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Crítica | Boys State

por Guilherme Rodrigues
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Eu achava que isso fosse ser um campo de doutrinação republicano” diz um dos personagens do documentário Boys State, René Otero, provavelmente ecoando as expectativas de muitos que decidiram assistir ao longa, que acompanha quatro jovens durante o evento que dá título ao filme, uma espécie de retiro político onde centenas de jovens participam de uma eleição para governador, montando plataformas, debatendo e etc.

E esse sentimento é até impulsionado um pouco pelo filme inicialmente. Os candidatos para o evento são entrevistados por homens em roupas militares, e os créditos iniciais mostram grandes figurões republicanos como participantes do evento Boys State, como Dick Cheney e Rush Limbaugh. Somado a isso, é notado repetidamente que boa parte dos jovens participantes são, de fato, voltados ao conservadorismo, e há até mesmo discursos de alguns deles que beiram o radicalismo, como um jovem que afirma que “não terá a sua masculinidade desrespeitada”.

Mas o grande trunfo de Boys State é não se deixar levar por essa superfície. Os cineastas Amanda Mcbaine e Jesse Moss não deixam de notar a clara parcialidade do evento, mas ao colocar o foco em quatro pessoas específicas, aos poucos a complexidade das políticas dos envolvidos começa a transparecer. Os quatro são: René Otero, citado previamente, provavelmente o mais esquerdista do longa, jovem latino eleito representante do partido Nacionalista, um dos dois que compõem o evento. Steve Garza, outro jovem latino, envolvido com movimentos sociais e também mais à esquerda do que a maioria, que tentará concorrer ao cargo de governador pelo partido Nacionalista, e tem como oponente Robert Macdougall, branco e popular. Por último, temos Ben Feinstein, abertamente republicano e adorador de Reagan – a ponto de ter um boneco dele no quarto – e que usa de suas deficiências físicas para mostrar que tudo é possível com trabalho duro. Feinstein desiste de concorrer a governador e se torna líder dos Federalistas, o outro partido do evento.

A partir da visão desses jovens, o evento ganha outros contornos além de “reunião de jovens conservadores”, isso porque o longa se preocupa com a relação entre o que esse quarteto apresenta publicamente, por meio de debates, reuniões e afins, e suas crenças particulares, enquanto até mesmo brinca um pouco com as possíveis pré concepções que essas figuras possam elicitar. Macdougall é o maior exemplo disso, sua imagem se encaixando perfeitamente no estereótipo do jovem americano típico, de fala confiante e porte de atleta, e cujas posições políticas, a princípio, fazem parte da ideologia conservadora. Mas em uma entrevista particular, revela, por exemplo, que ele não se opõe ao aborto, mas que toma a posição “pró vida” durante o evento por acreditar que isso ira atrair mais votos. “Eu não queria que mentiras fizessem parte disso” diz ele para as câmeras, “mas agora entendo porque os políticos fazem isso”. Garza passa por uma situação similar, onde precisa amenizar suas posições em relação ao porte de armas para para não alienar demais o público. Essas posições táticas não são julgadas pelo filme, mas tratadas com naturalidade.

Outro ponto interessante de Boys State é mostrar o quanto a identidade daquelas pessoas importa, no final das contas. Apesar de muitos personagens no filme falarem coisas do tipo “somos todos americanos”, as diferenças existem, e a câmera explora isso. É visível o isolamento de Garza em sua busca por coletar assinaturas para validar sua candidatura, enquanto Mcdougall está sempre cercado de pessoas, Otero é atacado por sua cor, e apesar de Feinstein falar que conquistou tudo com “trabalho duro”, é impossível deixar de reparar na sua casa grande e quarto recheado de bonecos.

Logo após dizer a frase que abre o texto, Otero afirma o seguinte “acredito que todo mundo deveria participar disso”, e após assistir ao documentário, é difícil discordar. Por mais plurais que as pessoas sejam, o jogo político segue o mesmo, e Boys State oferece justamente uma versão pouco idealista disso, mostrando que, pouco importa suas visões nesse cenário, alguma concessão terá que ser feita. Ao não se deixar levar pelo partidarismo fácil, o documentário apresenta uma visão muito sóbria da democracia americana.

Boys State (Estados Unidos, 12 de Agosto de 2020)
Direção: Amanda McBaine, Jesse Moss
Elenco: Steven Garza, Robert MacDougall, Jack White, Ben Feinstein, René Otero
Duração: 110 min.

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