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Crítica | Buena Vista Social Club

Wim Wenders canoniza o Buena Vista.

por Fernando JG
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Ah, Buena Vista Social Club…” suspira Ibrahim Ferrer no começo do documentário, num aceno saudoso, mas profundamente afetuoso. Parece-me que a película adota esse tom de louvor e saudade ao longo de todo o filme e ganha por trazer emoção mas sobretudo por eternizar na memória coletiva esse acontecimento que é o Buena Vista Social Club para a música cubana. Não é só música, mas a história e a tradição que está escondida por trás do som que comove. O que fazem Wim Wenders e Ry Cooder é, ao recuperar um cânone que havia caído no ostracismo, colocá-lo em evidência não apenas regional, mas em nível mundial, afinal, algo que poderia soar local ultrapassa todas as barreiras do regionalismo e chega às grandes premiações do cinema com merecidos aplausos. 

Artistas da música de vanguarda cubana perdiam prestígio e muitos nomes importantes estavam em esquecimento, ainda que suas letras ressoassem nos cantares geral da população. Ry Cooder viaja a Havana numa tentativa de reunir os grandes nomes ainda vivos e lançar um álbum em parceria conjunta com todos eles. O álbum, “Buena Vista Social Club”, em referência a uma grande discoteca local, ganhou um Grammy em 1998 e em seguida sai o documentário, em 1999, dirigido por Wim Wenders, que havia sido cooptado por Cooder para fazer as filmagens que acabaram se tornando num filme. Esse tipo de produção não era novidade para Wenders, uma vez que já havia feito coisa parecida quando utilizou das imagens de Tão Perto, Tão Longe como material para produzir o clipe do U2

Com sua câmera na mão e com uma invisibilidade necessária, W.W passeia pela cidade de Havana como um estrangeiro. É um documentário de ordem absolutamente impessoal e não distinguimos quem está por trás das lentes. O foco não é, de modo algum, fazer se sobressair a marca distintiva da autoria wenderiana, mas colocar em jogo a cultura e fazer justiça aos esquecidos. Devido a isso, a câmera capta sempre mais do que seu objeto documental, vai sempre além da atmosfera que gira ao redor do Buena Vista. 

Em relação a tudo o que há ao redor, é bonito de ver as imagens de Havana, as crianças na rua, a população nas portas das casas conversando, os Fuscas coloridos, as Brasílias amarelas, entre outros aspectos que saltam aos olhos um tom cerrado de nostalgia e saudosismo. Cuba tem uma imagem estética muito potente e que combina demais com o estilo cinematográfico do cineasta alemão, que com ferocidade e minimalismo não deixa escapar a beleza do país.

O tempo de tela de cada personagem também é dividido com exatidão. Do primeiro ao último, o tempo para desenvolver cada história é dado de maneira plena, conferindo força dramática ao documentário. Entre uma história e outra há alguns cortes para a introdução da fala de um ou outro personagem que precisa de mais tempo de tela, o que enriquece o material fílmico. Não são histórias à toa, mas histórias de uma tradição de pelo menos 3 gerações de artistas talentosos que criaram o folclore musical do país e o filme emociona porque Wim Wenders mobiliza e traz o melhor de cada um, não só em termos musicais, mas em termos pessoais. E o gênero documentário tem sempre muito a ganhar quando dramatiza as histórias e as singularidades de seus entrevistados. 

A passagem do regional para o mundial é muito bem feita e as melhores cenas do filme são os episódios externos, em que o Buena Vista sai de Cuba para ir a Nova York e Amsterdã numa situação em que muitos deles nunca tinham saído da ilha. O enfoque nos rostos emocionados diante do inesperado e acima de tudo felizes pelo reconhecido garantem o entretenimento e, como havia dito, pessoaliza o filme num grau certeiro. A ação documental e o contraste entre o local e o universal faz com que fiquemos felizes ao assisti-los e sorrir junto me parece ser inevitável tal é o efeito que produz a película. Apaixonante, cada take é conduzido por um som autoral que nos introduz num universo muito caro a eles, criando um vínculo íntimo entre nós, que os assistimos, e eles, os personagens da trama real. 

Incrivelmente bonito e impessoal, e nem por isso menos sentimental e afetuoso, Buena Vista Social Club é um esforço vigoroso de construção imagética de um determinado recorte cultural que só pode se dar da maneira que se deu quando se tem muito amor e muita paixão pelo seu objeto, mas sobretudo muito apego pelo cinema como um agente transformador e capaz de colocar luz na escuridão; capaz de levar vida ao que não existia e capaz de recobrar o esquecido. O cineasta alemão e o produtor musical Ry Cooder concluem com sucesso uma missão que converte um cânone mínimo em um cânone máximo.

Buena Vista Social Club (Alemanha, Brasil, Cuba, Espanha, EUA, França, Reino Unido, 1999)
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Wim Wenders
Elenco: Ibrahim Ferrer, Juan de Marcos González, Rubén González, Compay Segundo, Ry Cooder, Joachim Cooder, Manuel “Puntillita” Licea, Orlando “Cachaito” López, Manuel “Guajiro” Mirabal, Eliades Ochoa, Omara Portuondo, Barbarito Torres, Amadito “Tito” Valdés, Pio Leyva
Duração: 110 min.

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