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Crítica | Bronx (2020)

por Ritter Fan
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O francês Olivier Marchal ainda era policial quando começou a frequentar um curso de atuação, conseguindo abrir caminho como ator primeiro na TV, depois no cinema e, a partir daí, desenvolvendo-se como roteirista, diretor e até mesmo produtor, em uma carreira de razoável destaque em seu país. Seu sexto filme cinematográfico que, porém, foi lançado direto no streaming, é Bronx, obra sobre os meandros corruptos de sua profissão original, a polícia, que foca em uma equipe de detetives comandada por Richard Vronski (Lannick Gautry) em meio à máfia da cidade mediterrânea de Marselha.

Na verdade, não sei muito bem se “focar” é o verbo correto para ser usado aqui, pois Marchal, que também escreveu o roteiro, não consegue fazer isso de verdade, ou seja, manter sua história centrada e fluindo com lógica e desenvolvimento de personagens. Vronski e todos os demais personagens são absolutamente genéricos, rasos e fungíveis, sem que a narrativa dê oportunidade ao espectador de conectar-se com qualquer um deles. São arquétipos de policiais – alguns com métodos pouco ortodoxos, para usar eufemismo, outros 100% corruptos – que lutam de seu jeito contra as gangues locais que, por seu turno, também estão em guerra. E o mesmo acontece com o lado dos membros das famílias mafiosas, ou seja, todos são completamente genéricos, até mesmo Claudia Cardinale que ganha destaque nos créditos, mas que, na verdade, só tem uma ponta de segundos. E isso acontece mesmo depois que, no preâmbulo, o roteiro ensaia uma conexão mais pessoal entre Vronski e o chefão condenado de uma das famílias e mesmo considerando a participação de Jean Reno no elenco (tecnicamente em outra ponta, mas esta pelo menos relevante e razoavelmente constante).

E, como se não ligar para os personagens não bastasse, a história em tese simples de guerra de gangues ganha contornos inexplicavelmente complexos. Aliás, minto. Complexos não, pois esse adjetivo dá a entender que há substância na narrativa. O mais correto seria dizer “confusos” mesmo. O roteiro é um interminável vai-e-vem de situações que intercalam até boas sequências de ação com tentativas de se criar dramas pessoais aos policiais que, com a montagem completamente equivocada, torna-se uma verdadeira mixórdia ininteligível que só amplifica a sensação de que ninguém ali realmente importa e de que não há estofo para sustentar as quase duas horas de projeção.

Quando há um ensaio maior para exatamente criar esse estofo, a história atropela tudo e, por exemplo, absolutamente do nada transforma um dos policiais da equipe de Vronski em um homem depressivo e autodestrutivo que tem um fim – que é o começo do longa, aliás – completamente desconectado com sua construção. Marchal parece confundir o que se passa em sua cabeça sobre os personagens com o que ele acha que conseguiu colocar no papel, criando um abismo de desenvolvimento que nunca é nem de longe sanado, o que só amplifica aquela sensação de que nada faz mesmo muito sentido para além das pinceladas amplas de uma história básica e óbvia.

E não é que os valores de produção sejam terríveis. Na verdade, por eles serem bons é que tudo fica ainda mais frustrante. Há cuidado grande com os cenários, valendo especial destaque para a delegacia que mais parece um armazém antigo, todo escurecido e refletindo em suas paredes descascadas a moralidade daqueles que ali transitam. Os figurinos são também muito bons, realistas, além da fotografia em locação que empresta verossimilhança às sequências de ação. Até mesmo a fotografia de Denis Rouden é bem trabalhada, inclusive a difícil sequência de tiroteio noturno em uma enseada, com a trilha sonora de Erwann Kermorvant estabelecendo a atmosfera necessária para toda essa podridão moral que desfila diante da câmera. O elenco em si é homogeneamente fraco, com Gautry sendo tão (in)expressivo quanto seus demais colegas, mas isso seria até perdoável se toda a qualidade técnica tivesse sido empregada em uma história engajadora, que não parecesse uma colcha de retalhos de situações batidas e clichês e sem um mínimo de concatenamento.

Bronx é como vinho de caixa de papelão servido em uma garrafa de Romanée-Conti: parece bonito e caro, mas não só não desce bem, como dá dor de cabeça no dia seguinte. Olivier Marchal deveria ter sido muito mais cuidadoso ao voltar a lidar com assunto em que, em tese, ele é especialista, evitando as armadilhas óbvias de um gênero desgastado.

Bronx (França, 30 de outubro de 2020)
Direção: Olivier Marchal
Roteiro: Olivier Marchal
Elenco: Lannick Gautry, Stanislas Merhar, Kaaris, David Belle, Patrick Catalifo, Jean Reno, Moussa Maaskri, Claudia Cardinale, Catherine Marchal, Francis Renaud, Erika Sainte, Ambre Pietri, Jeanne Bournaud, Barbara Opsomer, Gérard Lanvin, Eriq Ebouaney
Duração: 116 min.

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