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Crítica | Bunny Lake Desapareceu

O lúdico e o macabro juntos em um thriller cada vez mais dúbio.

por César Barzine
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Foi na primeira metade da década de 1960 que a sétima arte deu vida a mentes perturbadoras que acabaram marcando um ponto de amadurecimento no cinema anglo-saxão, mostrando que os estúdios estavam dispostos a certas subversões e a proporem experiências singulares ao público. Nesta mesma época veio ao mundo Psicose, Paixões Que Alucinam, O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, Lilith, A Tortura do Medo e Bunny Lake Desapareceu; todos esses trabalhos apresentam protagonistas psicologicamente desequilibrados, mas não de maneira pedagógica ou conservadora, e sim de uma forma contemplativa e convidativa ao público, como se estivessem transportando-o para o universo de seus respectivos personagens. No entanto, em Bunny Lake Desapareceu não sabemos ao certo onde se encontra este tal universo, dado que o roteiro lança um mistério enquanto faz questão de sugerir outras anormalidades em seus diversos núcleos, mas só tomamos plena consciência de todas essas questões em um momento avançado da história.

Antes de tudo, Bunny Lake Desapareceu é um suspense e um drama sobre uma mãe em busca de sua filha desaparecida. Ann é uma americana recém-chegada a Inglaterra, e é nesta condição de estrangeira que parte dois dos grandes conflitos do filme. Primeiramente, sua filha (a personagem-título) some em seu primeiro dia de aula; e segundo, por ser nova naquele país, ela tem poucos recursos para recorrer na tentativa de provar a existência de Bunny. Sim, a dúvida na mera existência da garota é o principal ponto de boa parte do longa. Em nenhum momento ela foi apresentada ao público, apenas Ann e seu irmão Stephen afirmam tê-la visto e praticamente não há nenhum indício concreto de que ela realmente exista. 

A partir disso, o roteiro vai lançando no desenvolver do filme certas jogadas que soam estranhas ao espectador e, por isso mesmo, fazem o público questionar os porquês em torno do desaparecimento/existência de Bunny. Entre essas jogadas estão o vizinho esquisito que trabalha na BBC; a funcionária da escola que não se encontra neste local; a aspirante à escritora que fica no sótão da escola ouvindo gravações de crianças; e, principalmente, a própria mãe de Bunny, que, na medida que conhecemos seu passado, torna-se mais crível a ideia da menina nunca ter existido. Ann, além de ter sido uma criança solitária que vivia no campo, possuía como suas grandes companhias seu irmão e… Bunny, um amigo imaginário que os dois tinham. A todo momento, diversos personagens do filme citam várias questões que aludem à infância e suas especialidades, desta forma, o público passa a perceber que o longa é mais sobre adultos meditando acerca de ser uma criança do que adultos em busca de uma criança.

Não é a primeira vez que Otto Preminger cria um ensaio que coloca como principal questão a ausência/inexistência de um personagem, o mesmo já foi feito em Laura, uma obra que, não só compartilha deste mesmo aspecto narrativo, como também expressa um outro brilhante trabalho de mise-en-scène. Em Bunny Lake Desapareceu, o que mais chama atenção é a decupagem, em que Preminger a encaixa perfeitamente no suspense do filme com closes e planos sequências, apresentando passagens que acompanham o andar dos personagens e soam tão belas quanto asfixiantes. Os enquadramentos fechados dão este ar sufocante, enquanto os planos longos deixam tudo mais flexível, abrindo espaço para apresentar a adrenalina que certas situações da história exigem. 

Outra comparação pode ser feita com o também britânico A Tortura do Medo, lançado cinco anos antes de Bunny Lanke Desapareceu e que se aproxima da obra de Preminger graças a sua atmosfera sugestiva que evoca estranheza numa fusão com o lúdico. Porém, o trabalho de Michael Powell o faz ao escancarar essa abordagem em seu forte visual, ao passo que Bunny Lake se move por via de um preto-e-branco suave e opressivo ao mesmo tempo. O suspense da produção é o responsável por lançar seu lado obscuro, mas que vai, paradoxalmente, ganhando um diálogo com o lúdico graças a todos os caracteres do universo infantil que são impressos aqui — e destaque também a trilha sonora, bastante eficiente na criação desse toque imaginativo. Já na virada para o terceiro ato, toda essa síntese é potencializada, e aquilo que era apenas obscuro torna-se algo completamente macabro — beirando ao sobrenatural —, enquanto o lúdico sai do campo sugestivo e passa a ser o mais expositivo possível.

Nem Ann e nem Bunny Lake, o protagonista deste espetáculo todo é Stephen, o já citado irmão de Ann. Este, que vai cada vez mais assumindo um papel maior de importância na trama — a sequência no pub é sensacional — até se tornar a chave para uma série de questionamentos e lacunas do filme. Numa simples cena, em que ele se encontra em uma loja de brinquedos, o longa passa para o terceiro ato, abre um plot twist e até torna-se uma obra de terror. Passa a haver, então, um duelo entre ele e Ann; a razão desse embate também é paradoxal e se encontra justamente no apreço obsessivo que Stephen possui pela irmã — em que o rapaz vira praticamente um Norman Bates incestuoso. Nestes últimos trinta minutos, o insólito domina o filme, levando a uma dinâmica em que suspense, drama, terror e até comédia orquestram uma experiência intensa, sendo também ambígua tanto na estética assumida quanto no arco dos personagens que é finalizado.

Bunny Lake Is Missing (Inglaterra, 1965)
Direção: Otto Preminger
Roteiro: Marryam Modell (livro), John Mortimer, Penelope Mortimer
Elenco: Laurence Olivier, Superintentend Carol Lynley, Keir Dullea, Martita Hunt, Anna Massey, Clive Revill, Lucie Mannheim, Finlay Currie, Percy Herbert, Victor Maddern, David ,Oxley, Noel Coward,  John Sharp, Megs Jenkins
Duração: 107 minutos.

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