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Crítica | Cangaceiros, de José Lins do Rego

Um romance sobre resistência e conflitos políticos no sertão nordestino.

por Leonardo Campos
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Numa declaração sobre o romance, José Lins do Rego deixou o seguinte recado para os seus leitores: “continua a correr em Cangaceiros, o rio e a vida que tem as suas nascentes em meu anterior romance Pedra Bonita”. Continua: “é o sertão dos santos e dos cangaceiros, dos que matam e rezam com a mesma crueza e a mesma humanidade”. Retomada de uma sequência de acontecimentos intensos da história antecessora, em 1938, o escritor publicou o seu primeiro romance do ciclo do cangaço, Pedra Bonita, já mencionado, texto que resultaria logo depois em Cangaceiros, um romance extenso sobre o misticismo messiânico e o flagelo das secas, temáticas abordadas em outros exemplares da geração de 30, também chamada de ciclo regionalista, dentre eles, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz. Aqui, o autor tece uma instigante trajetória de personagens mergulhados na resistência comum ao nordestino da época, situado numa zona de consideráveis conflitos políticos e problemas sociais.

Sendo uma continuação, Cangaceiros retoma um feixe de personagens, alguns com maior foco, outros apenas de passagem, ecos dos fatos apresentados anteriormente. No texto, José Lins do Rego mantém o mesmo estilo excessivamente descritivo, por vezes prolixo na sua narrativa, padrão adotado também em Fogo Morto, Menino de Engenho, Riacho Doce, dentre outros exemplares de sua profícua carreira como escritor. A obra faz parte de uma linhagem de romances que narram os desdobramentos do fenômeno do cangaço, fenômeno que na história da literatura brasileira, encontrou um de seus primeiros passos em O Cabeleira, de Franklin Távora, narrativa que nos conta a vida de José Gomes, o cabeleira do título, homem cujo pai, Joaquim Gomes, foi um bandido muito temido. Pai e filho, associados a outro delinquente, Teodósio, roubam e matam ao estilo dos estereótipos sobre cangaceiros: sem piedade. O mesmo escrito, em Um Casamento no Arrabalde, também pode ser considerado um precursor do cangaço e do misticismo no bojo da literatura, temática que ganha contornos próprios na escrita do romancista José Lins do Rego, um escritor bastante interessado no assunto, tal como os demais representantes do Romance de 30, cada um, obviamente, dentro de seu estilo.

Assim como em Pedra BonitaCangaceiros é dividido em duas partes. A publicação prossegue com a história da família de Bento, logo depois que os beatos são dizimados pelas tropas. Domício, o irmão mais chegado a Bento, já se encontra incorporado ao bando de Aparício, o irmão mais velho. Bentinho toma conta da mãe. Refugiam-se na fazenda do coronel Custódio. A ação do livro desenvolve-se entre a vida de Bento, a sua amizade com os outros moradores, o seu namoro com Alice, a notícia das continuadas aventuras do irmão, as pragas da mãe que enlouquece, juntamente com a esperança de Custódio em ter vingada a morte do filho pelos cangaceiros. O grupo de personagens principais gira na orbita de Bentinho, irmão do cangaceiro Aparício. Temos a sua mencionada mãe, mulher que não conversa nada linear na primeira parte do romance, mergulhada no transtorno psicológica, tamanha dor pela perda do filho Aparício e do irmão Domício, ambos envolvidos no cangaço. Alice permanece como a namoradinha do herói da trama, juntamente com seus pais e Sinhá Aninha, Custódio e Negra Donata.

O núcleo do cangaço, liderado pelo “demoníaco” Aparício é formado por Germano (citado como Corisco durante a narrativa), Bem-te-Vi e Beiço Lascado, um negro que faz parte do bando. A Doida e Cazuza Leutério são personagens citados apenas em flashback, considerados coadjuvantes distantes. Estruturalmente desenvolvido numa narração em 3ª pessoa, Cangaceiros tem como espaço narrativo o território árido e violentamente intempestivo da caatinga, vegetação dominante no sertão nordestino. Em determinados momentos, o escritor José Lins do Rego impregna o desenvolvimento do romance com elementos da linguagem do cinema, haja vista a maneira como tece suas descrições de determinadas cenas, como se o narrador estivesse com uma câmera a registrar milimetricamente o ambiente onde a ação se desdobra.

Depois da leitura do romance, me dediquei ao texto Presença do Nordeste na Literatura, material onde José Lins do Rego aborda com destaque o fenômeno do cangaço, traçando um rápido esboço histórico e buscando uma interpretação deste momento de nossa formação, como se escrevesse um prefácio para os seus romances Pedra BonitaCangaceiros. Trata-se de uma temática abrangente, que pode ser trabalhada ricamente com relações a outras linguagens. São diversas representações em artes plásticas, filmes, histórias em quadrinhos, músicas e pinturas sobre o assunto que nas páginas do romance em questão, ganha contornos pormenorizados. Irradiações do Manifesto Regionalista ganham espaço em cada passagem do livro, um material que é ficção de qualidade, bem como documentação sociológica de um momento histórico preponderante para a nossa compreensão do processo de formação da identidade nacional ao longo do século XX.

Cangaceiros (Brasil, 1938)
Autor: José Lins do Rego
Editora: José Olympo
Páginas: 320

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