Home FilmesCríticas Crítica | Bookanima: Andy Warhol + Replay

Crítica | Bookanima: Andy Warhol + Replay

por Luiz Santiago
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O conceito de Shon Kim para uma nova interação entre CINEMA e MÍDIA IMPRESSA é absolutamente maravilhoso. Juntando as palavras book (livro) + anima (alma), o artista sul-coreano cria um novo tipo de ‘resumão visual’, seja de um livro específico ou de um tema abordado a partir da animação de diversas imagens e fotografias em livros separados. Segundo palavras do próprio artista, em seu site, esse projeto de animação experimental tem por objetivo “dar nova vida cinematográfica ao livro. Em última instância, pretende-se criar um ‘Livro Cinema’ […] chegando a um terceiro produto por animação em cronofotografia, homenageando Edward Muybridge e Entienne Jules-Marey“.

O interessante é que esse estilo de brincar com material impresso e imagem-movimento passa por diversos outros estilos similares de experimentos com a imagem, todos observados neste Bookanima do diretor, intitulado Andy Warhol. Além da animação, as principais técnicas reunidas por ele nesses exercícios são o folioscópio (flip book), locomotive overlap, random crop e zoom para o tratamento de imagens, normalmente acompanhadas por diálogos, entrevistas ou por palavras em voz-off + trilha sonora instigante, com cortes secos.

Tenho certeza que se este fosse o meu primeiro Bookanima, minha recepção para a obra seria bem diferente. Eu já conheço outros dois trabalhos do diretor nesse estilo: Dance (o meu favorito) e Martial Arts, e gosto bem mais desses dois do que dessa versão do autor que compila de modo criativo o trabalho de Andy Warhol. Talvez a própria característica de Reprodutibilidade Técnica que foi tão ironizada e retrabalhada pelo artista americano tenha sido, para mim, um fator de afastamento ou de menor conexão em relação à obra, mas é claro que o envolvimento provocado pela sucessão de imagens (piscou, perdeu!) e a imersão completada pela música aliada a esse tsunami de sensações visuais ainda estão aqui. Considerando o artista representado, isso talvez seja mais intenso nesse curta do que em outros trabalhos. De todo modo, não é o meu projeto favorito do autor com esse estilo.

Bookanima: Andy Warhol (Coreia do Sul, 2019) 
Direção: Shon Kim
Roteiro: Shon Kim
Duração: 5 min.

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Replay

Quando meu parceiro Rodrigo Pereira me indicou Replay, eu me lembrei imediatamente de Uma Noite no Madison Square Garden, filme que rendeu altas conversas com Ritter, pensando em como lidar com um material onde a “mão do diretor”, na verdade, não existe. É apenas uma curadoria. Mesmo com uma indicação que falava de uma abordagem cheia de contrastes, eu cheguei a Replay com um pouco de medo. Mas isso bem rapidamente se dissipou. E deu lugar a algo bem pior: uma angústia, uma agonia, uma sensação que beirava à teoria da conspiração.

A proposta de Julio Napoli é a análise do programa Retrospectiva da Rede Globo, a partir de um processo de ligação entre o passado e (o nosso) presente. E é já na premissa que Replay se afasta completamente de Uma Noite no Madison Square Garden. Não se trata apenas da reprodução de um material — televisivo, nesse caso — encontrado. Há uma intenção específica por trás, uma manipulação na escolha dos fatos, na duração da reprodução, na sequência que estabelece blocos temáticos ou atmosferas — seguindo o conceito geral do programa a partir de 1980 — e principalmente, no choque que pretende causar no espectador a partir da repetição de determinadas notícias (conteúdo) ou da entrega dessas notícias (formas de transmissão) ao longo das décadas. E foi daí que nasceu o meu desespero.

Deixando de lado o fato de que o diretor, lá pelos 10 minutos, parece não medir mais com atenção a duração dos ciclos temáticos, tornando a repetição cansativa, em vez de instigante, o que a gente tem nesse documentário é um exercício de memória capaz de nos colocar nos mais enervantes estágios emocionais. Um deles, levantado pelo meu amigo Rodrigo, dá conta da sensação de que muita coisa que hoje notamos como pauta de uma grande rede de notícias como a Globo, e que talvez nos dê uma nesga de felicidade pela abordagem, na verdade não é algo novo. É uma apresentação requentada, aliada a uma outra conjuntura, mas aparentemente feita sob medida para atingir certo nível de aproximação com “os novos tempos”.

Outro ponto que vem à tona e que nos faz ignorar por um momento uma porção de conceitos de História e Sociologia (só para dar voz ao desespero mesmo) é a infernal impressão de que estamos vivendo num loop de acontecimentos ou sendo parte de uma simulação que se esquece que pode ser investigada. É impossível terminar o filme sem desesperança. Como o primeiro ato da obra é melhor que o segundo, nossas memórias ficam presas à parte boa da premissa e, mesmo que a montagem seja mais dispersa no final, a grande intenção se mantém, o ciclo de eventos não para de apresentar espelhos e a nossa agonia aumenta.

Mexendo diretamente com a memória, utilizando uma abordagem jornalística e focando em “dramas sociais de grande impacto” Replay consegue, a despeito de seu problema com o próprio conceito, causar um enorme impacto no espectador. Dá até vontade de reler Ontem Foi Segunda-Feira ou The Tunnel Under the World para ver se a gente encontra alguma pista de onde estão os bastidores dessa farsa ou a fonte da simulação que nos alimenta…

Replay (Brasil, 2020) 
Direção: Julio Napoli
Roteiro: Julio Napoli
Duração: 30 min.

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