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Crítica | Capitães de Zaatari

O futebol como meio para libertação.

por Rodrigo Pereira
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Jovens caminhando junto de uma bola.

Quem gosta de futebol e é minimamente envolvido com seu universo já se deparou, em momentos distintos, com a frase “não é só futebol”, principalmente ao se deparar com uma situação que ultrapassa os limites do campo. De tempos em tempos esse esporte nos brinda com momentos tão esplendorosos que a frase ressurge em jornais, revistas, sites, redes sociais e nas conversas cotidianas por todo o planeta, reafirmando seu potencial de transformação social. Capitães de Zaatari se apropria da frase e a transforma em filme.

O documentário é a estreia do egípcio Ali El Arabi na direção e acompanha os jovens Fawzi Qatleesh e Mahmoud Dagher, refugiados sírios que vivem em Zaatari, um dos maiores campos de refugiados da guerra civil síria, em busca do sonho de se tornarem jogadores profissionais de futebol. Ambos se esforçam para serem selecionados por uma renomada academia esportiva que vai ao local realizar testes e levar os melhores para jogar um torneio em Doha, no Catar, onde a vida deles pode mudar para sempre. Desde o início do longa, entretanto, vemos a dura realidade que cerca a dupla de amigos e que dificultará a busca pelo sonho ainda mais do que aparenta. Inclusive, é nos minutos iniciais que a direção estabelece muito bem todo o clima que estará presente ao longo dos mais de 70 minutos da obra. 

A direção começa o filme com belas imagens em câmera lenta de jovens jogando futebol em terreno de chão batido e, na maior parte do tempo, o sol ao fundo, criando uma sensação parecida com a de estar vendo o sonho daqueles garotos. Então, há um corte repentino em que a alegria e o futebol são substituídos pelas grades e semblantes fechados de adultos e crianças em uma fila, onde parecem estar, ao mesmo tempo, esperando por algo e completamente encarcerados, como se nos acordasse do sono e trouxesse à tona a realidade de quem vive naquele lugar. A presença das grades em contraposição aos sonhos e a liberdade daquelas pessoas se mostra presente ao longo de toda projeção, seja no sentido literal ou figurado.

Se vemos as grades que demarcam os limites do campo de refugiados como a barreira física que impede o livre trânsito das pessoas, a falta de uma nacionalidade definida mostra-se como o principal impeditivo dos jovens quando estão no torneio. Conforme relatado por um repórter na coletiva de imprensa, não há uma legislação nem regras oficiais que tratem sobre a contratação de refugiados, o que seria problemático para os clubes de futebol pois não haveria como enquadrá-los como nativos ou estrangeiros (cada país impõe um limite de estrangeiros por clube). Ou seja, por melhor que joguem, se destaquem e venham a ser desejados por todos os clubes do planeta durante a competição, as barreiras legislativas se impõem perante eles tal qual as grades de Zaatari, impedindo que usem seus pés, literal e figurativamente, para correrem atrás de seus sonhos.

A única exigência que fazem, e isso é dito por Mahmoud, é que proporcionem apenas uma oportunidade para os refugiados. É tocante perceber como os dois se dedicam para o futebol porque não é apenas pelo sonho de ser jogador, é o passaporte para fora de Zaatari e a chance de proporcionar uma vida melhor para suas famílias. É um fardo pesado demais e que não deveria ser carregado por ninguém sozinho, muito menos por jovens como eles, mas o fazem mesmo assim. Abrem mão dos estudos, enfrentam a desconfiança da família pela carreira incerta, lutam para não se apaixonar e viverem as experiências da juventude para focar exclusivamente no jogo e agarrar com unhas e dentes essa chance. E, ainda assim, o mundo segue impondo barreiras ao invés de facilitar a inclusão dessas pessoas.

Ao final, Ali El Arabi opta por uma conclusão diferente da que imaginei ao início da obra, mas que casa bem com o todo apresentado. Às vezes, por mais que nos esforcemos, não conseguiremos atingir exatamente o que desejamos, já que muitas decisões fogem do nosso alcance. No entanto, a adaptação é marca inerente do ser humano e sempre é possível fazê-la seja no futebol, nos sonhos e, claro, na vida.

Capitães de Zaatari (Kabatin Alzaetariu) — Egito, Reino Unido, 2021
Direção: Ali El Arabi
Roteiro: Ali El Arabi
Elenco: Fawzi Qatleesh, Mahmoud Dagher
Duração: 73 min.

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