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Crítica | Branco Sai, Preto Fica

por Luiz Santiago
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Ceilândia, periferia de Brasília, 1986. Um baile popular é interrompido pela ação violenta de policiais. A frase que dá título ao filme é dita por um dos fardados e o trato que este indivíduo e seus colegas deram aos pretos do baile deixou um homem na cadeira de rodas e outro com a perna amputada.

Ceilândia, periferia de Brasília, 2014. Com base no evento anteriormente narrado, o diretor Adirley Queirós, juntamente com o Coletivo de Cinema de Ceilândia (CEICINE), produziu, escreveu e dirigiu Branco Sai, Preto Fica, um filme cuja intenção principal é colocar em cena uma das faces do preconceito no Brasil (embora o recorte do diretor seja mais humilde, atentando de fato para Ceilândia e região), fazendo isso através de tendências pop de algo parecido com um musical; de elementos caros à ficção científica e de um plano de fundo que lembra um documentário. A mescla de gêneros não é bem feita e o filme, que começa muito bem, vai padecendo aos poucos, carente de foco narrativo.

O roteiro, marcado por reflexões sociológicas e políticas a respeito do controle do Estado, da mídia e principalmente das forças repressoras — polícia, Exército — ao invés de tornar maduro o ponto positivo com o qual se inicia, deslancha a querer abraçar o mundo, ora dando um espaço incompreensível ao musical-bomba (a sequência da Dança do Jumento é o fundo do poço), ora manipulado a viagem no tempo a favor de uma motivação anticlimática.

A primeira parte do longa, no entanto, não indica esse desfecho frouxo. Dentro de uma proposta que podemos tranquilamente chamar de experimental — embora medíocre, a fita tem todos os méritos de criatividade para a abordagem dos seus temas –, Adirley Queirós constrói memórias. E isso é muito bem feito. A reflexão sobre o passado (o “presente”, nesse caso, é o ano de 2073) se alia à manipulação de fotografias, ao uso do som em favor do drama e à boa exploração dos não-atores. Com planos fixos e limitada movimentação interna, ao menos nessa primeira parte o cineasta logra nos passar a imagem de um abismo de prisões. Partindo da prisão externa, a maior, empreendida pelo Estado, vemos a amostragem diminuir até chegar à prisão do corpo, imposta a dois homens pela violência dos oficiais do Estado. O ciclo se fecha simbolicamente muito bem.

O problema é o que vem depois que esses padrões, intenções e condições nos são apresentados: um interminável desfile de frases, lembranças e mudança parcial de formato que quase nada acrescentam ao enredo. Talvez o tratamento mais documental tenha sido uma vitória para os produtores, que arvoraram Branco Sai, Preto Fica como um  documentário em ocasiões convenientes, quando na verdade temos apenas uma aparência documental, posto que tudo ali é encenado. E a discussão semi-godardeana-markeriana para “o que é real? O que é ficção?” jamais caberia aqui porque esta não é, nem de longe, uma das propostas do filme.

O desenho de produção, a mixagem de som e a exploração do silêncio na obra são notáveis. Há muita coisa boa em Branco Sai, Preto Fica, mas o filme não é essa maravilha toda que afirmaram os inúmeros Festivais que o premiaram e também a sua equipe técnica e atores. Não há “tênue fronteira” entre gêneros que justifique esse bairrismo laureado em que o filme foi imerso. Trata-se, é verdade, de um curioso exercício de cinema, isso dá para discutir. Mas ele não chega nem perto de ultrapassar a linha média de qualidade dentro daquilo que se propôs vender.

Branco Sai, Preto Fica (Brasil, 2014)
Direção: Adirley Queirós
Roteiro: Adirley Queirós
Elenco: Marquim do Tropa, Dilmar Durães, Gleide Firmino, Dj Jamaika, Shockito
Duração: 90 min.

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