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Crítica | Dog Soldiers – Cães de Caça

Soldados vs. Lobisomens

por Rafael Lima
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Embora sejam monstros bastante populares no imaginário coletivo, os lobisomens não parecem ser criaturas tão exploradas pelo cinema quanto os seus colegas vampiros, por exemplo. Enquanto os sugadores de sangue parecem ter mais espaço para serem trabalhados pelos mais variados prismas, os lobisomens geralmente estão presos em narrativas de caráter mais dramático, onde devem lidar com a maldição trágica da licantropia, como vemos em clássicos como O Lobisomem (1941) ou Um Lobisomem Americano em Londres (1981). Existem exceções, é claro, e o filme britânico Dog Soldiers- Cães de Caça é justamente uma dessas.

Na trama, meses após ser dispensado das forças especiais, Cooper (Kevin McKidd) junta-se a um pelotão de soldados britânicos liderados pelo sargento Wells (Sean Pertwee), que é enviado para realizar um exercício militar nas montanhas da Escócia; região cercada por lendas e um histórico de desaparecimentos. Mas o que deveria ser apenas um simples exercício de rotina torna-se um pesadelo quando os soldados se veem atacados por uma matilha de lobisomens que vivem na região. Sem entenderem muito bem o que estão enfrentando, o pelotão entra em uma desesperada luta pela sobrevivência.

Escrito e dirigido por Neil Marshall em seu longa-metragem de estreia, Dog Soldiers- Cães de Caça, configura-se como um intenso thriller de terror e ação, que ganha um charme especial por sua montagem criativa (realizada pelo próprio diretor) e por um ótimo uso de efeitos práticos. Ainda que o baixo orçamento do projeto torne-se óbvio em alguns momentos, a equipe de produção compensa as suas limitações com muita criatividade, usando bem os recursos que possui para criar uma experiência visceral e claustrofóbica, mas ainda com certo aspecto trash, e digo isso no melhor sentido da palavra.

Influenciado por clássicos do cinema de terror e ação como A Noite Dos Mortos Vivos (1968); Assalto à 13ª DP (1976), e Evil Dead (1981), Dog Soldiers constrói uma bem vinda atmosfera de tensão e urgência ao situar a maior parte da narrativa em um único cenário; no caso, uma casa de campo cercada por lobisomens sanguinários. Nesse sentido, é interessante o quanto a decupagem e a direção de fotografia são bastante econômicas na exposição que fazem dos licantropos, dando aos monstros uma aura de mistério e ameaça, o que ao mesmo tempo justifica o ceticismo de alguns soldados em relação ao fato de estarem ou não enfrentando lobisomens.

O roteiro de Neil Marshall é bastante simples na forma como estabelece os seus personagens e os seus principais conflitos da narrativa na dinâmica do filme de cerco. O texto trabalha com arquétipos muito bem definidos, como o protagonista habilidoso e com altos valores morais vividos por Kevin McKidd; ou o comandante de coração frio e caráter duvidoso que serve de crítica ao militarismo, interpretado por Liam Cunningham. Não há problema nenhum em se trabalhar com arquétipos, como o próprio Marshall provaria poucos anos depois ao comandar o seu trabalho mais famoso no cinema, Abismo do Medo (2005), desde que esses arquétipos não atrapalhem a naturalidade da construção das relações entre os personagens

Porém, em Dog Soldiers, nem sempre o desenvolvimento de personagens e a ação são muito bem articulados pelo roteiro, fazendo com que algumas das relações apresentadas pelo texto soem um pouco mal construídas. Essa fraqueza na construção da relação entre os personagens na dinâmica da ação também acaba por enfraquecer algumas das reviravoltas, que não só perdem força dramática, como soam pouco coerentes. Por outro lado, é bastante interessante como o roteiro de Marshall reconhece de forma inteligente o aspecto absurdo de sua premissa em colocar soldados brigando com lobisomens, conseguindo tirar sarro de si mesmo, sem com isso renunciar à tensão da narrativa.

Mas na direção onde Marshall se destaca. O cineasta é eficiente na condução das sequências de ação, valendo-se de uma decupagem que valoriza a brutalidade dos combates, ao mesmo tempo em que mantém os monstros ocultos a maior parte do tempo. É preciso elogiar também o trabalho de montagem, que cria passagens de ação dinâmicas e frenéticas, sem com isso deixar o espectador perdido sobre o que se desenrola na cena. Também merece destaque o trabalho de maquiagem de Bob Keen, que tem no currículo filmes como Hellraiser (1987) e O Mistério de Candyman (1992). Os lobisomens que Keen e sua equipe carregam uma veia bastante artesanal, e ao mesmo tempo muito selvagem, de modo a parecerem mesmo pessoas vestindo cabeças de lobo. É uma escolha estética curiosa, pois facilmente poderia gerar um visual artificial, mas o resultado é o oposto, abandonando a plasticidade em prol da visceralidade.

O longa-metragem de Neil Marshall é visivelmente um trabalho de paixão de um cineasta em começo de carreira, que mistura diversas referências dos filmes que influenciaram a sua linguagem para criar algo seu. Ainda que a inexperiência do diretor seja percebida aqui e ali, a sua criatividade e habilidade é sentida em um grau muito maior. Deixando um pouco a aura trágica desses monstros de lado para investir em seu lado brutal, enquanto abraça sem medo a sua natureza de filme B, Dog Soldiers- Cães de Caça merece estar entre as referências quando o assunto são filmes de lobisomem.

Dog Soldiers – Cães De Caça (Dog Soldiers)- Reino Unido. 2002
Direção: Neil Marshall
Roteiro: Neil Marshall
Elenco: Kevin McKidd, Sean Pertwee, Liam Cunningham, Emma Cleasby, Thomas Lockyer, Darren Morfitt, Chris Robinson, Leslie Simpson, Tina Landini, Craig Conway
Duração: 105 Minutos

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