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Crítica | Carrie, a Estranha, de Stephen King

por Kevin Rick
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Ler Carrie, a Estranha foi uma experiência distinta para mim, pois é uma das poucas vezes que iniciei uma leitura após ter visto a adaptação cinematográfica – ambas, na verdade, de 1976 e 2013 –, o que transforma a imaginação habitual sendo usada para uma puxada de memória das cenas dos filmes à medida que relembrava certos acontecimentos, especialmente da obra de Brian De Palma. E não apenas esse aspecto visual, mas também a familiaridade com o estilo de escrita de Stephen King em livros posteriores, já iniciando a leitura esperando suas simbologias características e o manuseio do horror e do fantástico como vazão para exposição da perversidade humana.

Outra questão intrigante que me deparei, mas desta vez não na leitura, e sim proporcionada nos meus pensamentos pré-escrita do texto crítico, é como os temas utilizados pelo autor em seu primeiro romance já tornaram-se conhecimento comum, indo de encontro à barbárie da sociedade, desde o bullying, fanatismo religioso e amadurecimento sexual, cada um com seu próprio horror real, por assim dizer, somados, claro, à ficção científica e o sobrenatural da narrativa em torno da telecinese de Carrie. Aliás, para aqueles ainda não familiares com a premissa dessa obra, Stephen King cria uma fábula claustrofóbica e pavorosa ao redor de Carrie White, uma adolescente americana humilhada constantemente no colegial estadunidense dos anos 70, também abusada em casa pela mãe religiosamente fanática, que após menstruar pela primeira vez, em público, começa a descobrir seus poderes telecinéticos. 

Como disse, a trama de Carrie, a Estranha foca em temáticas inerentes do terror oriundo do rebaixamento coletivo, e nessa toada, me peguei mais aficionado à mente alquebrada de Carrie do que necessariamente às várias críticas sociais enraizadas na narrativa. Existe um trabalho incrível de King em explorar como a degradação social afeta o privado e o mental da protagonista, e o autor toma seu tempo, em um ritmo lentamente fóbico, para construir essa experiência psicologicamente sofrível de Carrie, criando um estudo de personagem que toma uma forma até mesmo intrusiva da perspectiva do leitor.

Também adoro todas as simbologias utilizadas pelo escritor, algo que iria ser habitual na sua bibliografia, desde o uso do sangue como metáfora para a culpa e a vergonha impostas socialmente às mulheres na sua descoberta sexual e amadurecimento repentino, especialmente na época da publicação do livro, em que tais assuntos eram tabus, até o uso dos poderes telecinéticos como maneira de retificar vítimas reais constrangidas à crueldade social, o que faz todo sentido, partindo da perspectiva inspiracional das experiências do autor como professor ao ver jovens sofrendo esses vexames públicos. E, dessa forma, a ambientação toma ares de uma jornada anti-heroica dentro da narrativa de vingança geral, na qual somos imergidos a torcer por Carrie quebrar a estigma forçada à ela, tanto publicamente, quanto psicologicamente, à medida que a protagonista começa a firmar e estabelecer suas próprias escolhas e ideais. A história não é seu conto com final feliz, mas existe toda uma melancolia permeando as páginas até o desfecho holocáustico, casando muito bem com a atmosfera mentalmente inconveniente e trágica.

Minha dificuldade com a leitura baseia-se na imaturidade da prosa do autor, até então demonstrando a falta de controle rítmica de um romance, muito calcado na reiteração das temáticas já ditas nos âmbitos escolar e familiar de Carrie, adentrando uma leitura que, apesar de começar lentamente de modo proposital, acaba tornando-se demasiadamente repetitiva e vagarosa.  Isso acontece pela escassez de gestão dos núcleos secundários, com personagens extremamente estereotipados e superficiais, a despeito que esta talvez é a intenção, contudo, acabam não funcionando em contraste com uma personagem mais bem construída como Carrie. Ademais, também existe certas escolhas do autor, como o uso de artigos científicos e trechos de livros biográficos, que inicialmente complementam bem a narrativa, dando pequenas pistas e aumentando o suspense com uma injeção sci-fi, mas aos poucos, especialmente nas partes finais da trama, tornam-se estranhos e quebram a imersão com os fatos “atuais”.

Por fim, vejo Carrie, a Estranha como um marco literário, afinal, nos apresentou e solidificou Stephen King, e foi precursora no sentido de abordar temáticas censuradas no período de seu lançamento, como opressão juvenil, intolerância religiosa e a falta de debate na descoberta sexual de adolescentes, equilibrando-as dentro do gênero de horror com o fantástico servindo apenas como atrativo para exposição da malignidade social. Uma tremenda estreia para King em novels, que sofre com a falta de uma construção de integrantes secundários – eu, particularmente, não gosto do arco repentino de redenção da Sue Snell, assim como acho o antagonismo de Billy e Chris forçado às vezes –, e também se perde na repetição, fragmentando o ritmo lentamente interessante inicial, mas, ainda assim, proporciona um ótimo mergulho intrusivo no psicológico e na pessoalidade angustiante de Carrie, uma vítima do sistema, como tantos outros.

Carrie, a Estranha (Carrie) – Estados Unidos, 1974
Autor: Stephen King
Editora original: Doubleday
Data original de publicação: 05 de abril de 1974
Editora no Brasil: Editora Objetiva
Data de publicação no Brasil: 23 de julho de 2013
Tradução: Adalgisa Campos da Silva
Páginas: 200

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