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Crítica | Broadway Danny Rose

por Luiz Santiago
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Um filme sobre um produtor artístico que por um infortúnio é perseguido por um grupo de mafiosos era definitivamente algo que Woody Allen faria e que faltava, até então, em sua filmografia, principalmente porque esse lado dos bastidores da vida de um artista ainda não tinha sido abordado com tanto destaque pelo diretor e só voltaria a ter tanta força em um filme seu exatamente uma década depois, em Tiros na Broadway (1994).

De certa forma, Broadway Danny Rose é uma homenagem do diretor a seus colegas de trabalho, aos produtores, agentes artísticos e aos artistas, com destaque para os mais “B” ou renegados possível. Toda a dificuldade de encontrar um lugar ao sol no meio de cartas marcadas em teatros, cinemas, casas de show e toda a horda de pessoas com talentos incomuns (ou divas iludidas que estranhamente recebem boa recepção pelo que fazem mas são definitivamente muito ruins naquilo) estão figuradas neste longa, mostradas a partir de suas tentativas de realizar um bom espetáculo e pela luta de seu agente, Danny Rose (Woody Allen, deslocado mas ainda assim divertido no papel) em lhes conseguir algum trabalho.

Talvez o elemento que realmente incomode nessa comédia de bastidores é o seu ponto de partida. Se o roteiro de Allen funciona bem na construção da história de Danny, na apresentação e desenvolvimento de Tina Vitale (Mia Farrow, em uma interpretação admirável) e do principal astro gerenciado por Danny, Lou Canova (o desenterrado cantor Nick Apollo Forte), ele perde pontos na apresentação extremamente didática e nada imaginativa que levará à trama principal, com um grupo de artistas e produtores bebendo e conversando sobre os “velhos tempos”, sobre como o cotidiano dos artistas vem mudando ao longo dos anos. Dessa confraternização é que surge pela primeira vez o nome de Danny Rose, alguém admirado por todos e aparentemente uma fonte inesgotável de boas e improváveis histórias e piadas.

Depois que o grande flashback se estabelece e Danny de fato assume as rédeas da narrativa, o texto flui sem problemas e a comédia ou as reflexões indiretas sobre o trabalho na Broadway ganham espaço. Mesmo as cenas de ligação entre blocos diferentes da vida de Danny e sua aventura contra os mafiosos; ou os altos e baixos de suas finanças e relação com Lou Canova se justificam com a reflexão do narrador indireto, um guia que conta uma história com uma série de sentimentos envolvidos, não apenas loucura e comédia, como seus interlocutores esperavam, o que não deixa de ser uma cutucada do diretor no público, sempre cobrando por um tipo fixo de narrativa quando na verdade é possível ter várias delas dentro de uma mesma história, como na vida.

Consta que Woody Allen temeu que Mia Farrow não convencesse o público de que era italiana ou que de fato encarnava uma mulher agressiva e amarga, marcada pelo desapego e indiferença em relação aos outros. A saída para isto foi que ela precisou usar óculos escuros durante quase todo o filme (o momento em que ela tira os óculos é justamente um momento de vulnerabilidade). Juntamente com um penteado de vintage socialite e um figurino que de fato mostra despreocupação, a figuração de Farrow acaba sendo a melhor de todo o filme, assim como sua personagem, que passa por várias camadas de emoções e tem um desfecho bem colocado, sem total abertura para o romance inconsequente e sem o desamor e rancor que com os quais se apresentou para nós no início da obra.

Com uma trilha sonora marcada por canções compostas ou apenas interpretadas por Nick Apollo Forte (Agita, My Bambina, All of You e You’re Nobody Till Somebody Loves You) e uma composição estética e cênica — na fotografia, direção e montagem — que lembram bastante dois filmes do início da carreira de Stanley Kubrick, A Morte Passou por Perto (1955) e O Grande Golpe (1956), Broadway Danny Rose não deixa de ser uma sombra documental de Zelig, pelo conceito de “história de uma vida” (e Allen realmente gosta desse tipo de abordagem, vide os futuros Maridos e Esposas, Poucas e Boas e Desconstruindo Harry) e não deixa de mostrar mais um passo de crescimento de Woody Allen como diretor, ao mesmo tempo que traz um desgaste de sua escalação como personagem em seus próprios filmes, algo que ele percebeu e com o que tomaria mais cuidado a partir de seu longa seguinte, A Rosa Púrpura do Cairo (1985), resolvendo colocar-se em cena apenas quando houvesse um personagem realmente cabível a ele. A maturidade, afinal, não vinha apenas com o refinamento da direção, mas também com um crescimento ainda maior de sua autocrítica.

Broadway Danny Rose (EUA, 1984)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, Nick Apollo Forte, Sandy Baron, Corbett Monica, Jackie Gayle, Morty Gunty, Will Jordan, Howard Storm, Jack Rollins, Milton Berle, Craig Vandenburgh, Herb Reynolds, Paul Greco, Frank Renzulli
Duração: 84 min.

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