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Crítica | Better Call Saul – 6X13: Saul Gone

Os fantasmas de Jimmy McGill.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

Não me lembro de outra série que tenha oferecido o que podemos chamar de dois finais a seus espectadores e muito menos que esses dois finais tenham sido absolutamente perfeitos, irretocáveis, realmente capazes de agradar universalmente. Better Call Saul, prelúdio e também continuação de Breaking Bad, faz exatamente isso, com Vince Gilligan e Peter Gould fechando esse universo com chave dupla de ouro. Sei bem que o final mesmo está aqui, em Saul Gone, mas quando digo que a série tem dois finais, quero dizer que Nippy, seu décimo episódio, também poderia ter sido um mais do que satisfatório encerramento para a saga de Jimmy McGill ou Jimmy Sabonete ou Saul Goodman ou Gene Takavic. Pessoalmente, ainda tenho preferência pelo final… digamos incerto – mas não exatamente aberto – que foi oferecido três episódios atrás, mas não tenho como falar nada depreciativo de Saul Gone a não ser o óbvio: não teremos mais Better Call Saul para degustar como tivemos nos últimos vários anos.

Saul Gone foi feito para minuciosa e poeticamente levar Better Call Saul e Breaking Bad à colisão, com participações especiais na forma de flashbacks coloridos de Jonathan Banks, Bryan Cranston e Michael McKean, além de Betsy Brandt em importante momento no presente em preto em branco e para trabalhar os diversos períodos da vida do protagonista quase que espelhando as visitas dos fantasmas do passado, presente e futuro que Ebenezer Scrooge recebe em Uma Canção de Natal, de Charles Dickens. Muito mais do que meros fan services, as aparições de Mike Ehrmantraut, Walter White e Charles “Chuck” McGill funcionam como testemunhas do caráter de Jimmy/Saul/Gene, pois são eles – ou melhor, as interações deles com o protagonista – que deixam sobejamente evidente (não que já não fosse evidente, vale lembrar) que não só Jimmy sempre foi quem ele é, como ele não mudaria nada em sua vida. A pergunta sobre viagem no tempo ou, como Mr. White desnuda imediatamente, sobre arrependimentos, pergunta essa que perpassa a narrativa de maneira sóbria e muito bem colocada, apenas reitera que Jimmy, Saul e Gene são a mesma pessoa e que nunca houve a real transformação de um em outro para além da troca perfunctória de nomes, penteado e vestuário.

Marie Schrader, por seu turno, não é exatamente uma testemunha, mas sim um instrumento de um último golpe de Jimmy. A sequência em que ele, representado para inglês ver por Bill Oakley (Peter Diseth), vira completamente o jogo e coloca o em tese seguro e assustador promotor George Castellano (Bob Jesser) contra a parede, conseguindo um acordo de apenas pouco mais de sete anos de prisão (e em uma prisão country club ainda por cima), é impressionante. O acuado Jimmy transforma-se no imbatível Jimmy, um homem absolutamente seguro de si que faz aquilo ali simplesmente porque ele pode (sei que é chover no molhado, mas que atuação incrível de Bob Odenkirk, não?). Sim, eu vejo esse jogo dele de conseguir uma pena ridícula para o que ele fez direta e indiretamente como algo simbólico, como algo que só acontece por ele é quem ele é e porque nós esperávamos algo assim. E, sejamos sinceros, nós estávamos torcendo para que ele só levasse sete anos mesmo e que até houvesse uma cena no final de ele saindo da prisão depois de cumprir a sentença e reatando com Kim. Confessem!

