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Crítica | Big Mouth – 1ª Temporada

por Luiz Santiago
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__ Como é que eu vou encarar o pessoal da escola?

__ Sei que agora isso é vergonhoso, mas um dia vocês vão se lembrar dessa época com carinho. Talvez até tirem uma coisa linda dela.

__ O quê? Um programa sobre crianças se masturbando? Isso não é pornografia infantil?

__ Puta merda! Espero que não! Mas se for em animação… podemos no safar. Não é?

Vamos fazer de conta que você é um leitor desavisado que quer apenas ter uma noção do que se trata Big Mouth, série animada da Netflix criada por Jennifer Flackett, Mark Levin e Andrew Goldberg baseada em suas próprias vidas, no desabrochar da sexualidade, com todos os termos, imagens, informações e situações que podem constranger, irritar e até explodir as glândulas dos Movimentos Revolucionários de Sofá e Facebook (MRS&Fs) e os Pulpiteiros da Inquisição (Pudi), clamando para que as atividades da Netflix sejam encerradas, já que a empresa está claramente fazendo apologia ao gayzismo, lesbianismo, pedofilia, feminazismo, zoofilia, museologia (não, pera…), extremo-esquerdismos-comunistóides e, pior de tudo, ao sexo… em um programa com adolescentes… que jamais perceberam as mudanças em seus corpos… não descobriram a internet, não ouviram os amigos, a novela, o BBB e as centenas de outros programas falarem sobre corpo e sexo… e vivem cristalizados na bolha dos grandes e altos valores ético-morais… bem… ESTE PROGRAMA É PARA VOCÊ!!!

Leia com atenção os títulos dos episódios a seguir: O Milagre da Ejaculação; Todo Mundo Sangra; Sou Gay?; A Traumática Experiência de Dormir Fora; Garotas Também Sentem Tesão; Conversa de Travesseiro; Réquiem Para Um Sonho Erótico; Empurrar a Cabeça; Eu Sobrevivi ao Bat Mitzvah de Jesse e Porniverso. Notem que em cada capítulo nós temos referências a diversas fases da puberdade e da descoberta do corpo por meninos e meninas, com cenas de vão de sonhos molhados, conversas com vagina no espelho, uso de meia e travesseiro para masturbação, Complexo de Édipo, humor negro e camadas de Os Simpsons com Rick and Morty, um pouco de South Park e muito de Lovesick / Scrotal Recall. Das coisas mais bobas do dia a dia até discussões sobre pornografia na internet, piadas racistas, antissemitas, homofóbicas e machistas, vemos a série avançar, parecendo White Gold versão fofa para pessoas entre 11 (ou 18) e 98 anos de idade.

Assustador, não é mesmo? Sim, assustador. E genial. Amparada por um humor fora do politicamente correto e sem amarras em relação ao que mostrar ou não na tela, a série retrata o cotidiano de Nick (brilhantemente interpretado por Nick Kroll, que segue em um ótimo trabalho dublando o hilário e incontrolável Maurice, o Monstro dos Hormônios; o Treinador Steve e Lola), Andrew (John Mulaney), Jessi (Jessi Klein) e Missy (Jenny Slate). Colegas de escola, eles vivem suas vidas comuns, fazendo o que adolescentes normalmente fazem, até que a puberdade chega, com ritmos diferentes para cada um. E absolutamente tudo começa a desmoronar sobre a cabeça desses mini-humanos.

A estrutura dos roteiros nos episódios é de crônica ao longo de um ano — ou um pouco menos –, sem a adição das típicas festividades americanas, o que poe fazer falta para alguns espectadores, pelo charme que esse tipo de episódio temático tem, mas no todo, isto não afeta a qualidade do serial, que parodia a realidade em uma dimensão micro e não macro, preferindo entrar na mente dos adultos e adolescentes, moldando suas ações e instigando seus desejos. Os capítulos, neste caso, aparecem ligados a um fio único, sendo particularmente investigados a cada nova aventura, como as maneiras, tempo e lugares para a masturbação no primeiro episódio e, no segundo, pela jornada impiedosa através do mundo feminino após a primeira menstruação, com direito ao seguinte diálogo entre mãe, filha e a Estátua da Liberdade:

__ Estou horrível, nada fica bom.

__ É assim que a indústria da moda quer que você se sinta. Para gastar seu dinheiro na Forever 21, com roupas feitas por crianças da Malásia.

__ Ser mulher não traz nenhuma coisa boa?

__ Se você tiver sorte, um homem vai gozar em você no metrô.

Cada momento é apresentado com certa dose de ironia, até que o refrão da bela canção Changes, de Charles Bradley, faz a abertura do programa, novamente, mostrando dilemas das mudanças do corpo humano, como o descrimento dos seios, do quadril e a chegada da menstruação para as meninas e o crescimento de pelos e do pênis no caso dos meninos. Em cada episódio existe a preocupação em mostrar o desenvolvimento individual do quarteto central, suas famílias e os amigos secundários, tendo aí também os namoros-relâmpago, o primeiro beijo, os dias de “fastio de masturbação” e uma série de problemas sérios tratados nos dramas de apoio, como a diferença de criação que cada família tem — com absurda diferença no amor dado aos rebentos; como as possíveis confusões da sexualidade mesmo na vida madura; como a separação de casais e o assédio sexual e tentativa de estupro. Às vezes, na passagem de um tema sério para um cômico, o roteiro escorrega, ou colocando cenas longas e dispensáveis ou fazendo piadas pouco engraçadas, mas esses pontos, ainda bem, estão em menor quantidade na temporada.

A narrativa também é enriquecida com canções, que, diferente de séries que usam desse recurso apenas por um capricho de forma, em detrimento do conteúdo, faz com que cada faixa esteja diretamente ligada ao sentimento e à situação em questão. Ou seja, as canções só aparecem em momentos de explosão sentimentais, aqueles que as “palavras não conseguem definir”. O melhor momento desses números está no episódio três, quando Andrew fica excitado vendo um ator musculoso em um trailer de filme e começa a questionar sua sexualidade. O uso central de Freddie Mercury para representar o “lado gay” do rapaz, cantando uma versão divertidíssima de Somebody to Love misturada com Bohemian Rhapsody, fazendo referências ao seu clipe de The Great Pretender, ao reality show RuPaul’s Drag Race, à série Glee e aos filmes CabaretThe Rocky Horror Picture Show está definitivamente entre os melhores eventos da temporada, principalmente em qualidade musical (a dublagem de Jordan Peele é soberba!), na dinâmica da animação e no tratamento e contextualização dados ao tema.

Na sequência, também poderíamos destacar as referências aos longas Réquiem Para Um Sonho, Clube da Luta, Videodrome e, a mais forte, perfeitamente fotografada e crítica de todas, ao filme Apocalypse Now, com exposição direta do vício em pornografia, suas consequências e cura, mais uma importante cena sobre abuso sexual infantil. Pois é. Big Mouth não veio para brincar em serviço.

Repleta de quebras de quarta parede, referenciando os próprios (e mínimos) tropeços da temporada, BM é certamente uma das produções mais ousadas e, por que não, necessárias sobre este tema na atualidade. Até a recusa de se falar de sexo e o cultivo de estranhezas infames de alguns indivíduos são expostos na reta final, fazendo graça com a hipocrisia de organizações sociais e certos indivíduos e famílias, enquanto usa a passagem de cenário ao estilo Seinfeld para encerrar um dos momentos mais constrangedores do último episódio. Big Mouth é extremamente prazerosa e bizarra, fazendo-nos flutuar pelos conselhos do fantasma de Duke Ellington e explodir nas mais insanas situações que adolescentes excitados podem se meter.

__ Estou me sentindo um merda. Deve ser amor.

Big Mouth – 1ª Temporada (EUA, 2017)
Criadores: Jennifer Flackett, Mark Levin, Andrew Goldberg
Direção: Joel Moser, Bryan Francis, Mike L. Mayfield
Roteiro: Nick Kroll, Jennifer Flackett, Mark Levin, Andrew Goldberg, Kelly Galuska, Joe Wengert, Jess Dweck, Victor Quinaz, Emily Altman, Peter Knight, Duffy Boudreau, Gil Ozeri
Elenco (vozes): Nick Kroll, John Mulaney, Jessi Klein, Jason Mantzoukas, Maya Rudolph, Jenny Slate, Fred Armisen, Jordan Peele, Andrew Rannells, Paula Pell, Kat Dennings, Richard Kind, Zach Woods
Duração: 30 min. (cada episódio)

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