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Crítica | Boneca Russa – 2ª Temporada

O tempo não para.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, a crítica da temporada anterior.

Mesmo tendo adorado a primeira temporada de Boneca Russa, quando ela acabou eu torci para que ela fosse a única, pois não havia mais o que abordar e os arcos convergentes de Nadia Vulvokov (Natasha Lyonne) e de Alan Zaveri (Charlie Barnett), presos em um loop temporal que começa sempre no mesmo dia de cada morte deles foi muito bem encerrado. Mas, como tudo que faz sucesso em Hollywood, uma continuação era inevitável e ela acabou vindo mais de três anos depois em razão dos atrasos causados pela pandemia, com uma história inegavelmente mais ambiciosa e com potencial de ser ainda mais interessante, mas que não consegue repetir a mágica.

Quatro anos se passaram depois do fim do “dia da marmota” de Nadia sem que mais nada de estranho acontecesse, e seu aniversário de 40 anos se aproxima. No entanto, da mesma forma que seus entreveros com o tempo começaram anos atrás, eles começam de novo, mas, desta vez, em um vagão do metrô em Nova York e não no banheiro psicodélico de sua amiga Maxine (Greta Lee) e não com a repetição do mesmo dia a partir de sua morte, mas sim com o bom e velho artifício da viagem no tempo. Sempre que ela pega o Trem #6, aparentemente um “buraco de minhoca” só para ela, Nadia acaba no mesmo lugar, só quem em 1982, ano em que nasceu, mas habitando o corpo de sua mãe Lenora (Chloë Sevigny), grávida dela. Não demora e Alan, impulsionado por Nadia, descobre que o mesmo acontece com ele, só que sua viagem no tempo e  no espaço, para a Berlim Oriental de 1962, e habitando o corpo de sua avó, uma ganesa que imigrará para lá.

Os roteiros evitam perder qualquer tempo com deslumbramentos por parte principalmente de Nadia. Ela aceita o ocorrido como mais uma anomalia na vida dela, preocupando-se muito mais em entender exatamente o porquê de isso estar acontecendo e não o como, algo que ela conecta com os valiosos Krugerrands sumidos de sua mãe, antes de sua avó, cujo último exemplar ela carrega em volta de seu pescoço como um colar. Esse mergulho sem enrolações no passado é a antítese do que acontece na primeira temporada e tudo funciona muito bem nesse quesito, pois o espectador não é nem por um segundo subestimado, com Nadia, sempre muito inteligente e sarcástica, adaptando-se em um estalo ao inusitado da situação. Além disso, na medida em que a trama evolui, outros momentos temporais importantes para ela são visitados em viagens de metrô, com ela chegando a habitar o corpo de sua avó quando jovem, na Budapeste dominada por nazistas.

Toda a ambição da temporada está em justamente trabalhar com enorme cuidado toda as variadas ambientações de época que Nadia visita, algo que a equipe de produção se esmera ao encontrar o ponto de equilíbrio entre o que mostrar e o que esconder para manter o orçamento sob controle. O problema é que essa ambição muito bem materializada na produção não encontra muito eco nos roteiros que acabam se tornando repetitivos e extremamente dependentes de Lyonne e sua capacidade inimitável de falar seus diálogos – monólogos talvez seja mais correto – com velocidade vertiginosa, misturando sarcasmo com ironia e muita cultura, algo que ela mesmo, como uma das roteiristas, faz de tudo para imprimir no texto. Mas, por mais que a atriz (diretor, roteirista e produtora também) se esforce, não há material para um show de uma mulher só aqui, o que leva a temporada a caminhos estranhos que alteram sua próprias regras de viagem no tempo só como artifício para manter o leitor preso à telinha.

Vejam o caso de Alan que, na primeira temporada, entrou de certa forma tardiamente na narrativa para mudá-la radicalmente, realmente contribuindo para o sucesso do conjunto todo. Aqui, sua presença é quase forçada, com uma história que não ganha quase desenvolvimento algum e mais parece um esboço de ideia que foi colocada ali só para dar algum lugar ao personagem. Assim como Nadia, Alan tenta mudar seu passado – ou seu presente, como queiram -, mas, no caso dele, a mudança passa pela noção de que, de alguma forma, ele precisa impedir sua avó de levar seu namorado e amigos para a Berlim Ocidental por meio de um túnel que ela arquitetou. A questão é que, se isso ganha um episódio inteiro de atenção é muito e, no final das contas, tudo o que vemos nesse lado da história carece de peso narrativo e pouco acrescenta ao conjunto da obra. E isso sem contar que Barnett não tem um décimo da capacidade dramática e do carisma de Lyonne.

Como no primeiro ano das desventuras temporais de Nadia e Alan, o final é lisérgico, com Nadia “quebrando” o tempo ao trazer ela própria ainda bebê para 2022 e descobrindo, muito simplesmente, que tudo o que ela fez antes disso – ou poderia ter feito – contribuiu para a manutenção do status quo, para a repetição de sua vida como ela foi e continua sendo. Fazendo um paralelo com a primeira temporada, ela, ao final, percebe que tudo não passa não de uma “dia da marmota”, mas sim uma “vida da marmota”, em que ela vive aquilo que ela estava destinada a viver, agora, porém, com uma compreensão muito mais ampla de quem ela é de quem foram e são as pessoas fundamentais em sua vida. É, sem dúvida alguma, uma linda lição, mas uma que não só parece ser apenas um corolário do que Nadia já havia aprendido e que não justifica plenamente tudo o que ela passa aqui, com Alan fazendo sua figuração de luxo atrás da Cortina de Ferro.

A segunda temporada de Boneca Russa justifica-se por Natasha Lyonne, pois é sempre um prazer vê-la na telona ou telinha daquele seu sábio jeito blasé de ser e por conter viagem no tempo, artifício sci-fi que é sempre divertido de ver. Fora isso e todo o lado do cuidadoso design de produção, havia pouco a ser realmente dito. Em outras palavras, a série deveria mesmo ter sido apenas uma minissérie, que já estava muito bom. Vou tentar novamente, pois não custa nada: tomara que Boneca Russa acabe por aqui e que Lyonne nos dê a graça de sua irresistível e magnética presença televisiva em outra obra.

Boneca Russa – 2ª Temporada (Russian Doll, EUA – 20 de abril de 2022)
Criação: Natasha Lyonne, Amy Poehler, Leslye Headland
Direção: Natasha Lyonne, Alex Buono
Roteiro: Natasha Lyonne, Allison Silverman, Zakiyyah Alexander, Alice Ju, Lizzie Rose, Cirocco Dunlap
Elenco: Natasha Lyonne, Brooke Timber, Greta Lee, Elizabeth Ashley, Annie Murphy, Charlie Barnett, Chloë Sevigny, Sharlto Copley, Irén Bordán, Ilona McCrea,Athina Papadimitriu, Franciscka Farkas, Ephraim Sykes, Rosie O’Donnell
Duração: 210 min. (oito episódios)

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