Mas o grande jogo de Saul Gone, a grande lição que talvez tenhamos que tirar do episódio retorna à pergunta da viagem no tempo. Jimmy levantando no tribunal para desfazer o que ele mesmo inteligentemente conseguiu para si foi Jimmy aceitando, finalmente, quem ele é e compreendendo de vez o que ele precisa fazer. Ele não fez aquilo por causa de Kim exatamente, ou por causa de Howard Hamlin ou dos demais que morreram ao seu redor, mas sim porque ele olhou sua vida inteira e compreendeu aquilo que Kim já compreendera e tentar fugir: ele destrói tudo o que toca. E o mais interessante é que Jimmy é o único personagem importante da saga BB/BCS que é tocado pela Justiça e, mesmo assim, só tem aquilo que realmente merece porque ele decide desmontar todas as defesas que ele próprio erigira. Jimmy, no final, se arrependeu mesmo da vida que viveu e das vidas que tirou e decidiu pagar tudo o que devia, mesmo aquilo que tecnicamente não era crime.

E, dentro desse “segundo” encerramento da série, não poderia haver um finalzinho melhor. Temos o reconhecimento agridoce para Jimmy de quem ele é para o mundo exterior representado pelos condenados no ônibus que o leva à penitenciária, apontando para um respeito que ele não mais quer, o que só acrescenta à sua dor e temos Kim visitando-o ilegalmente como sua advogada – um último golpe em que ela usa a carteira de advogada sem data de validade que aponta para um hábito por parte dela que não morre? – para que eles repliquem um hábito antigo: compartilhar um cigarro encostados na parede. Belíssima simbologia que nos arremessa de volta ao começo da série em um episódio que merece todo o destaque por justamente conseguir transitar entre todos os períodos, entre todas as “versões” de Jimmy e condená-lo a cada vez, por fantasmas diferentes.

Imagino que Vince Gilligan e Peter Gould devam estar sentido um baita orgulho do que eles criaram não uma, mas duas vezes seguidas e imagino que a dupla, agora, queira seguir por outros caminhos. Claro que eu gostaria de ver mais desse universo, ver mais spin-offs e prelúdios, mas, muito sinceramente, prefiro que eles tentem algo diferente agora que fizeram o improvável, que foi transformar Better Call Saul em uma obra consideravelmente superior à que lhe deu origem. Sei que muitos discordarão dessa afirmação veemente, mas discordar faz parte. O que realmente importa é que Better Call Saul, com seu final que serve de viagem nostálgica por esse universo ao mesmo tempo em que acrescenta muito à narrativa sem deixar pontas soltas como muitos temiam (e como eu queria e preferia), consegue cumprir o que a série prometeu fazer, que é entregar arte em forma de série.

— NÃO EXATAMENTE MINHAS ÚLTIMAS PALAVRAS —

Ainda terei mais para falar sobre Better Call Saul nos próximos dias, pois não posso deixar passar o final de uma série dessas sem comemorá-la o máximo que puder. No entanto, considerando esses diversos anos de críticas de cada um dos 63 episódios da série, gostaria de usar esse espaço aqui para brevemente agradecer a leitura de meus textos e toda a interação que resultou delas. Como dizem naquela publicidade de cartão de crédito, isso não tem preço.

Foi um enorme prazer escrever as críticas da série e, mais ainda, vê-las tão bem recebidas pelos leitores aqui do site que, não me canso de dizer, são especiais, de uma variedade rara na internet. Aprendi muito com vocês a cada uma das 63 semanas de conversas desde 2015 (como o tempo passa!!!). E isso vale mesmo para aqueles que aparecem por aqui, leem meus textos, mas não comentam, pois vocês também ajudaram a dar alcance aos textos nesse mundo internético tão tumultuado.

Fica aqui, portanto, meu muito obrigado a todos vocês por esse prestígio todo!

Better Call Saul – 6X13: Saul Gone (EUA, 15 de agosto de 2022)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Peter Gould
Roteiro: Peter Gould
Elenco: Bob Odenkirk, Carol Burnett, Barbara Rosenblat, Peter Diseth, Bob Jesser, Stephen Conrad Moore, Rusty Schwimmer, Rhea Seehorn, Bryan Cranston, Betsy Brandt, Michael McKean, Jonathan Banks 
Duração: 69 min.

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