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Crítica | Black Bird (2022)

A mudança não se materializa.

por Felipe Oliveira
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Narrativas sobre true crimes podem parecer repetitivas por guiarem o telespectador pela linha de investigação, e embora as semelhanças aqui com Mindhunter sejam notórias, a forma que Dennis Lehane encontrou para apresentar Black Bird vai ganhando cada vez mais impacto à medida que a narrativa se desenrola. A voz em off de James ‘Jimmy’ Keene (Taron Egerton) fazendo uma breve alegoria de como sua realidade privilegiada será afetada, denota o ponto chave que a minissérie explora, não como a jornada do “herói” protagonista que é ressignificado, e sim, pelo sintoma que representa: um exemplo de masculinidade tóxica.

Baseado no livro de memórias In with the Devil: A Fallen Hero, a Serial Killer, and a Dangerous Bargain for Redemption em que o verdadeiro Keene escreveu ao lado de Hillel Levin, a adaptação de Lehane traz uma versão ficcional do autor para debater um tema em constância discussão sobre o viés do subgênero policial. O ano é 1996, e o charmoso traficante e ex-astro de futebol do colegial Keene é sentenciado a 10 anos de prisão após uma apreensão do FBI, que descobriu também sua posse ilegal de armas. Para se livrar da pena, ele recebe um acordo das autoridades: cumprir a missão de ser transferido para uma prisão de segurança máxima, se aproximar do serial killer Larry Hall (Paul Walter Hauser), e conseguir uma confissão a fim de que o maníaco ligado ao sumiço de várias meninas seja mantido preso, e os corpos das vítimas, encontrados. Uma medida drástica do FBI para anular um recurso de defesa de Hall.

É curioso notar como o argumento desenvolvido por Lehane vai num caminho que contesta o título apontado no livro, “de uma jornada de redenção” e isso é muito sintetizado no diálogo entre Keene e a detetive Lauren McCauley (Sepideh Moafi), quando o réu convencido de que com seu porte de macho másculo, altivez e personalidade impenetrável não teria dificuldades para executar a missão, e então escuta que, para conseguir extrair algo de Larry, precisaria ter algo em comum. O que um traficante teria de semelhante a um assassino em série? Para alguém que tinha uma vivência de luxo e parecia fácil cortejar e ter sexo com mulheres, a única coisa que tinha a oferecer por trás da barreira criada de um homem completo e duro na queda mesmo após uma longa sentença, era falar da maneira que se relacionava com mulheres.

Frequentemente ligado ao gênero policial e do suspense psicológico, Lehane teve o compromisso de escrever um projeto intenso e sombrio, muito por ser a adaptação de memórias de um crime real, depois, pela natureza do que debate. Se Black Bird fosse documental, talvez não tivesse a mesma força narrativa que a dramaturgia permite em um show de seis episódios, ficcionar e ainda assim, manter um senso de importância e veracidade pelo que está contando. E o que Lehane fez, foi escolher um ponto de reflexão ao tratar de um caso revoltante, imprimindo em Jimmy uma inesperada contestação de sua masculinidade, machismo e humanidade. Vale salientar que essa abordagem não se configura como uma desconstrução, mas que o Lehane propõe é que, ao topar algo tão arriscado por liberdade, Jimmy vê isso respingar de outras maneiras a persona que detém, e isso fica claro no desempenho brilhante de Egerton, que sempre transmite a confiança de sua masculinidade na postura, o jeito de andar, a casca de fuga criada com o charme e beleza. Gradualmente, essa casca vai ganhando rachaduras, porque o risco e a ameaça da própria prisão são pontos que não dão para ser ignorados, e ele está lidando com outra camada de experiência humana e que só aumenta toda vez que se aproxima de Larry.

E aqui entra outra performance impressionante de Hauser ao dar vida a um maníaco confesso, e que alegava sofrer de alguma patologia psicológica que o fazia contar histórias para chamar atenção. O tom de voz manso, perdido, de alguém manipulador e fácil de ser manipulado recebe todas as nuances e entrega na atuação de Hauser, que transmite essa complexidade de um assassino em série. Lehane costura o tema de sua abordagem na dinâmica entre esses dois personagens centrais, Jimmy e Hall. Enquanto o primeiro se sentia no ápice no estereótipo de machão e pegador, Hall é um exemplo mais extremo de masculinidade, aversão e  misoginia, e é isso que causa um choque em Jimmy que não esperava criar um vínculo com uma figura predatória, repulsiva e perigosa, longe da concepção de macho que nutre e estava longe de contestar.

A partir disso que a linha tênue de Black Bird começa a ser traçada, graças a dinâmica estabelecida no roteiro de Lehane. É uma estrutura trivial e que nada tenta parecer fora da curva, mas tem um tom bastante carregado, sustentado pela objetividade do texto e performance do elenco. A exemplo de McCauley e Brian Miller (Greg Kinnear), os detetives que, alternando entre linhas de tempo do passado e presente, se desdobram apresentado informações e os esforços para solucionar o caso. As similaridades com Mindhunter são inevitáveis, ainda que não propositais ou por ter sido a última referência de alta qualidade do gênero, mas sem a mesma ambição da peça de Joe Penhall. Aqui a simplicidade dá forma e acerta pela entrega sucinta desses personagens. Nisso, a minissérie é contornada por um atributo forte que está o tempo todo valorizando as vítimas e dando ênfase a história real, criando uma sensação de sufoco pela resolução do caso. Manter essa fidelidade enquanto delimita uma discussão moral e cultural em paralelo é o que classifica a essência e acerto da atração, por não esquecer do seu material base na transposição ficcional.

Certamente, não há nada em Black Bird que a torna excepcional a exemplo de outras produções que se baseiam em crimes reais, mas é um show que sustenta pelas performances e Lehane conduziu de forma coesa o seu tema de masculinidade, com o entendimento de que não é algo conclui abruptamente, e sim que precisa ser encarado e debatido.

Black Bird (EUA – 2022)
Criação: Dennis Lehane
Direção: Michaël R. Roskam, Joe Chappelle, Jim McKay
Roteiro: Dennis Lehane
Elenco: Taron Egerton, Paul Walter Hauser, Sepideh Moafi, Greg Kinnear, Ray Liotta, Joe Williamson, Jake McLaughlin
Duração: 60 min (episódios, cada)

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