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Crítica | Capitão América: Guerra Civil (Com Spoilers)

por Gabriel Carvalho
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“Comprometa-se onde você puder. Onde você não puder, não se comprometa. Mesmo se todos estiverem lhe dizendo que algo errado está certo. Mesmo que o mundo inteiro lhe diga para se mover, é seu dever plantar-se como uma árvore, olhar para eles nos olhos e dizer, ‘Não, vocês que movam’.”

  • Acessem, aqui, nosso índice do Universo Cinematográfico Marvel.

O super-herói é, em sua concepção, um idealismo. Em primeiro lugar, não existiria qualquer Super-Homem no nosso mundo se Jerry Siegel e Joe Shuster não tivessem o criado, décadas e décadas atrás, na pura despretensão de conceber aquele que seria o ícone – ficcional – da bondade “humana”. Agora, super-heróis existem, não como uma realidade palpável, mas como uma utopia de que grandes seres, com poderes inimagináveis e morais inabaláveis, se existissem, poderiam trazer a paz para a Terra. Para contrapor essas criaturas divinas, organizações criminosas mundanas nunca foram a escolha primeira, mas exceções da regra do duelo de heróis superiores contra vilões superiores, capazes de destruir mundos, derrubar países e demolir prédios, assim como os mocinhos teriam a capacidade de restaurar, construir e reerguer o que quer que fosse abatido nessas ocasiões de proporções estratosféricas. Mas como o super-herói lida com o seu dever, o chamado de salvar a todos, quando a sua realidade está fortemente atrelada com a contemporaneidade, seja em termos políticos ou sociais? Com obstáculos criados por governos, instituições e organizações que, assim como não conseguiram alcançar um mundo ideal, querem colocar sobre os seus parâmetros aqueles mais capazes de criá-lo. Uma guerra civil, fomentada pelo texto de Mark Millar, surgiu nos quadrinhos da Marvel Comics, antagonizando os heróis dentro desse escopo, colocando-os para fora de suas bolhas utópicas de que, mesmo errando, podem um dia salvar a todos. Alguém tem que pagar as contas, arcar com os prejuízos, responder pelas invasões de fronteiras, mesmo que estas sejam imaginárias, erguidas por homens e verdadeiras apenas na cabeça destes.

Dentro do Universo Cinematográfico da Marvel, o Capitão América é definitivamente esse herói idealista – um Super-Homem com poderes que vão além de super-força, sopro congelante ou voo. Steve Rogers, interpretado por Chris Evans, é um homem movido por princípios que – se outrora se afirmaram, em uma ingenuidade cabível dentro desse outro tempo, ao lado dos Estados Unidos, contra os maléficos nazistas – em Capitão América: Soldado Invernal são colocados frente a frente às intenções da S.H.I.E.L.D, também conhecida como Hidra na época, as quais, em Os Vingadores, já provaram ser extremamente questionáveis – assim como qualquer relação política entre nações nos dias de hoje. Em um mundo além do bem e do mal, com apenas interpretações distintas, há de ser possível olhar os heróis como os próprios vilões das histórias em quadrinhos. A busca por um culpado para as nossas dores é real, assim como a histeria que surge de comoções como a Batalha de Nova Iorque, a Destruição de Sokovia e até mesmo a explosão em Lagos, sequência que abre Guerra Civil, último filme da trilogia do Capitão América, a destroçar qualquer esperança de Steve Rogers nos ícones que estampam o seu manto. A adaptação, livremente baseada na história de Mark Miller, encaixa-se perfeitamente dentro da evolução dos personagens deste universo cinematográfico. As controvérsias sobre se os heróis devem ou não servir a uma instituição maior existem. Todavia, os Irmãos Russo não estão interessados em criar apenas uma contextualização e consequente debate sobre moral, dever e justiça, mas desenvolver, acima de tudo, um duelo entre personagens distintos – brilhante, complexo e impactante.

As diferenças de uma história para outra são inegáveis. A guerra civil dos cinemas tem uma escala muito menor, mas trata-se de um trabalho ideológico e humano muito mais detalhado, mesmo que imperfeito. Enquanto o Capitão América permanece firme em sua posição, contrária a uma mudança que o tornaria, mais uma vez, um soldado a responder as ordens de outros, como era em Primeiro Vingador e decidiu não mais ser em Soldado Invernal -tornando-se, portanto, uma figura independente dentro de uma equipe existente por si só – o Homem de Ferro se vê abalado diante de um encontro casual com a mãe de um garoto morto em Sokovia, enxergando-se a favor de um acordo que colocaria os Vingadores como parte da Organização das Nações Unidas, distante da possibilidade deles serem os heróis que as pessoas merecem, mas os heróis que as pessoas “precisam” – um precisar completamente subjetivo. O roteiro de Christopher Markus e Steven McFeely é decidido em colocar diferentes facetas tanto nesse acordo quanto nas pessoas envolvidas nele. O General Ross (William Hurt) é um conhecido do público, por Incrível Hulk, e, sendo assim, famoso por não ser uma pessoa muito agradável ou até mesmo justa. Ao se referir ao Gigante Esmeralda e ao Thor, Ross os compara a bombas-atômicas, não pessoas ou super-heróis, mas armas de gigante poder destrutivo. Os Irmãos Russo querem que a Guerra Civil deles abrace questões internacionais e não meramente dentro do âmbito de super-heróis nascidos nos Estados Unidos e atuantes dentro dos Estados Unidos.

Em um outro plano, o “gênio, bilionário, playboy e filantropo”, amado por todos dada a performance de Robert Downey Jr., nunca esteve tão sombrio quanto em Guerra Civil. Se a Batalha de Nova Iorque ou o incidente em Lagos foram casualidades do serviço, que se trata não de salvar todos, mas salvar todos aqueles que puderem ser salvos, o evento em Sokovia, referente a Vingadores: Era de Ultron, é diretamente culpa dos Vingadores. Indo mais além, culpa exclusivamente de Tony Stark – e de Bruce Banner. O personagem, que poderia muito bem ter assumido toda a responsabilidade pelos eventos que destruíram famílias e resultariam em vinganças, decide democratizar com todos os seus colegas de profissão a responsabilidade pela criação de Ultron. Não é por acaso que Sokovia é, dentre todas essas problemáticas citadas, a mais recorrente no filme – visto que é a mais aguda a ser estudada. O interessante de Guerra Civil é a abertura para diversas pontuações de discussão, mesmo que o filme não se prive de entrar no intrínseco desses personagens, mais além do que suas meras ideologias. Há homens debaixo daqueles mantos. Isso se dá, pois, paralelo ao tal Acordo de Sokovia, que já cria uma cisão na equipe, as arquitetações de Helmut Zemo (Daniel Bruhl), um dos atingidos pelo que os Vingadores fizeram – ou deixaram de fazer – em Sokovia, coloca em planos emocionais o duelo do Capitão América e o Homem de Ferro. Surge um terceiro jogador: o Soldado Invernal (Sebastian Stan).

“Eu posso fazer isso o dia todo.”

