Home Diversos Crítica | Cabra das Rocas, de Homero Homem

Crítica | Cabra das Rocas, de Homero Homem

por Luiz Santiago
875 views

Lançado originalmente no ano de 1966, pela Editora Tempo BrasileiroCabra das Rocas ganhou imensa popularidade quando foi inserido pela Editora Ática na Série Vaga-Lume, como o segundo livro da lista, chegando às livrarias com este selo em 1973, logo depois de A Ilha Perdida. Escrito pelo potiguar Homero Homem (que inclusive faz uma colocação de si mesmo na história, como um dos alunos na lista da aprovados no Atheneu Norte-Riograndense), o livro é ambientado na primeira metade do século XX e protagonizado por João Brás Bicudo, garoto de 11 anos residente das Rocas, bairro localizado na Zona Leste de Natal e majoritariamente habitado por famílias de pescadores.

A narrativa pode ser, em pequena medida, “atrapalhada” pelo aspecto de crônica quase isolada que o autor escolheu para construir a aventura. Em cada um dos capítulos ele apresenta ações do cotidiano do protagonista, assim como diversos eventos que ocorrem nas Rocas, das brigas e brincadeiras de crianças à chegada do Circo Fekete, tendo no meio disso tudo desvios breves para que o leitor conheça um pouco mais do passado, das emoções e vida de personagens específicos. Esses pedaços de drama tornam a costura do enredo mais frágil, como se não existisse uma linha clara e sólida de desenvolvimento para o personagem, mas blocos relativamente bem explorados de coisas pontuais que ele viveu.

O desenvolvimento do espaço geográfico aqui é um grande trunfo do autor, a porta de entrada para a exposição dos problemas de classe que são a alma dessa história. Joãozinho é um canguleiro — morador de região miserável, à beira do mangue — que tem o sonho [tido como impossível] de entrar para o tradicional Colégio Atheneu, local onde só os meninos xarias (moradores da Cidade Alta) pareciam ter direito natural a acesso. E junto à percepção pessoal e sentimental do menino em relação a essas coisas, vemos como tem força a deficiente base habitacional, sanitária e financeira que cerca o protagonista. Ele é o primeiro das Rocas a tentar entrar na escola, contrariando o que se esperava, ou seja, que fosse para o mar trabalhar com o pai, formando a terceira geração de marinheiros mal pagos da família.

Homero Homem faz com que o desejo do jovem seja acompanhado pela sua vontade de pertencer, pelo orgulho de suas origens, de seus amigos, familiares e cultura. Num espaço desprezado pelas autoridades e diante de uma quase total impossibilidade de ascensão social, o menino rompeu uma barreira em sua região, e essa atitude é algo que deixa o leitor extremamente feliz na reta final do livro, com todo mundo comemorando, sorrindo, festejando a nova fase na vida de Joãozinho, que também acaba sendo uma nova fase para a região. Um primeiro grande exemplo a ser seguido.

Cabra das Rocas faz um recorte de problemas sociais seríssimos em nosso país (o acesso à educação) e onde encontramos todos os personagens típicos de bairros pequenos, pobres e periféricos: o bêbado conhecido por todos, as fanáticas religiosas, o farmacêutico respeitado, o viajante, aquele que espanca os filhos, os músicos, os velhos contadores de história, as crianças rebeldes… Uma das muitas caras do Brasil refletida num grupo de pessoas que, a despeito das adversidades, se mantém vivo e, na medida do possível, feliz, nem que seja por “um dos seus“, alguém que conseguiu chegar onde mais ninguém daquele meio chegou. Um status social que embora tenha se enxugado bastante nas últimas décadas, ainda pode ser visto em diversos lugares no território do Brasil.

Cabra das Rocas (Brasil, 1966)
Série Vaga-Lume: 
Livro 2
Autor: Homero Homem
Capa: Edmundo Rodrigues, Ary Almeida Normanha
Edição original: Editora Tempo Brasileiro
Edição lida para esta crítica: Editora Ática
100 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais