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Crítica | Brancaleone nas Cruzadas

por Iann Jeliel
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O grande charme de O Incrível Exército de Brancaleone estava no seu tom descompromissado, nem parecia ser construída como uma comédia de tão natural que o riso era extraído das inúmeras situações físicas em que seu excêntrico personagem se encontrava, em meio ao grande passeio pelas terras do medievo. Sua continuação Brancaleone nas Cruzadas não traz exatamente a mesma abordagem, ainda que se classifique no mesmo e típico humor físico situacional aleatório, existe uma clareza maior, uma aura cômica mais intencional – que se aproxima ainda mais do humor de Monty Python – onde as encenações parecem mais preparadas para fazer a graça, algo que não é necessariamente ruim, mas certamente mais perigoso diante da zona mórbida de subjetividade do humor, diretamente relacionado a como reagimos diante de uma quebra de expectativa. Quando se enxerga uma pretensão, fica mais periódico desvendar as intenções da piada, e acaba que ela não tem graça por anteciparmos o seu movimento. Claro, isso vai muito de acordo a sensibilidade de qualquer um.

Ao assistir aos filmes da duologia em sequência, por exemplo, é bem provável no fator surpresa que o segundo não seja mais tão engraçado, e não é nem pela sua má vontade, e sim pelo fato de que o repertório adquirido ao ver o anterior já nos coloca numa posição de costume e legibilidade da proposta geral, uma vez que ela não muda entre os dois filmes. Por isso, fazer continuações de comédia é tão difícil, pois também não se pode abandonar a cartilha que criou a identidade do primeiro, é necessário ajustar tudo num devido equilíbrio para justificar a existência da continuidade sem depender dos méritos anteriores ou deixá-los engolir os próprios méritos. Ainda bem que Mario Monicelli é um diretor extremamente seguro e dominante no gênero para contornar essa dificuldade e torná-la quase inexistente.

Ele sabe vender a nova roupagem assumidamente mais estilizada, grandiosa e óbvia dentro da linha tênue do descompromisso prometida pelo anti-herói improvável, que circula por aventuras descartáveis que não dizem nada e ao mesmo tempo dizem tudo sobre aquele estudo periódico de uma época conturbada. Ele até assume mais explicitamente isso para combinar com a nova abordagem mais direta da comédia, se no primeiro existe um estabelecimento de caminho de A até B – que durante o filme vai sendo modificado de modo aleatório –, aqui esse caminho é a própria aleatoriedade que se coloca realmente como passeio, os letreiros identificam os próximos cenários, e cada cenário chama a atenção pela subtrama individual, e não pela sua influência ao próximo passo da aventura.

O estranho é que mesmo sem esse direcionamento tão específico, os entornos do road movie parecem ainda mais épicos, cafonas e sujos, apesar do maior orçamento. Esse que só ajuda a gratificar todas as cenas de ação, batalhas, destruição de cenários feitas na marra, nos efeitos práticos, muitas delas extremamente sofisticadas de serem realizadas à época, e a execução era primorosa para manter o nível de realismo, sem que retirasse o aspecto tosco que fazia a piada física. Embora esse aspecto não esteja tão presente quanto deveria, até pela maior ousadia envolvendo as sequências e maior objetividade na comédia, não existe mais tanto espaço para trabalhar o fabuloso humor de contrastes do primeiro filme, uma tipificação que acaba fazendo falta em certos momentos insossos ou repetitivos da narrativa.

São poucos, mas existem. Como dito, isso não é nem tanto culpa do filme por si só, mas do costume tão bem impregnado por ele e seu antecessor na identificação da funcionalidade de seu universo, que até poderia ter sido explorado mais em outra sequência. Afinal, não existe limite criativo para a infinitude de personagens malucos que o Brancaleone encontra e junta em sua tropa em cada filme. Por mais que esses personagens secundários continuem sendo mais a piada de arquétipo, pensando simbolicamente, eles funcionam demais, especialmente nesse para compor com o protagonista uma rítmica rimada de diálogos ao som dos temas musicais, garantindo ainda aquele ar descompromissado, mesmo que em outro sentido em vez do naturalista.

Tanto que nem há um arsenal tão vasto de material crítico sobre os costumes geográficos, a brincadeira parece ser levada bem mais a conceitos mitológicos do que necessariamente questionamentos engraçados sobre a sociedade da idade média. Não faz tanta falta pela intenção de exageros, Brancaleone enfrenta até a morte para se firmar como um dos grandes personagens do cinema italiano. E consegue, através de uma grandiosa miscigenação de acompanhantes, tornar-se filmicamente um nobre improvável.

Brancaleone nas Cruzadas (Brancaleone Alle Crociate / Itália, 1970)
Direção:
Mario Monicelli
Roteiro:
Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Mario Monicelli
Elenco:
Vittorio Gassman, Adolfo Celi, Sandro Dori, Beba Loncar, Gigi Proietti, Gianrico Tedeschi, Lino Toffolo, Paolo Villaggio, Renzo Marignano, Augusto Mastrantoni.
Duração:
119 minutos

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