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Crítica | Sangue do Meu Sangue

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

O assustador poder da Igreja e da fé é abordado no italiano Blood of my Blood, trazendo um questionamento sobre o passado e um nítido estranhamento que perfeitamente dialoga com a realidade atual que ainda traz traços das chamas inquisitivas de outrora, sob a forma do preconceito e não aceitação do diferente. Trata-se de um filme verdadeiramente angustiante que deixa em choque todo e qualquer espectador, que necessitará de um considerável tempo para digerir o que acabou de assistir.

No século XVII, Federico (Pier Giorgio Bellocchio) viaja até um monastério a fim de lutar pela alma de seu irmão, que se suicidara e, portanto, é impedido de ser enterrado em sangue sagrado. A única maneira de reverter isso é fazer com que a irmã Benedetta (Lidiya Liberman), amante do irmão do protagonista, confesse sua culpa, seu pecado. Dito isso, ela passa por inúmeras provações a fim de testar seu espírito, gerando angústia em todos os presentes ao testemunharem seu constante silêncio e seu olhar de escárnio que é quase uma visão do presente sobre o passado.

Federico é evidentemente um homem abalado, seus motivos são incertos e suas ações impulsivas e pautadas inteiramente em seu estado emocional. Há um claro deslocamento do personagem, que evidentemente não pertence àquele ambiente. A cada minuto do longa rezamos para que ele, de alguma forma, se revolte e impeça os sofrimentos por quais a mulher é submetida e sua falta de ação chega a provocar arrepios no espectador. A direção de Marco Bellocchio procura deixar clara a fragilidade de toda aquela situação, – estamos falando de questões metafísicas, a salvação da alma de um homem em detrimento da vida terrena de outra pessoa e esse contraste é abordado inúmeras vezes ao longo da projeção.

Benedetta, que acata tudo em silêncio, liberando suas emoções raras vezes muito bem representa o silenciamento de milhares ao longo da história da Igreja, a impotência diante de julgamentos pautados em escritos de séculos e séculos atrás. É uma caça às bruxas e em ponto algum o roteiro coloca a culpa na personagem, garantindo o desconforto do espectador a cada minuto. Enquanto isso, a fé e o pecado são fortemente colocados em cheque, evidenciando a quietude de Deus perante seus fiéis. É um mundo praticamente abandonado e cada situação leva esses indivíduos a seus limites psicológicos.

Em um twist surpreendente a história, então, passa a atuar em dois tempos distintos, mostrando como um “simples” julgamento pode alterar todo o rumo da História, gerar ainda mais miséria, criando uma sociedade melancólica e corrupta, amaldiçoada e parada no tempo. Essa mudança brusca na narrativa causa um imediato estranhamento no espectador, que permanece até os últimos momentos do filme, que, por sua vez, traz um potente clímax que enaltece ao máximo o trabalho fotográfico de Daniele Ciprì, que faz um trabalho com luz e sombras de se deixar lágrimas escorrerem. O desfecho ainda vem acompanhado da versão de Nothing Else Matters feito por Scala & The Kolacny Brothers, uma releitura verdadeiramente íntima da música do Metallica.

Blood of my Blood ainda permanece com toda sua força na mente deste que aqui escreve e certamente já faz parte da lista de obras mais impactantes de 2015. Uma reconstrução perfeita e assustadora do passado e uma metáfora angustiante da impotência humana perante suas próprias regras, um filme que nos faz pensar e pensar em um ciclo constante que nos dá a vontade imediata de reiniciar a projeção apenas para sermos inseridos novamente nessa atmosfera sufocante.

Blood of my Blood (Sangue Del Mio Sangue – Itália/ França/ Suíça, 2015)
Direção:
Marco Bellocchio
Roteiro: Marco Bellocchio
Elenco: Roberto Herlitzka, Pier Giorgio Bellocchio, Alba Rohrwacher, Lidiya Liberman, Fausto Russo Alesi
Duração: 106 min.

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