Após um começo que abraça o surrealismo em Scherzo, no arco The Creed Of The Kromon, a saga do Universo Divergente abandona a linguagem surrealista das histórias anteriores para adotar um tipo de trama mais característica de Doctor Who, ao mesmo tempo em que introduz um novo Companion. Na trama, enquanto atravessam as diferentes zonas do Universo Divergente em busca de sua TARDIS perdida, o 8º Doutor e Charley chegam à interzona governada pelos Kromon, uma raça insectoide tirana com planos de se espalhar por todo o Universo Divergente. Quando Charley é sequestrada para forçar o Doutor a entregar o segredo da viagem espacial, o Time Lord deve se unir a um escravo fugitivo antes que a sua companheira seja transformada em uma Kromon.
Escrito por Philip Martin, The Creed of the Kromon guarda muitas semelhanças com os roteiros que Martirn escreveu para a TV. Assim como em Vengeance on Varos e Mindwarp, este drama em áudio traz algumas metáforas políticas e sociais em sua narrativa, enquanto mostra a mutação da Companion do Doutor como um grande ponto de virada. Mas este trabalho de Martin acaba soando por demais derivativo de suas outras histórias, e pior, uma derivação menos inspirada. Há tentativa de crítica ao corporativismo através da forma como os Kromon se organizam, lembrando uma empresa. Da mesma forma, existe aqui uma interessante alfinetada no darwinismo social, mas ela acaba não sendo desenvolvida de forma satisfatória pelo texto, talvez pelo humor utilizado para expor essa crítica soar óbvio demais, não conseguindo se articular com as camadas mais dramáticas da narrativa.
Grande parte deste drama é fornecido pela presença de C’rizz, o guerreiro que foi escravizado pelos Kromon, e que ao fim da História acaba se tornando o novo companheiro do Doutor. C’Rizz nos é apresentado como um personagem bastante dramático, pois somos introduzidos a ele em uma busca para salvar a sua noiva levada pelos Kromon, que termina de forma trágica, quando ele é forçado a matá-la a pedido da própria noiva, depois que é transformada de forma irreversível em uma rainha Kromon, no fim da segunda parte. É uma situação que, além de trazer conceitos de Body Horror característicos dos trabalhos de Philip Martin em Doctor Who, aumenta as apostas dramáticas da segunda metade do arco, tendo em vista que Charley pode sofrer o mesmo destino. O problema é que as duas últimas partes do arco parecem tratar a tragédia de C’Rizz como uma piada recorrente, com o Doutor tendo que educadamente recusar as sugestões do novo companheiro de que ele deveria se preparar para também matar a sua Companion. Essa acaba sendo uma abordagem narrativa equivocada, já que a dramaticidade que o autor tenta dar à história de C’Rizz em alguns trechos, enquanto outros empregam certo humor ácido, criam dois tons que acabam se sabotando.
Tecnicamente, The Creed of The Kromon também é um trabalho não muito criativo da Big Finish, ao trazer um desenho de som genérico e pouco detalhado, que não consegue transmitir ao ouvinte a ambientação dos cenários do arco. Quanto ao elenco, depois de entregar alguns de seus melhores trabalhos nos áudios anteriores nos papeis do 8º Doutor e Charley Pollard; Paul McGaan e India Fisher parecem um pouco no piloto automático. Já Conrad Westmaas em sua estreia como C’Rizz até consegue equilibrar de forma interessante a inocência e a combatividade de seu personagem, mas ainda não deixa uma marca forte como o novo companheiro.
Eu entendo perfeitamente que após as doideiras que foram os últimos arcos do 8º Doutor na Big Finish, era preciso algo mais tradicional para estabelecer o novo Companion e o novo cenário do Universo Divergente, que abriga as próximas histórias do Time Lord de McGann. Entretanto, Philip Martin entrega um trabalho tão derivativo, em um quase autoplágio de seus roteiros anteriores, que acaba não conseguindo engajar o ouvinte em nenhum momento.
Big Finish Mensal #53: The Creed of The Kromon (Reino Unido, Janeiro de 2004)
Direção: Gary Russell
Roteiro: Philip Martin
Elenco: Paul McGann, India Fisher, Conrad Westmaas, Stephen Perring, Brian Cobby, Jane Hills, Daniel Hogarth
Duração: 129 Minutos
