Home FilmesCríticas Crítica | Rastro de Maldade (Bone Tomahawk)

Crítica | Rastro de Maldade (Bone Tomahawk)

por Luiz Santiago
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Em Rastro de Maldade Kurt Russell é um xerife que juntamente com outros 4 homens vai resgatar uma mulher e um oficial da cidade de Bright Hope, sequestrados por um grupo de indígenas. Nessa jornada, o western veste todas as camadas do terror e os “indígenas trogloditas” (parcialmente inspirados em grupos antropófagos da América e mostrados de forma parcialmente acurada) aparecem em meio à extrema violência e como obstáculo a uma missão de resgate que nos remete a Rastros do Ódio (1956) pela temática e a dois grandes filmes de Sam Peckinpah pela mescla de mortes violentas, humor negro, preconceitos de época e adaptação ideológica do Destino Manifesto à própria missão que dá corpo ao filme: Meu Ódio Será Sua Herança (1969) e Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (1974).

Mas as comparações temáticas e narrativas foram apenas o ponto de partida para S. Craig Zahler dirigir uma das mais cruéis e tenebrosas missões de resgate no Velho Oeste. O diretor já estivera na produção de um terror em 2011, Desespero, obra franco-belga-americana dirigida por Alexandre Courtès, mas a participação de Zahler no filme foi complicada e o roteiro final não foi completamente seu. Em sua estreia com Bone Tomahawk, o diretor e roteirista assume controle total da parte criativa (inclusive na composição da trilha sonora/sons) e elenca as características básicas do terror misturadas ao faroeste, fazendo-nos sentir como se tivéssemos em um filme de suas partes, cada uma delas classificada em um gênero distinto.

Por ser um filme longo, é necessário que o espectador compreenda o trabalho do cineasta em administrar o tempo a partir de três caminhos distintos: o bizarro ameaçador, o pretensamente civilizado e o selvagem. No primeiro caso, elencamos os dois indivíduos que vemos na abertura da obra. Os ladrões e assassinos das inóspitas planícies e montanhas do oeste não são uma novidade no cinema e marcam o gênero desde a sua invenção em O Grande Roubo do Trem (1903), mas aqui eles são tão selvagens como aqueles que vemos nos westerns de Anthony Mann e tão exóticos como aqueles presentes nos westerns letárgicos após Homem Morto (1995). É como se o roteiro nos preparasse para a terceira parte, a parte selvagem, onde todos os atos que vemos no início são elevados a uma potência muito alta de barbaridade.

O choque entre a civilização (representada pelo xerife substituto, pela doutora da cidade, o homem da lei, o cavalheiro armado e o cowboy machucado) mais os dois mundos anteriormente citados acontece de forma orgânica no decorrer da narrativa, sendo que cada uma das partes é o caminho para que a outra se apresente e se encaminhe para encontrar a próxima. Parte do público não familiarizado com narrativas mais “lentas” ou reflexivas a exemplo de Winchester ’73 ou Bravura Indômita terá maior dificuldade para lidar com o tempo que se estende entre as três colunas de Bone Tomahawk. Mesmo que a parte da civilização e a busca pelos sequestrados sejam o verdadeiro foco do roteiro, é no entrelaçar dessas três partes que o verdadeiro significado da busca aparece, afinal, é da representação de cada um que o público irá formar a sua reação para a futura matança e se colocará ao lado dos “mocinhos” da vez, torcendo para que consigam exterminar os indígenas sequestradores, mostrados no melhor estilo Holocausto Canibal.

A direção de S. Craig Zahler é austera, em contraponto com o roteiro que possui muitas linhas cômicas e satíricas; que por sua vez estão em contraponto com a fotografia vezes acinzentada, vezes esverdeada de Benji Bakshi, que escolheu essas duas cores como representação residual, daquilo que já fora belo mas agora morre, definha e como representação dual da busca e luta pela vida (o broto) e da possibilidade ou quase certeza da morte (o bolor). Percebem que as outras cores da paleta do fotógrafo são clandestinamente colocadas em meio à predominância dessas duas principais, alternando algumas das nossas percepções sobre o que se passa na tela e ressaltando o ótimo trabalho de todo o elenco do filme.

Bone Tomahawk possui algumas das cenas mais impactantes já vistas em um western e o diretor teve a sensibilidade de saber o que mostrar e quando mostrar. As mortes, a relação entre o grupo de resgate e o embate final recebem boa atenção dramática, cada um dos quatro homens recebendo foco narrativo e boa planificação. A única personagem que mereceria melhor exploração nesse sentido é a doutora Samantha O’Dwyer, vivida por Lili Simmons, mas nada grave o bastante para atrapalhar a sessão. Surpreendentemente (e digam o que disserem da caracterização, ela está fantástica) Matthew Fox está muito convincente em seu papel, tendo possivelmente uma das melhores representações do longa, especialmente pelo enigma em torno de seu personagem. Kurt Russell continua ótimo no papel de badass, aqui mais ou menos disfarçado, revelando-se na reta final, e Patrick Wilson possui ótimas cenas e nos angustia bastante com aquele personagem que atravessa milhas e milhas com uma muleta e uma perna com risco de gangrenar.

Fazer westerns na década de 2010 se tornou uma tarefa difícil pelo contexto da época, pelas exigências do mercado cinematográfico e pela dívida e herança históricas do gênero. S. Craig Zahler entendeu essas dificuldades, driblou bem as limitações que surgiram com a abordagem proposta pelo seu roteiro (escrito em 2007!) e realizou um filme bastante original na mistura entre horror e faroeste, respeitando as linhas da cartilha de ambos os lados e nos entregando uma medonha e inesquecível missão de resgate. A palavra “troglodita” passa a ter um novo significado para os espectadores de Bone Tomahawk. E nas linhas do revisionismo histórico, um novo olhar para o indígena é solicitado.

Bone Tomahawk (Estados Unidos, 2015)
Direção: S. Craig Zahler
Roteiro: S. Craig Zahler
Elenco: Patrick Wilson, Kurt Russell, Lili Simmons, Sean Young, Zahn McClarnon, James Tolkan, Matthew Fox, David Arquette, Kathryn Morris, Sid Haig, Richard Jenkins, Michael Paré, Geno Segers
Duração: 132 min.

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