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Crítica | Brumas de Outono

Poema cinematográfico de alto nível.

por Luiz Santiago
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Dimitri Kirsanoff nasceu na Estônia, em 1889, e emigrou para Paris em 1923, onde se dedicou aos estudos musicais na Ecole Normale de Musique. Sua primeira experiência no cinema se deu no mesmo ano de sua chegada à capital francesa. Brumas de Outono (1929) marca o fim da primeira fase da carreira de Kirsanoff, que a partir de então produziria filmes mais comerciais, obras bem distintas das que dirigira sob o movimento avant-garde. É importante lembrarmos que Brumas de Outono é obra de um músico-cineasta, que, como tal, irá orquestrar as sequências com equilíbrio visualmente poético — antes mesmo do título há a inscrição que define o curta: um Poema Cinematográfico.

A linguagem poética foi um elemento essencial para os grandes realizadores do cinema avant-garde, que sempre procuraram enxergar o cinema também como uma realização lírica. Essa fusão entre palavra e imagem e a capacidade de síntese da poesia, entraram para o cinema via vanguardas e perduraram até o cinema contemporâneo. A essas tendências cênicas, imagético–formais e conteudistas, Kirsanoff ainda acrescentaria a forte ligação do cinema da Europa Oriental com a natureza; a fusão e relação do homem com os elementos naturais. Foi com todos esses ingredientes que o cineasta realizou Brumas de Outono.

O curta narra a história de uma moça que é abandonada pelo seu amor e passa a definhar, ante todas as cartas e lembranças que conserva dele. A escolha do outono, nesse sentido, foi para intensificar a desolação da personagem: ao passo que a paisagem se acinzenta e umedece, as folhas caem e a neblina não cessa, a protagonista mergulha cada vez mais em seu desalento. O cineasta faz um eficiente contraponto entre os “dois mundos”: o frio exterior da casa e o seu interior aquecido pela lareira — o único elemento de felicidade que ainda resta à personagem, dando-lhe calor em meio ao duplo frio que a cerca. Há também um pequeno flashback, onde vemos apenas a mão do amado apertar a mão da protagonista, e depois o vemos descer as escadas e fechar o portão. Para essa e todas as sequências tristes, Kirsanoff estabeleceu um modo de fazer o espectador entender que a personagem está chorando: a câmera fica fora de foco, como se também chorasse.

Na primeira parte do curta, somos apresentados aos dois ambientes (interior exterior da casa) de formas distintas: ao filmar o externo, o diretor usa planos de diversas durações e com muitos ângulos, mas, ao passar para o ambiente interno, há uma total economia de tudo, como se a vida estática se enraizasse também na forma como é mostrada, contaminando-a com sua imobilidade. Já na segunda parte, logo após o flashback, a personagem sai da casa e sua interação com o ambiente é total: a câmera foca seus pés por entre folhas caídas e pelas pedras, seu corpo encostado em uma árvore, suas pernas em movimento ao lado do rio.

Não sabemos de fato qual é o “destino” da personagem. Se o outono simboliza o seu estado de espírito, logo concluímos que um período pior se aproxima: o inverno. Se as brumas simbolizam um estado indefinido, onde não se consegue divisar nada, concluímos que o estado de dúvida durará um pouco mais, antes de dissipar-se. Se o rio, mostrado desde o início do filme, simboliza a corrente da vida e da morte, a renovação, a mudança perpétua (Heráclito), podemos afirmar que esse momento desolador também irá passar, mas o estado futuro da triste jovem, é impossível definir.

Kirsanoff faz um aplaudível poema cinematográfico sobre o sofrimento e a passagem do tempo e das coisas em um curta-metragem experimental que em nada fica devendo às propostas vanguardistas do período em que foi realizado. Uma obra sensível e esteticamente belíssima, um dos melhores filmes-poema que eu já vi.

Brumas de Outono (Brumes d’automne, França, 1929)
Direção: Dimitri Kirsanoff
Roteiro: Dimitri Kirsanoff
Elenco: Nadia Sibirskaia
Duração: 15 min.

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