mãe de um desavisado Jeff que, quando chega em casa, mal consegue ter alguma reação. O jogo virou, lógico.

Mas o jogo não é daqueles de poucas jogadas ou de efeito imediato. Pois o jogo, ostensivamente, é colocar o aproveitador e chantagista Jeff no próprio jogo e, secretamente, usar armação para criar um mecanismo que garanta a destruição mútua deles caso Jeff decida continuar tentando extorquir Jimmy.  O plano de Jimmy, portanto, é bem mais complexo e percebe-se um misto de ansiedade e prazer em seu rosto envelhecido (o trabalho da equipe de maquiagem e cabelo em Bob Odenkirk é soberbo) ao ter a oportunidade de tirar o pó de cima da máquina de criar golpes que ele um dia foi. E o que segue é a versão mais simplificada, mas não menos estilosa, de Onze Homens e Um Segredo, almejando o furto de roupas caras da loja de departamentos em frente à Cinnabon.

E o que diverte em toda a compassada progressão do episódio é o quanto o plano tem de elementos que dependem da mais pura sorte ou que são em tese no mínimo estranhos, para não dizer absurdos (como eles arrumaram aquele contêiner que faria inveja em Han Solo?). E o valor cômico da coisa é genial também. A contagem de tempo que o segurança Frank (Jim O’Heir muito bem no papel) leva para comer aquela bomba calórica é repetida tantas vezes que, a certa altura, eu comecei a achar que parte do plano era fazer o coitado morrer de diabetes. No momento da execução do plano, tudo o que esperamos é o mega-estabaco linda e obviamente – no bom sentido! – telegrafado pela sujeira encontrada no chão e a gerente toda certinha pedindo que o sujeito que cuida de encerar o shopping (e por quem Jimmy passa toda vez que caminha em direção à sala dos seguranças) e, quando ele vem, mesmo assim ficamos tensos pela sua força, pois eu sei que morreria se eu caísse assim, e pelo grande momento do episódio e o único que não é mentiroso, apesar de partir de uma mentira: a catarse de Jimmy.

É realmente aqui que vemos como Odenkirk está investido em seu personagem. O ator nunca realmente encontrou um papel fora desse universo que provasse sua latitude dramática, mas tenho para mim que, assim como eu creio que tenha acontecido com Bryan Cranston, ele dificilmente encontrará outra oportunidade desse gabarito (e não estou torcendo contra, que fique bem claro!). Mas esses poucos segundos em que ele conta a verdade e nada mais do que a dura verdade para Frank em um momento fora de contexto – para o segurança – com o único objetivo de dar mais tempo para Jeff acordar e sair do ângulo das câmeras foram ouro puro, seguramente um dos melhores momentos da carreira do ator pelo misto de desespero e auto realização que vai alterando suas feições como se Jimmy, por vezes, realmente quisesse, precisasse tirar aquilo de seu peito. E o mais inacreditável é que a sequência é de uma melancolia impressionante em meio a uma tensão também impressionante, um feito raro de se conseguir.

Mas, se tinha alguém que era capaz de fazer essa mágica era, claro, Michelle MacLaren, que dirige apenas seu terceiro episódio na série (contra 11 de Breaking Bad onde atuava como produtora executiva) e entrega um dos tecnicamente melhores, por ela não só saber levar para Omaha o estilo imposto pelas “aberturas” de algumas temporadas anteriores, de construir um universo próprio a partir de relativamente pouco em termos visuais, trabalhar cada sequência como uma escultora extraindo sua obra-prima do mármore. Nippy certamente não tem o mesmo impacto que diversos outros episódios desta derradeira temporada, mas ele nem deveria ter mesmo. Ele existe como um resumo de tudo o que veio antes para fechar um ciclo com extrema elegância e técnica, um pouco de humor, alguns segundos de tristeza, solidão e quase desespero e, possivelmente, para começar outro, bastante curto é verdade, mas que é audaciosamente tabula rasa.

Better Call Saul – 6X10: Nippy (EUA, 25 de julho de 2022)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Michelle MacLaren
Roteiro: Alison Tatlock
Elenco: Bob Odenkirk, Carol Burnett, Pat Healy, Jim O’Heir, Kelsey Scott, Max Bickelhaup, Nathaniel Augustson
Duração: 51 min.

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