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Crítica | Carol (O Preço do Sal), de Patricia Highsmith

Um linda história de amor.

por Ritter Fan
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Publicado originalmente em 1952 com o título O Preço do Sal e como sendo de autoria de Claire Morgan, o segundo romance de Patricia Highsmith só foi lançado com o título que tem hoje em dia – Carol, também adotado pela adaptação cinematográfica de 2015 – e sem o pseudônimo, em 1990. A autora escolheu assinar sob nom de plume ostensivamente porque, depois de sua estreia com o sensacional Pacto Sinistro dois anos antes, não queria ficar conhecida como “autora de livros sobre lésbicas”, pois isso definitivamente aconteceria nos anos 50. No entanto, é perfeitamente possível inferir muito mais do que apenas isso pelo simples fato de ela achar que ser conhecida como “esse tipo” de autora afetaria seu futuro como escritora, sendo possivelmente bem mais provável que seu agente e/ou editor tenham forçado essa decisão para evitar a rotulagem negativa.

Mas o passado é passado, por mais triste que ele seja e o que realmente importa é a natureza do segundo romance de Highsmith, ela mesmo lésbica, que tem um cunho semiautobiográfico e uma abordagem de jornada de amadurecimento e descoberta de amor por parte da jovem Therese Belivet que, enquanto procura uma oportunidade para trabalhar com cenógrafa, trabalha em uma loja de departamentos em Nova York e, ali, acaba conhecendo Carol Aird, sofisticada mulher mais velha (de 30 e poucos anos), que compra algo com ela. Therese sente atração imediata, um amor que nunca sentiu antes e, quase que de reflexo, manda um cartão de obrigado para Carol que, então, responde convidando-a para sair, o que inicia, vagarosamente, o romance entre as duas.

A narrativa é contada em terceira pessoa, mas eminentemente a partir do ponto de vista de Therese, e é a protagonista que, naturalmente, ganha construção mais detalhada, como uma jovem egressa de escola religiosa que, ao que tudo indica, já teve uma atração parecida, mas nunca consumada, por uma de suas professoras e que vive uma vida solitária, mesmo que volta e meia saia sem entusiasmo com seu amigo Richard, por sua vez muito claramente apaixonado por ela. Highsmith, então com 31 anos, é Therese e sua visão de Carol é a visão que ela mesmo teve de uma mulher, em circunstâncias muito parecidas, quando mais nova, com o romance, então, sendo a “versão alternativa” de uma admiração platônica distante que nunca passou disso.

Na medida em que o relacionamento de Therese com Carol se aprofunda, aprendemos mais sobre a mulher mais velha que passa por um processo de divórcio de seu marido Harge e que envolve a disputa pela custódia de sua filha pequena Rindy, que já mora com o pai. Highsmith, porém, reserva os desdobramentos do divórcio e o quanto o relacionamento das duas o afeta para adiante no livro, pois seu interesse é lidar com o desabrochar de Therese como mulher e a descoberta – em definitivo – de sua sexualidade. Tudo é feito com extrema elegância, como é de se esperar da autora, que evita descrever o ato sexual em si, preocupando-se muito mais com as sensações, com a intensidade de sentimento de Therese por Carol, com a compreensão, pela jovem, do que é amor. Entendemos o que Carol sente – ou não, pois, apesar de experiente e de já ter tido outra relação homossexual, ela reluta em se entregar à conexão com Therese – também pela olhar, pela interpretação de Therese, o que por vezes nos leva à injustiças que são intuídas pelo delicado texto de Highsmith.

Grande parte do romance se passa em uma road trip que Carol convida Therese a fazer com ela, um artifício usado pela autora provavelmente para criar “ação” à narrativa que, de outra forma, seria consideravelmente contemplativa. O divórcio, cujo fim o leitor pode muito facilmente deduzir especialmente considerando o ano em que o livro foi escrito é um ingrediente a mais para criar drama e até mesmo tensão com a entrada tardia de um detetive particular na história que serve como ponto de virada para Carol e seu aparente desprendimento em relação à sua filha. Não acho que o terço final, em que essas questões se resolvem, funcione tão bem quanto o restante, pois exige a exclusão de Carol de boa parte da narrativa, retornando Therese à sua situação de solidão que marca o começo. Como Highsmith é fiel ao ponto de vista, o que aprendemos sobre o que ocorre com Carol vem a conta-gotas e acaba sendo incompleto, ainda que eu entenda perfeitamente que o foco do romance não é esse, mas sim na jornada de compreensão de Therese sobre quem ela é.

Dois anos depois de um thriller psicológico do mais alto gabarito, logo em seu segundo livro, Patricia Highsmith embarca em uma história completamente diferente e de cunho muito pessoal para ela e para lésbicas em geral, oferecendo um romance que, porém, transcende a delimitação de orientações sexuais e é capaz de tocar a todos pela forma cuidadosa como ela desenvolve o amor entre suas duas excelentes personagens. Sem dúvida alguma, outro triunfo deste começo de carreira de uma autora brilhante, ainda que muito controversa.

Carol ou O Preço do Sal (Carol ou The Price of Salt – EUA, 1952)
Autora: Patricia Highsmith (originalmente assinando como Claire Morgan)
Editora original: Coward-McCann
Data original de publicação: 1952
Editora no Brasil: Editora L&PM
Páginas: 312

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