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Crítica | Capote

por Rafael W. Oliveira
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Cinebiografias, em sua grande parte, seguem por um caminho convencional de narrar suas histórias e, por isso mesmo, perigoso. Abordar a vida de uma figura entre 90 e 120 minutos de um filme geralmente é uma tarefa complicada, pois dependendo da vida do individuo a ser retratado, podemos ou não ter uma leitura superficial daquele rosto. Obviamente, tudo também pode depender da abordagem da produção: ou é retratado uma vida inteira, ou somente um período especifico da vida do individuo.

Capote segue o caminho da segunda opção. Ambientado entre os anos de 1959 e 1965, a biografia sobre o polêmico romancista Truman Capote, autor do romance que deu origem ao clássico Bonequinha de Luxo, aborda o período em que o autor trabalhou em cima de sua criação mais importante, e que viria a ser aquela que traria a fama definitiva para seu nome. Trata-se do romance A Sangue Frio, baseado no real assassinato de uma família pelas mãos de dois rapazes da pequena cidade de Holcomb, Kansas. O filme, entretanto, utiliza o processo de criação de Capote em cima da obra como um pano de fundo para criar um profundo e complexo estudo de personagem sobre a persona de Capote, conhecido por seu egocentrismo, seu forte poder de manipulação e seu humor politicamente incorreto. Além, é claro, do fato de ser abertamente homossexual.

O roteirista Dan Futterman, amigo de infância do diretor Bennett Miller (de O Homem Que Mudou o Jogo), acerta ao explorar um período particularmente sombrio e marcante da vida de Capote, aproveitando a oportunidade para dissecar a figura do homem por trás da escrita, das polêmicas, dos traços externos que o tornaram um rosto famoso por sua excentricidade. Vemos o difícil processo de criação do artista, que ao construir uma relação estranhamente intima com os responsáveis pela chacina, vê-se encurralado numa série de dilemas, onde a empatia com os assassinos se choca com seus interesses pessoais sobre o caso.

Sabendo da complexidade de uma abordagem como esta, Bennett Miller cria um filme de silêncios, onde as imagens encontram a árdua tarefa de serem mais completas do aquilo que pode ser dito com palavras. Mergulhando os personagens numa atmosfera densa e acinzentada (méritos para o diretor de fotografia Adam Kimmel), Miller elabora enquadramentos que traduzem o clima pesado de dor que permeia a vida daquelas figuras, onde os limites morais são postos à prova até o último segundo, porém sem qualquer tipo de julgamento por parte do diretor e seu roteirista. O que temos é um retrato cru e assustadoramente realista aquele período na vida de Capote e daqueles que o cercam.

Phillip Seymour Hoffman já fazia parte da indústria há um bom tempo antes de atuar em Capote, tendo inclusive chamado a atenção da mídia por suas atuações em produções como Jogada de Risco, Boogie Nights – Prazer Sem Limites, O Grande Lebowski, Magnólia e O Talentoso Ripley. Mas foi com Capote que ator recebeu o devido reconhecimento por sua clara versatilidade, versatilidade esta que se torna impossível negar após assistir Capote. Muitos dizem que a composição do ator para interpretar Truman Capote é uma das mais completas já vistas no Cinema, e quem já assistiu ao filme sabe que tal afirmação está longe de ser um exagero. Desde os trejeitos efeminados, passando pela voz fina e carregada de monotonia e chegando até o humor afiadíssimo, Hoffman não apenas reproduz a figura de Capote nas telas, mas se torna o próprio. As nuances, os olhares, os movimentos, tudo é perfeitamente calibrado pelo ator para alcançar o máximo de naturalidade possível, algo que é alcançado com êxito. É como se tivéssemos o próprio Capote, em pessoa, em nossa frente. Um trabalho de fenomenal de incorporação uma personalidade de características próprias e singulares.

Como apoio, o filme conta com outros nomes competentes e que, ao contrário da maioria das cinebiografias, jamais se tornam figuras descartáveis para esta jornada de Capote – todos possuem algo a acrescentar, em maior ou menor escala. Clifton Collins Jr. Como Perry Smith, um dos responsáveis pela chacina, é um perfeito contraponto ao trabalho de Hoffman, compondo uma figura surpreendente refinada e de gosto artístico peculiar, algo inesperado para um criminoso. Um dos grandes momentos do filme é justamente o embate entre estes dois personagens. Catherine Keener, como Harper Lee, amiga de Capote e autora do livro O Sol é Para Todos, fornece uma sustentação mais do que bem-vinda para Capote, enquanto que Chris Cooper, como o investigador do caso, e Bruce Greenwood, amante de Capote, fecham o clico de boas interpretações.

Voltando ao roteiro de Dan Futterman, vale ressaltar o processo de degradação que a investigação pessoal de Capote sobre o caso trouxe para a vida do romancista – é a arte influenciando a realidade. Ao final, temos um Capote em conflito consigo mesmo, onde o êxito da finalização de sua obra não lhe traz nenhuma alegria, e onde a fama e o talento agora lhe soam como detalhes supérfluos diante do processo de desconstrução pelo qual passou. O plano final, com um Capote olhando para o vazio, exemplifica perfeitamente isto.

Pecando apenas pelo ritmo excessivamente lento (certas passagens acabam soando monótonas e carregadas demais), Capote ainda é um filme de grandes méritos, destacando a performance de Phillip Seymour Hoffman, que sem se deixar levar pelo estereótipo, nos apresenta uma figura humana, ambiciosa, e marcada por seus próprios demônios. Também contribui para isso o sóbrio roteiro de Dan Futterman, que soube reunir os acontecimentos de maneira satisfatória, e a direção de Bennett Miller, que soube como trazer a condução ideal para a obra.

Um grande filme.

Capote (idem, EUA, 2005)
Roteiro: Dan Futterman
Direção: Bennett Miller
Elenco: Phillip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Chris Cooper, Bruce Greenwood, Bob Balaban, Clifton Collins Jr., Amy Ryan
Duração: 108 min.

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