Dentro dessa trama cheia de vertentes, a figura de Bucky Barnes, melhor amigo de Steve Rogers e, até um tempo atrás, agente da Hidra, é utilizada por Helmut Zemo de uma maneira devidamente manipuladora. No roteiro de Guerra Civil, a dupla responsável consegue segurar uma arquitetação extremamente complexa por bastante tempo, mas, no derradeiro final, o contexto torna-se completo fruto do acaso – e se o Falcão (Anthony Mackie) não tivesse informado Tony Stark para onde a dupla dinâmica foi? Até então, o jogo era tão instigante quanto compreensivo. Mesmo que não fosse uma tramoia simples, esta torna-se factível por mostrar até onde um homem iria por vingança, um limite que não existe quando falamos desse anseio fervoroso nosso por culpados. O atentado em Viena, no meio desse conflito todo, surge como o ponto que Steve Rogers já previa: a necessidade de um herói intervir. Sob ordens de atirar para matar, agentes invadem a morada de Bucky, refugiado desde Soldado Invernal, mas acusado de envolvimento neste recente incidente. Não há escolha. Não apenas o chamado de dever, como a relação extremamente próxima de Steve com Bucky, o faz atuar contrário aos homens “da lei”; tornar-se um criminoso. Viena, contudo, também é palco da introdução do Pantera Negra (Chadwick Boseman), um quarto e último jogador crucial dessa Guerra Civil. Movido pela vingança, o herói, desde o início, busca o sangue daquele que, presumidamente matou o seu pai, morto no atentado. O Homem de Ferro também viria a se tornar esse homem, vingativo, e T’Challa, majestosamente apresentado, encontraria sua redenção. Tony Stark deixa de lado o seu caráter heroico, torna-se humano, falho, embora permaneça compreensível em tantos aspectos, os quais não precisam vir aliados de uma concordância por parte do público. A guerra civil, de fato, acaba por tornar-se um pretexto narrativo bem elaborado e convincente para os Russo trabalharem características e relações de certos personagens levadas as últimas circunstâncias.

Se o confronto conduzido com extrema destreza pelos Russo no clímax da obra é certeiro no impacto que quer causar, a Batalha no Aeroporto – a definição de soco “fofo” – também combina perfeitamente bem com o contexto de sua apresentação. Nessa parte do filme, âmbitos emocionais não estavam em jogo, não havia sentido os heróis começarem a se esfaquear. O espaço para “piadas” existe. Nessa esfera, o que temos é uma completa desconstrução do idealismo referenciado no início do texto, tanto por parte do Homem de Ferro quanto por parte do Capitão. Tony Stark, mesmo antagonizando Capitão América, ainda era movido pelo que ele acreditava ser o certo; uma possibilidade dentre tantas, mas ainda assim, dentro de princípios desenvolvidos pela razão e, acima de tudo, uma busca por um bem comum. No segundo caso, o do Capitão América, há de se relativizar o fato da “falha” de Steve Rogers ter sido guardar o segredo de que Bucky matou os pais de Stark – uma revelação que nos levaria para a luta mais brutal de todo o Universo Cinematográfico da Marvel. Os socos desferidos, naquela batalha derradeira, são os mais significativos de toda a franquia. De um lado, o Capitão América quer salvar o seu amigo, injustiçado tanto por ser culpado por crimes que ele “não cometeu” quanto por crimes que ele não cometeu – o atentado em Viena. De outro, o Homem de Ferro, em um espírito pulsante de vingança, aberto a ser aquele que assassinaria Bucky – em uma contradição de, antes, ter afirmado ser um alternativa muito melhor que homens que não procurariam dialogar.O duelo desses grupos era apenas uma questão de apaziguamento, visto que, reiterando a fala de Stark, haviam pessoas piores para se intrometer caso eles falhassem em parar a gangue do Capitão. Os Russo transformam quadrinhos em realidade, sem criar uma confusão visual com trocentos personagens – algo até impossível de se fazer nos cinemas atualmente.

Os diretores misturam extremamente bem a ação com as pitadas de comédia, que se fazem presente com todos os personagens, mas certamente urgente dada a reintrodução do Homem-Formiga (Paul Rudd) – e sua inédita versão agigantada – e a apresentação do novíssimo Homem-Aranha, interpretado pelo jovem Tom Holland. O Homem-Aranha, aliás, desenvolve todo o seu carisma e personalidade singular em meros 20 minutos, embora sua presença não vá além disso, o que, diferentemente do Homem-Formiga, é uma problemática. O personagem, em seu cerne, também apresentado no filme sob outras palavras, tem a icônica frase “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades” estampada no coração. Uma introdução “extra” para o personagem faz sentido dentro do escopo de Universo Cinematográfico da Marvel, mas não tem o menor sentido dentro do filme visto. Tudo relacionado ao personagem fica para o futuro, sem nada sendo utilizado como parte deste debate.

Ademais, na Batalha no Aeroporto, é perceptível que o maior nível de periculosidade nas ações tomadas encontra-se no embate entre o Pantera Negra e o Soldado Invernal. Apesar da Viúva Negra (Scarlett Johansson) se desenvolver como uma coadjuvante menor, é acertado dos roteiristas tornarem-na a vira-casaca desse tabuleiro, não necessariamente por conduções ideológicas, mas por um raciocínio momentâneo. Quando o Capitão América insiste em fazer alguma coisa, é muito difícil dizer que ele está errado, não é verdade? Eis que uma outra personagem também se faz presente na Guerra Civil da Marvel Studios: Sharon Carter (Emily VanCamp). O encerramento da história de sua tia, uma antiga – e eterna – paixão de Steve Rogers, se completa profundamente com o arco que está sendo estabelecido para o personagem. Esse alinhamento mais rebuscado também poderia se fazer presente em uma intenção mais encorpada dos roteiristas ao lesionar o Máquina de Combate (Don Cheadle), atingido pelo Visão (Paul Bettany) – personagem que atua por fora, mas possui bons momentos com a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), gatilho narrativo do filme. O melhor amigo de Tony Stark acaba caindo sem trazer mais consequências, visto que não há nenhuma atitude do Homem de Ferro, após esse acontecimento, que indique uma afetação necessária para a evolução da narrativa; uma teia de eventos amarrados. Os heróis – ou seriam criminosos – que perderam a “guerra” são presos, relegados a uma prisão construída não para eles, mas para os verdadeiros vilões.

Se a Batalha do Aeroporto é a concretização da capacidade dos Russo em criar uma ação ordenada, extremamente coesa, o incidente em Lagos trata-se de uma exploração visual muito mais frenética, notando-se um extensivo uso de câmera tremida. Enquanto em um primeiro momento, os diretores projetam uma função para cada um dos membros da equipe, criando um senso de coletividade, a direção acaba dando mais distorção com essa câmera tremida à estruturação da equipe do que precisava, visto que, até ali, os “Novos” Vingadores seguiam um certo planejamento e ordens competentes. Quando o Ossos Cruzados (Frank Grillo) cita Bucky, o que cria uma desnorteação no Capitão América, os Russo poderiam ter usado da câmera tremida para criar esse efeito de distorção de uma maneira mais específica – localizada nos pontos em que a equipe de Rogers errou. Ao menos, o uso de uma técnica diferente nessa cena de ação mostra que os Russo não estão interessados em filmar mais do mesmo. Por fim, o final de Capitão América: Guerra Civil pode dar a entender que estamos diante de um filme inconsequente, acabando por ser um balde de água fria, mas o roteiro em si é corajoso o suficiente, embora com falhas inoportunas, para que a obra não passe despercebida no futuro e que funcione por si só, completando uma boa trilogia. Afinal, o futurista, como o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) se refere ao Homem de Ferro, ainda teria de enfrentar aquela ameaça que ele sempre previu: o retorno da catástrofe externa, os alienígenas que uma vez destruíram parte de Nova Iorque e que, agora, podem destruir os Vingadores, a Terra e o mundo de uma vez por todas. Todos esperarão o telefone tocar e o homem, que uma vez foi o símbolo, voltar a ser um símbolo por si só.

Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War) – EUA, 2016
Direção: Anthony, Joe Russo
Roteiro: Christopher Markus, Steven McFeely
Elenco: Chris Evans, Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Don Cheadle, Anthony Mackie, Jeremy Renner, Chadwick Boseman, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Paul Rudd, Emily VanCamp, Tom Holland, Daniel Bruhl, Martin Freeman, William Hurt, Frank Grillo, Marisa Tomei, John Kani, John Slaterry
Duração: 147 min.

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