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Crítica | Bye Bye Brasil

Em um road movie pouco empolgante, Carlos Diegues não dá conta das questões que ele próprio levante.

por Frederico Franco
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Uma caravana circense viaja por regiões interioranas do Brasil com o único objetivo de levar entretenimento a locais isolados do país: esse é o ponto de partida de Bye Bye Brasil. Uma leitura atenta aos fatos é capaz de relacionar a película de Carlos Diegues ao conceito de road movies – filmes em que a viagem de um ou mais protagonista é o elemento central da narrativa. Os exemplos, inúmeros, podem flertar com outros gêneros cinematográficos, desde filmes de guerra até dramas existenciais. O mais importante, no entanto, é notar como tais filmes acompanham não apenas deslocamentos físicos, voltando suas atenções, também, para trajetórias de desenvolvimento mental ou espiritual de seus protagonistas. De uma maneira torta, Bye Bye Brasil tenta, justamente, explorar dinâmicas internas de seus personagens à medida em que as viagens ao redor do Brasil avançam. A chamada Caravana Rolidei, capitaneada por Lorde Cigano, carrega consigo atrações mágicas e um espetáculo erótico da dançarina Salomé. Em uma cidade no interior do nordeste, um sanfoneiro apaixona-se pela caravana e por Salomé e, junto de sua mulher grávida, passam a integrar a equipe de shows.

Um dos pontos nevrálgicos abordados por Diegues é, além de acompanhar a trajetória mental de seus personagens, apresentar momentos de desenvolvimento do próprio Brasil. Na medida em que a Caravana Rolidei avança em direção às cidades interioranas do país, o diretor faz questão de deixar claro que, inevitavelmente, traços da globalização podem ser notados em territórios que antes viviam alheios às mudanças sociais e culturais dos grandes pólos brasileiros. As novidades que chegam a esse interior explorado em Bye Bye Brasil não são uma surpresa revelada apenas para o espectador: os próprios personagens integrantes da caravana mostram-se atônitos ao realizarem que, de certo modo, suas atrações circenses talvez já não sejam suficientes para o entretenimento do povo. Há uma interessante passagem no filme na qual Lorde Cigano e um morador da cidade na qual a caravana está visitando debatem sobre a chegada do cinema em pontos interioranos; pela primeira vez, o espectador enxerga o Lorde, personagem de José Wilker, frágil, desestimulado, intimidado.

Cabe aqui um parênteses a respeito de Lorde Cigano, o grande acerto de Carlos Diegues em seu filme. José Wilker demonstra, em quase duas horas de filme, completo domínio de tela, sobressaindo sua figura das demais. Desde sua adorável verborragia em seus shows – que lembra ao longe um Waly Salomão nos filmes de Carlos Nader – até sua faceta deslumbrada, Lorde é, na realidade, uma materialização da ideia por trás da caravana. Toda sua pompa e exibicionismo é utilizada como uma maneira de anunciar que seus espetáculos são fios que levam ao povo marginal um pouco de alta cultura. Em um de seus números, por exemplo, Lorde Cigano simula uma pequena nevasca e, logo em seguida, ouvimos que a neve é coisa de país chique. Aqui, vemos que além de ser uma forma de entretenimento, a Caravana Rolidei se propõe a aproximar as cidades interioranas daquilo que se conhece como primeiro mundo. E essa ideia, de certo modo, parece ter seus dias contados com públicos cada vez mais acostumados a terem contato com outras atrações de países chiques, como a televisão e o cinema.

Por mais que Bye Bye Brasil tenha em mãos um universo rico a ser explorado, Carlos Diegues parece não ter sucesso em lidar com aquilo que lhe é apresentado. Fala-se e vê-se muito sobre o desenvolvimento, mas essa questão pouco é provocada ou questionada, dando a entender que, no fim das contas, tudo ocorre de forma pacífica e benéfica para o povo. Para fazer justiça, há, em meio às viagens da caravana, um comentário acerca da construção da Rodovia Transamazônica, quando é dito que, para a construção da obra, vários povos indígenas foram retirados de seus locais de origem, sem terem para onde ir. Essa acepção poderia se aplicar, do mesmo modo, para o declínio vertiginoso do sucesso da Caravana Rolidei, mas Diegues, ao invés de cutucar a ferida, foca suas atenções para dramas internos entre os viajantes: a paixão do Sanfoneiro por Salomé e os dilemas desse com sua mulher grávida. Nesse âmbito, a linguagem do diretor parece pouco efetiva. Seus personagens, por mais que sejam efetivamente afetados pelas questões levantadas acima, não parecem sofrer grandes consequências. Suas jornadas parecem retilíneas e nada alteradas: o Sanfoneiro segue iludido com um futuro com Salomé, Lorde Cigano não perde sua pompa, Salomé continua uma busca por independência, etc. 

No final das contas, Bye Bye Brasil torna-se um filme episódico pouco empolgante. As cidades visitadas pela caravana possuem seus próprios arcos narrativos que nascem tortos e terminam sem grandes conclusões. Por mais que a Caravana Rolidei siga seu caminho e veja de passagem as mudanças sociais do Brasil, seus personagens, por outro lado, não buscam deslocamento. Ou sequer são colocados frente a situações limítrofes. A caravana viaja enquanto sua tripulação para no tempo.

Bye Bye Brasil – Brasil, Argentina, França, 1980
Direção: Carlos Diegues
Roteiro: Leopoldo Serran, Carlos Diegues
Elenco: José Wilker, Betty Faria, Fábio Júnior, Zaira Zambelli, Príncipe Nabor, Emmanuel Cavalcanti, José Márcio Passos, Carlos Kroeber, Jofre Soares
Duração: 110 minutos.

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