“O que o estrangeiro quer?”
“Quer ver bicho que ele não conhece”
No Sul do Brasil há uma tradução dos imigrantes alemães em pregar peças nas pessoas mais ingênuas através da figura do Thiltapes, um bicho imaginário que se esconde na floresta em noites de luar. A vítima da brincadeira é convidada para uma caçada e deve esperar com um saco para capturar a criatura enquanto as outras pessoas atraem o Thiltapes, mas é claro que ela nunca aparece e o ingênuo fica sozinho até perceber que foi feito de bobo. É aproveitando o contexto de uma brincadeira infantil que evoca o folclore alemão na tradição sulista que o longa Bicho Monstro, de Germano de Oliveira, reconstrói o imaginário através de uma narrativa com elementos de suspense e fantasia.
Em um pequeno vilarejo rural colonizado por alemães, Ana (Kamilly Wagner) é uma criança quieta que ajuda a família na criação de vacas, mas depois de assistir uma peça sobre a história da lenda de Thiltapes e o mistério em volta de sua imagem e paradeiro, a menina decide partir em uma jornada de descoberta, explorando as matas à procura da criatura. Essa mesma mata foi onde um botanista alemão visitou o Brasil há mais de duzentos anos e escreveu sua experiência em busca do misterioso monstro folclórico. A obsessão dos dois revela uma jornada que atravessa o tempo e se confunde entre o que é real e mito.
Dá pra ver as inspirações de Germano de Oliveira em um realismo fantástico na construção da imagética de Bicho Monstro, ainda mais nos segmentos em que acompanha a jornada do explorador alemão e seus ajudantes locais que servem de guia na mata desconhecida. Há uma atmosfera quase etérea nas imagens e sons ao ponto de fazer com que as duas narrativas principais se intercalem de forma quase imperceptível, mesmo que os tons azuis do passado mais frio e o alaranjado quente do presente sirvam para distingui-los, há uma unidade visual minuciosamente controlada, o que ajuda na ambientação, mas limita a obra a decisões técnicas e narrativas que precisem estar de acordo com essa proposta.
Há composições pouco inspiradas, ainda que estéticamente acolhedoras, graças à fotografia e ao trabalho de som, que se aproveitam bastante dos elementos naturais da mata. Até mesmo as interpretações contidas (que podem soar estranhas a princípio, mas combinam bem com a proposta) e o tom de apatia que permeia o território gaúcho são atraentes numa superfície que busca essa atmosfera fantástica. Ainda que a abordagem principal siga uma linha poética e introspectiva — o que, ao final, se revela uma escolha acertada — ela acaba por soar calculada e previsível no aspecto visual. Apesar das ressalvas, Bicho Monstro se sobressai justamente pelo que insinua no invisível. É na ambiguidade da trama que reside sua maior potência.
O mágico e o poético se encontram no universo encantado das fábulas infantis, com sutis acenos para um suspense de monstros e segredos da floresta. Bicho Monstro é uma exploração mais meditativa sobre a colonização dos imigrantes em território brasileiro e a evolução de um imaginário que atravessa gerações e segue alimentando novas paixões e um fascínio pelo fantástico.
Bicho Monstro – Brasil, 2024
Direção: Germano de Oliveira
Roteiro: Germano de Oliveira, Igor Verde
Elenco: Araci Esteves, Kamilly Wagner, Décio Worst e Carlos Alberto Klein
Duração: 94 min.