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Crítica | Blue Moon (2025)

Rodgers & Hart na estreia de Oklahoma!

por Luiz Santiago
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Um “filme de bar” é sempre uma grande surpresa. Há, de imediato, uma grande exigência técnica em tela, uma vez que estamos lidando com um único cenário (ou um número bem limitado deles); movimentos precisos dos personagens centrais; movimentos de preenchimento e de contextualização dos coadjuvantes e progressão muito mais desafiadora da história que o filme conta. Sim, porque com menos cenários, a sensação de passagem do tempo pode tomar rumos bem estafantes e, se o diretor não tiver um bom domínio técnico, a coisa sai dos trilhos ainda no primeiro ato e, dificilmente, volta. No entanto, este não é o caso de Blue Moon. Aqui, Richard Linklater faz uma abordagem muito competente e charmosa para os eventos da noite de 31 de março de 1943, quando o letrista Lorenz Hart se refugia e choraminga no Sardi’s bar, enquanto seu antigo parceiro de composição, Richard Rodgers, recebe os louros pela estreia triunfal de seu revolucionário musical Oklahoma!.

Em muitos aspectos, este é um filme de estudo de personagem, e o indivíduo desmascarado, descortinado, eviscerado emocionalmente na tela é o Lorenz Hart de Ethan Hawke, que cria uma versão muitíssimo rica do poeta novaiorquino, inserindo de tudo em sua interpretação, a depender do momento da narrativa, da necessidade de um tom diferente de voz, de uma postura mais afetada de gestos ou expressões faciais, de diálogos mais sujos, mais fingidos, honestos ou humilhantes. A grande capacidade do ator em criar personagens magnéticos com o mínimo de exposição possível (sem berros ou exageros de gesticulação) amplia seus caminhos de comunicação com o público, que entende cada um de seus lamentos, ao mesmo tempo que critica suas ações patéticas, suas desculpas esfarrapadas e o contexto de sua luta pessoal contra o álcool ou, de maneira cada vez mais clara, contra a depressão. Há também nuances evidentes de um homem atormentado pela solidão, dependente emocional, ciente de sua genialidade, mas atado a um padrão de comportamento que fazia com que produzisse menos e, principalmente, que estivesse distante de seu grande amigo e alma gêmea profissional.

Passados os primeiros minutos de projeção, quando somos apresentados ao fim da vida do letrista e sua saída da apresentação de Oklahoma!, a obra adota o tom que será a sua grande marca e à qual me referi ainda no primeiro período desta crítica: um “filme de bar“. Em conversa constante com o barman (muito bem interpretado por Bobby Cannavale) e dirigindo-se frequentemente a um jovem pianista, aspirante a compositor (Jonah Lees, fazendo um elogiável contraponto, sem forçar sua presença), o protagonista cria cenários e estabelece todas as grandes histórias possíveis dentro da trama fílmica: enredos de musical que ele divide com o amigo Richard (Andrew Scott, mais uma vez, num trabalho digno de aplausos, apesar de simples), exposição de uma paixão platônica também digna de um roteiro melodramático, tendo Elizabeth (Margaret Qualley, sensacional) como musa, e mais algumas variações artísticas onde os técnicos do filme brilham juntamente com a dinâmica de movimento interna à obra, características podemos ver na mudança de iluminação quando a dupla Hart e E. B. White (Patrick Kennedy) ganha desataque, ou quando nos damos conta que a exploração da trilha sonora e o trabalho de mixagem e edição de som, aqui, são grandiosos.

Em Blue Moon, não temos apenas as fragilidades de Lorenz Hart reveladas. O filme destaca, é verdade, o seu ponto de vista para as coisas, mas é possível perceber o quanto os outros profissionais em torno dele possuem inseguranças, dúvidas, ansiedade e uma melancolia que muito tem a ver com o momento que vivem (a Segunda Guerra Mundial) e que, talvez por fuga ou por mentirem para si mesmos, tentam deixar de lado e destacar apenas o “aqui e agora“, a beleza de uma letra, de um acorde, de um artigo, de uma fotografia, de um enredo… tudo misturado às mais diversas emoções humanas. Nós saímos de Blue Moon com uma sensação esquisita de “completude incompleta“. Por um lado, temos a saciedade de bons diálogos de um olhar até mesmo invasivo para Lorenz Hart. Por outro, a fome de mais elementos para além de seu núcleo, de seu olhar viciado e lamentador. Não diria, porém, que é uma armadilha inevitável do filme. É somente parte de nossa curiosidade, nascida da altíssima qualidade com que o diretor projetou a sombra de um artista que tanta beleza trouxe para o mundo, mas que não conseguiu utilizá-la para iluminar o seu próprio caminho.

Blue Moon (EUA, Irlanda, 2025)
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Robert Kaplow
Elenco: Ethan Hawke, Margaret Qualley, Bobby Cannavale, Andrew Scott, Giles Surridge, Brian Briggs, Simon Delaney, Patrick Kennedy, Jonah Lees, Elaine O’Dwyer, David Rawle, Cillian Sullivan
Duração: 100 min.

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