Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Caminhos Mal Traçados

Crítica | Caminhos Mal Traçados

O cinema como porta de transição do lirismo para o realismo.

por Davi Lima
354 views

A grande qualidade de um dos primeiros trabalhos do diretor e roteirista Francis Ford Coppola é entender o audiovisual como porta de transição do lirismo para o realismo. O filme Caminhos Mal Traçados é um exemplo de experimentação da Nova Hollywood, quando os traumas sociais americanos presentes na imaginação do cinema acadêmico de jovens diretores, uniu o conteúdo e a forma com pontes inegociáveis de instigante narrativa.

Um outro olhar sobre esse longa legitima essa ideia. Durante as gravações do filme, um outro jovem diretor chamado George Lucas gravou um curta metragem intitulado Filmmaker, acompanhando os bastidores mais técnicos da produção audiovisual em busca de inspiração do cineasta Coppola para aprendizados sobre cinema. Misturando os olhares de um espectador e diretor, Lucas reforça o ponto fora da curva que Coppola era, instigando quem assiste o curta a apreciar a obra Caminhos Mal Traçados pela precisão técnica e temática que o diretor tinha, tanto para as pequenas cenas quanto para as grandes cenas dramáticas – um verdadeiro experimento detalhista. Por isso, ao longo do filme de 1969, os termos psicológicos se apresentaram como flashbacks editados com muita intensidade – como Lucas mostra em seu curta -, e as cenas mais teatrais do drama, as grandes cenas, tiveram  os mínimos detalhes que contaram mais histórias.

A história de Natalie (Shirley Knight), a protagonista do filme, pertence a essa dinâmica micro e macro dos espaços pouco comuns da mente feminina e do conceito “Rain People”, que harmoniza com a abordagem cinematográfica abrupta e fluída, como a corrente e a água. Antes de Natalie e seu drama, Coppola conceitua o ritmo e a metáfora da  obra, alinhando a sensação de movimento e transgressões desse movimento – fortalecendo os significados mais trágicos desse  alinhamento. Concretizando esse desenho de construção narrativa, o personagem Killer (James Caan) é a corrente imprevisível da protagonista, que ao longo do seu road movie para oeste americano, descobre  dramas chuvosos de outras pessoas… até descobrir o seu.

Por esta razão a ideia de “Rain People”, que se traduz em pessoas derramando-se em lágrimas e perdendo-se na chuva, presas aos erros que as colocam em forte drama. Killer determina isso no filme, dizendo a Natalie que já conheceu uma pessoa assim, muito bonita – a dica narrativa para o road movie. Assim como outros diálogos do personagem inocente – após um trauma na cabeça jogando futebol na chuva -, esse parece mais um que potencializa o lirismo em meio ao realismo que Coppola desenvolve em sua história no filme. A imaginação metafórica da corrente e da água da chuva, a veemência dos flashbacks que explicitam “Rain People” e o cinema experimental/formal rivalizam positivamente com a história clássica de pessoas em fuga com a chuva – como Natalie, Killer, e posteriormente o policial Gordon (Robert Duvall), acorrentadas a seus erros, ou a outras pessoas.

Essa rivalidade entre conceitos e formas criam a própria água e a corrente ambíguas dos dramas e conflitos dos personagens. Se Natalie ainda não entende seu drama e qual chuva vai levá-la, também não entende qual corrente pode ser boa ou ruim para que seu road movie tome caminhos mais estáveis além da chuva, que a coloca numa corrente de choro mortal. Seu drama inicial do casamento transita entre a dúvida e a certeza, mas sua aventura cria outras correntes que seguem a narrativa do filme para criar uma nuvem lírica, enquanto a chuva realista vai tomando conta da tragédia americana que se desenha como resposta – a boa e famosa brincadeira do storytelling de setup e payoff.

Caminhos Mal Traçados arrepia pelo detalhismo com que o drama feminino busca libertação enquanto se prende à  infelicidade de não saber acreditar nos homens certos nos tempos certos de sua vida. A chuva e a corrente seguem esse conflito no qual  Francis Ford Coppola coloca minúcias familiares, da mesma maneira que George Lucas captou o diretor escrevendo seu roteiro e observando a  própria família Coppola. Da inspiração no mais verossimilhante é necessária  uma metáfora conceitual para nos levar à realidade do casamento na sociedade, unidades familiares trágicas e inocências masculinas de um trauma. Isso com certeza são lágrimas descritas e encontradas pelo diretor na chuva que ele cria em seu filme.

Caminhos Mal Traçados (The Rain People) – EUA, 1969
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Francis Ford Coppola
Elenco: James Caan, Shirley Knight, Robert Duvall, Marya Zimmet, Tom Aldredge, Laura Crews, Andrew Duncan, Margaret Fairchild, Sally Gracie, Alan Manson, Robert Modica
Duração: 101 minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais