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Crítica | “Blue Banisters” – Lana Del Rey

Reescrevendo os seus fantasmas.

por Matheus Camargo
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“I never meant to be bad or unwell

I was just living on the edge

Right between Heaven and Hell

And I’m tired of it”

Blue Banisters se iguala a uma daquelas divagações fantasmagóricas. Você sabe que ela está ali, dormindo sobre suas costas. E também sabe que, certamente, a qualquer momento ela irá acordar e te fazer parar para dar atenção a sua voz. Sussurros que se multiplicam em indevidas metamorfoses lentas, onde uma pergunta te leva a outra, crescendo a cada lapso de consciência, confusões mentais que questionam a si próprias e cujas respostas nunca são objetivas o suficiente para matar a dúvida, nem nunca serão. Erro meu achar que era o fim de um ciclo, quando tudo que Lana Del Rey realmente desejava fazer era recontar e recriar as suas histórias com mais profundidade, mesclando composições novas e antigas num álbum complexo. Nesta tela em branco, se despe e deixa que suas melodias etéreas criem imagens, de início, abstratas, azul e amarelo, violetas ou rosas, e cada pincelada acaba por desenhar a já conhecida personificação da melancolia diante desse apocalipse nada repentino.

Text Book abre o  disco num tom sóbrio e reflexivo em razão de suas relações e a falta que uma figura paterna continua a afetar e influenciar as suas ações. É uma faixa em constante movimento, que consegue tocar em diversos momentos da vida da artista e transpor essas passagens musicalmente, com trocas de ritmo que criam e quebram momentos de tensão num conto de revolução onde a dor é reescrita. Blue Banisters sintetiza o trabalho: uma chama que queima lentamente enquanto o eu-lírico entra num estado de contemplação total, absorvendo os detalhes sensoriais e recontando a desilusão com tanta intensidade, certa fúria, certo pesar. É onde seus vocais brilham, tomam espaço ao ressaltar as pessoas que a ajudam a preencher esse vazio, ainda que o retrogosto te lembre que é apenas mais um ciclo. Arcadia traz de volta a tão citada Los Angeles em uma orquestra diminuta, suas estradas e a importância do lugar para o seu crescimento – ainda que ela precise drasticamente se distanciar dali, estampa cada montanha e lembrança em seu corpo, carrega consigo seus vôos e quedas, além de servir como crítica ao que os últimos anos da America representaram. De uma forma curiosa, eu realmente gosto da quebra que Interlude – The Trio traz (só porque o beat é bom demais).

Num desabafo áspero e atual, Black Bathing Suit impressiona com a capacidade do trabalho, no geral, em contar suas histórias e nos posicionar em diferentes períodos e a forma que lida com os mesmos de forma madura, entre a ironia e a aceitação. É uma canção cheia de texturas, camadas de instrumentos que muitas vezes se perdem no tempo, quanto mais se aproximam do final, mais desmontam, e, ainda assim, funcionam por representar um momento tão confuso quanto a quarentena e as últimas polêmicas de sua carreira. Talvez essa crueza seja levada a sério demais, porque com a certeza de que Lana é uma das maiores compositoras de sua geração, encontramos linhas como “He said I was bad / let me show you how bad girls do”. O mesmo acontece com If You Lie Down Lie Next To Me, que constrói seus versos de uma maneira muito bela, instigante, e cai num coro de “If you lie down, lie next to me / Lie, lie, lie…”, carregada pelo último minuto instrumental. Beautiful é honesta, leva consigo uma vulnerabilidade em harmonia com o piano, onde abraça a tristeza e a sua capacidade de tornar o sofrimento em algo belo, soando como um anjo em contato com a certeza de que encontrou a salvação na arte.

Violet For Roses flutua sobre a poesia fervente em um potente “Ever since I fell out of love with you / I fell back in love with me” recheado de convicção do seu poder. Após tantos relatos cantados de relações envolvidas em braços que não a compreendem, é glorioso ouvi-la reafirmar sua condição, onde ela pode ser quem é por completo. Dealer é uma das canções que mais se destacam em meio a tracklist e são esses ápices experimentais que mais me atraem nos últimos anos em que fomos presenteados com seus trabalhos. Momentos onde a consciência do caos respinga nos sonhos estelares e somos levados do céu ao inferno num instante. Com uma participação não-creditada de Miles Kane, cada simples elemento nos leva a esperar pelo refrão, estrelado pelo grito vibrante que toma toda a atenção. É libertador e certamente mostra como a artista se desprende do usual para exprimir a sua visão da forma que deseja no álbum. Seguida de Thunder, uma balada soft rock que fica cada vez mais densa, novos detalhes que tatuam um desespero crescente, esse que floresce em Wildflower Wildfire, onde se aprofunda na sua história e traz toda a bagagem de forma que enxergamos um caos se aprofundando e, enquanto confessa os pesos de seu ambiente familiar e a luta para não se tornar como as pessoas que a machucaram, o instrumental vai se tornando mais sujo, pesado.

Blue Banisters é longo, quinze faixas que, ao chegar aqui, parecem estar num caminho de quase esgotamento. Nectar Of The Gods tem uma melodia marcante mas fortalece essa percepção, correndo numa direção muito comum para Lana, tão rotineira quanto às rimas “Baby / Crazy / Blue / You”.  Felizmente, um álbum aberto por um trio tão marcante é, também, concluído por uma tríade emocionante e refrescante. Living Legend articula seus sentimentos – a esse ponto, despidos e violentos, construindo na simplicidade um amor doce, grato, num canto de reconhecimento da importância que essa pessoa teve em sua vida e carreira. O brilho se estende à ruptura ao final, onde sua voz distorcida se iguala a guitarras elétricas. Cherry Blossom e o piano apaixonante direcionam uma canção de ninar a uma filha futura, mas além disso, no desejo de ser a mãe que ela nunca teve, como brada em “And when you’re scared, I’ll be right here / You feel afraid, Mommy is there”

Por fim, Sweet Carolina mergulha na mesma melancolia reconfortante e numa experiência quase espiritual, onde o sarcasmo rende linhas como “Crypto forever,” screams your stupid boyfriend / F*** you, Kevin” e termina numa certeza repentina: “I’ll always be right here /

Closer to you than your next breath, my dear”. É a verdade. Quando abrimos os olhos é que podemos ver a tamanha viagem, entre falhas e acertos o sentimento que predomina é o de ter passado todo esse tempo ao lado de Elizabeth, ouvindo o seu diário ser cantado. Suas renovações são mais lentas e climáticas, baladas acompanhadas de piano e sopro que transpassam suas nebulosas memórias com uma nostalgia que apenas ela consegue concentrar de forma tão harmônica. Numa abordagem singer-songwriter que pode não agradar a todos, sua introspecção atmosférica pede tempo para te situar em suas paisagens e sensações, mas assim que você se encontra nesse mundo, você compreende que já o conhece, como um velho amigo que se aproxima para lembrar das histórias de tempos menos complicados, ou para estar ao seu lado nos tempos mais críticos. O segredo é que ele é como você e também precisa de você para descobrir que por baixo do verde e do cinza, ainda existe um azul doloroso, mas inspirador.

Aumenta!: Wildflower Wildfire
Diminui!: If You Lie Down With Me
Minha canção favorita do álbum: Living Legend

Blue Banisters
Artista: Lana Del Rey
País: Estados Unidos
Lançamento: 22 de outubro de 2021
Gravadora: Interscope Records / Polydor Records
Estilo: Singer-Songwriter, Alternativo

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