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Crítica | Caixa de Pássaros, de Josh Malerman

por Ritter Fan
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Caixa de Pássaros é um livro que pode surpreender, pelo menos foi o que aconteceu comigo. Afinal de contas, ele tem absolutamente todos os ingredientes que constam de minha lista pessoal de obras que eu sei que não vou gostar: é baseado exclusivamente em uma premissa “chamariz”, não se preocupa com detalhes, tem uma estrutura pensada para transformar cada capítulo em um cliffhanger do próximo e, muito provavelmente, foi escrito imaginando a venda dos direitos para uma adaptação cinematográfica ou televisiva (o que efetivamente aconteceu). O lado surpreendente da coisa é que, com tudo isso pesando contra, a obra é um deleite do gênero do suspense e terror que é impossível largar ao longo de suas meteóricas 200 e tantas páginas.

Romance de estreia de Josh Malerman, vocalista e guitarrista da banda americana The High Strung, Caixa de Pássaros tem uma premissa curiosa em sua simplicidade: uma mulher e duas crianças de quatro anos têm que remar por um rio até um lugar seguro. Nada de mais até aí, claro, mas a questão é que estamos em um mundo pós-apocalíptico em que a humanidade foi dizimada por algum tipo de entidade desconhecida que enlouquece as pessoas ao ponto de elas cometerem assassinatos e suicídio se ela for avistada, nem que seja por alguns segundos. Em outras palavras, Malorie e as crianças têm que desbravar o rio literalmente às cegas, com vendas nos olhos. Sem dúvida lembra o recente sucesso cinematográfico Um Lugar Silencioso, mas o livro de Malerman antecede o inesperado blockbuster em quatro anos, além de ter um desenvolvimento completamente diferente, ao mesmo tempo mais simples e mais complexo.

Começando direto com a decisão de Malorie de arregimentar as crianças até um bote próximo para entrar no rio, Malerman não oferece muitas explicações, o que já atiça a curiosidade que vai, aos poucos, sendo satisfeita. Seu artifício principal, claro, é o flashback, que retorna a ação para momentos chave no passado da protagonista, no começo do fim da humanidade como a conhecemos. Como a viagem de barco não sustentaria mais do que um conto curto, o autor usa a volta ao passado para preencher as lacunas do que vemos no presente, intercalando capítulos de maneira constante, com um a cada momento temporal, ainda que ele não se prenda a esse ritmo de forma obsessivamente matemática, além de introduzir outros personagens aos poucos para formar a comunidade fechada padrão de obras desse sub-gênero que, claro, é o grande instrumento tensionador da história.

Malerman aproveita bem a premissa e, como a visão é o sentido que não pode ser utilizado constantemente, ele justifica a velocidade vertiginosa da narrativa e o pouco detalhamento da ambientação, já que toda a história é contada exclusivamente a partir do ponto-de-vista de Malorie, mas em terceira pessoa. Com isso e também com o uso de capítulos curtos, o autor imprime um senso claustrofóbico que incomoda o leitor, algo positivo aqui, pois mostra que ele é hábil em nos transportar para a narrativa. E a estratégia é do “bate-e-assopra”, pois a claustrofobia é intensa no presente, com Malorie e as crianças no barco a remo, com os capítulos no passado aliviando a tensão, mas, na medida em que a história progride, cada vez menos até que as duas “pontas” se encontram.

Com isso, Malerman naturalmente estabelece a tensão que certamente forçará o leitor a ler “apenas mais um capítulo” em uma sequência de armadilhas dessa natureza que podem consumir facilmente uma madrugada inteira de leitura ininterrupta. É assim, acredito, que o livro foi meticulosa e inteligentemente pensado pelo autor, como uma leitura rápida, mas muito satisfatória, sem que ele fique inventando coisas demais somente para estender os obstáculos que Malorie precisa enfrentar no passado e no presente. O livro é, diria, do tamanho exato para o objetivo da história.

No entanto, é uma história que vive do quanto o leitor compra sua premissa. Se ela funcionar e se o leitor aceitar literalmente ficar no escuro ao longo da história, Caixa de Pássaros funcionará como uma daquelas leituras que pode muito bem ser usada para relaxar em meio a dois outros livros mais sérios. Para todos os efeitos, Caixa de Pássaros é como aquele arrasa-quarteirão hollywoodiano particularmente bem feito, que o espectador não precisa deixar o cérebro na porta do cinema para evitar que seu Q.I. derreta ao longo da projeção.

Caixa de Pássaros é, como costumo dizer, um livro fast food, mas que, para minha alegria, parece ter sido preparado com carinho e, melhor ainda, com ingredientes bem escolhidos e bem trabalhados que o posiciona acima de grande parte da literatura pop mais recente. É um fast food gourmet, digamos assim.

P.s. A leitura do livro deixou-me extremamente curioso para a vindoura adaptação cinematográfica a ser lançada pela Netflix, já que sendo o filme um meio eminentemente visual e a história muito dependente do que não é visto, creio que a transposição de mídias, para ser bem sucedida, necessitará de um grande esforço narrativo. Veremos!

Caixa de Pássaros (Bird Box, EUA – 2014)
Autor: Josh Malerman
Editora original: Harper Voyager (Reino Unido), Ecco (EUA)
Data original de publicação: 27 de março de 2014 (Reino Unido), 31 de março de 2014 (EUA)
Editora no Brasil: Editora Intrínseca
Tradução para o português: Carolina Selvatici
Data de publicação no Brasil: 26 de janeiro de 2015
Páginas (edição brasileira): 272

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