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Crítica | Cantoras do Rádio

por Leonardo Campos
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As cantoras do rádio eram artistas de uma geração que tinha no tratamento vocal o caminho ideal para seduzir os seus respectivos públicos. Isso não significa que a elegância estivesse distante dessas figuras que fizeram bonito, artisticamente, na cena da primeira metade do século XX. Hoje, eclipsadas pela cultura da mídia frenética, do videoclipe e das novas maneiras de se consumir arte, tais cantoras perderam espaço, haja vista o interesse das rádios atuais em fornecer cultura para o público jovem, algo que não é novidade em nenhum meio de comunicação que precisou se adaptar às demandas da indústria cultural, capitalista, focada no lucro não apenas como estratégia de enriquecimento, mas também como uma maneira de sobrevivência.

Assim, Cantoras do Rádio faz uma radiografia com fotografias e as vozes de arquivo de nomes como Carmen Miranda, Dalva de Oliveira, Nora Ney, Carmélia Alves, Ellen de Lima, Violeta Cavalcante, Aurora Miranda, Aracy de Almeida, Isaura Garcia, Linda Batista, Dircinha Batista e Elizeth Cardoso, entrecortados com os depoimentos de quatro delas, ainda atuantes e com um lastro extenso de memória para narrar, com informações valiosas sobre a Era de Ouro do Rádio, a importância da Rádio Nacional para os seus trabalhos, histórias sobre composições famosas, etc. Chico Anysio e Ricardo Cravo Albim, este último, um respeitado pesquisador sobre a MPB, também depõem e analisam a situação destas artistas, esquecidas no contemporâneo.

Dirigido por Gil Baroni, realizador que teve como guia o roteiro que escreveu em parceria com Mônica Rischbieter, Cantoras do Rádio é um documentário com importantes considerações históricas e sociológicas sobre o consumo de cultura no Brasil, em específico no esquema radiofônico, rentável até o processo de massificação mais intensa de outras mídias, tais como o cinema e a televisão. Delineio essa importância temática porque na seara estética, a produção deixa muito a desejar. Não é incômoda, mas poderia ser mais caprichosa, haja vista os picos altíssimos entre as boas imagens e as captações medianas. O roteiro também não organiza adequadamente os depoimentos para alcançar o tom didático que a produção se propõe, afinal, trata-se de um filme, mas também há a preocupação em “informar” e “intervir”.

A intervenção está nas constantes incursões das artistas e de pessoas que viveram a cultura radiofônica, insistentes em levantar tópicos sobre a perda de espaço para mulheres tão talentosas, bem como a falta de busca por uma música contemporânea que seja “essencialmente brasileira”. É uma crítica aberta ao consumo de enlatados estrangeiros, presentes massivamente em nossa cultura, numa espécie de comportamento que abandona os elementos que fazem parte do que se convencionou de cultura brasileira. Neste ponto, os realizadores estão cobertos de razão, no entanto, criticam e esquecem de refletir o processo de globalização que envolve tais demandas. Partindo do pressuposto de que é um documentário que atravessa um considerável período histórico, era preciso trazer tais tópicos para refletir, ou então, tratar apenas do outro lado da produção, isto é, a biografia e as homenagens às cantoras do rádio, numa análise da importância de seus trabalhos para o engrossar do caldo da Música Popular Brasileira.

Dentre tantos tópicos, as depoentes colocam que diante da ausência de suas vozes nas rádios, elas precisam ocupar espaços como o teatro. É uma maneira de garantir a sobrevivência e ter as suas vozes ainda a ecoar para o público que admira este tipo de trabalho, numa era de explosão pop, período em que na maioria dos casos, as performances são mais importantes que a qualidade das composições e contemplação de seus respectivos interpretes. Nesta seara, o documentário é falho ao não esboçar alguma reflexão sobre a possibilidade destas artistas se reinventarem na era das redes sociais e aplicativos. Será que mesmo diante de uma pergunta quase retórica, haja vista o tipo de trabalho e a geração a que elas se destinam, as cantoras do rádio de fato não conseguiriam alcançar sucesso ou visibilidade ao perfurar as camadas que as delimitam nos circuitos tradicionais de transmissão? Era uma questão interessante para debate.

Ademais, Cantoras do Rádio é um documentário que serve como introdução para os interessados no assunto. Peca pela dispersão em sua montagem, com depoimentos muito curtos, abruptamente editados enquanto os entrevistados aparentemente tinham algo a dizer. Salvas as devidas proporções, o que temos é uma alegoria do trabalho científico, pois a produção parece um artigo cheio de potencial e com resultados importantes interessantes para os tópicos reflexivos que empreende, mas falta o uso das regras da ABNT, para tornar as informações bem organizadas no “corpo do texto”. Produzido durante a realização dos espetáculos da turnê Estão Voltando as Flores, de 2005, o documentário de 81 minutos, lançado em 2009, é uma tarefa dedicada no que diz respeito ao processo de interpretação de parte da nossa história radiofônica. Faltou apenas melhoras na revisão e na apresentação dos dados.

Pra Frente, Brasil — (Brasil, 2009)
Direção: Gil Baroni
Roteiro: Gil Baroni, Mônica Rischbieter
Elenco: Carmen Miranda, Dalva de Oliveira, Nora Ney, Carmélia Alves, Ellen de Lima, Violeta Cavalcante, Aurora Miranda, Aracy de Almeida, Isaura Garcia, Linda Batista, Dircinha Batista, Elizeth Cardoso, Chico Anysio, Ricardo Cravo
Duração: 81 min.

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