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Crítica | Cartas do Papai Noel, de J. R. R. Tolkien

por Leonardo Campos
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Para o campo dos estudos literários, a carta é um gênero considerado expressivo, além de ser o meio mais intimista de escrita. Vários escritores já foram estudados por meio dos documentos epistolares, publicações que tiram da esfera privada alguns textos que são oriundos da intimidade.  J. R. R. Tolkien também deixou a sua contribuição literária por meio das cartas. Conhecido por ser autor de clássicos da literatura fantástica moderna, transformados em material farto na era da reprodutibilidade técnica, haja vista O Senhor dos Anéis e O Hobbit, em Cartas do Papai Noel, a sua relação com os filhos ganha dimensão literária por meio das cartas que enviou entre 1926 e 1943, uma tarefa cuidadosamente realizada ao longo de 18 anos.

A letra do Papai Noel era tremida, pois conforme os relatos do remetente, a sua morada era muito, muito fria. No caso de algumas passagens escritas erroneamente (de acordo com os regimentos da gramática normativa), a desculpa era a falta de estudos do Urso Polar, bem como as suas patas grossas, o que impedia uma escrita mais próxima do formal. Era assim que a cada ano, Tolkien escrevia para os seus filhos, na figura do Papai Noel, fomentando a escrita dos mesmos em retorno, num jogo de trocas de correspondências que seguia um padrão ritualístico: era entregue por carteiro, trazia selo do Polo Norte e uma série de ilustrações a cada documento escrito, numa representação cabal do que seria a verdadeira produção de cartas pelo Papai Noel em sua habitação fria e longínqua.

Organizadas por Baillie Tolkien, em sua edição brasileira, as cartas foram bem traduzidas, num trabalho assinado por Ronald Eduard Krymse. A versão republicada em 2017 é bem luxuosa. O papel couchê possui alta gramatura, o que permite aos textos um suporte sofisticado e bastante “artístico”. Aqui, além a forma também conta, pois se torna o veículo ideal para o conteúdo. A capa traz uma imagem de Papai Noel, centralizada, rodeada por tons avermelhados e alguns textos num amarelo que nos remete ao dourado. Assim, a editora Martins Fontes entrega, juntamente com as 168 páginas amplamente ilustradas, uma porta de entrada que emula as cores que se tornaram convenções do período natalino. Impecável em seu formato, mas pouco interessante no conteúdo interno, Cartas do Papai Noel funciona bem para pesquisadores, admiradores e outros interessados no gênero epistolar.

Ademais, não é uma observação com intuito de desmerecer os esforços do autor, alguém que na verdade não deve ter escrito com interesse em ter os textos publicados. O livro atravessa um processo semelhante ao de Rilke em Cartas Natalinas à Mãe, isto é, apresenta-se como material de interesse histórico e biográfico, mas não empolga como literatura. As demarcações contextuais causam alguma empolgação, mas são pontuais e muito breves. É quando pensamos que o texto vai trazer alguma complexidade, nem que seja mínima, mas não acontece, afinal, se o que temos é a publicação de cartas, e, nesse jogo, pede-se que por respeito ao público, os documentos não sejam alterados, o que Tolkien podia conversar com os filhos, na sua representação do Papai Noel?

Em nossos anseios e expectativas, torna-se necessário que tenhamos o bom senso de compreender tais demandas também, pois a escrita não pode ser classificada como literatura infanto-juvenil, tampouco como literatura fantástica. O que temos em Cartas ao Papai Noel é a manifestação do autobiográfico, numa exposição pessoal do remetente aos destinatários. Nós ficamos na postura de voyeurs do carinho e da intimidade alheia, algo que funciona bem, mas apenas dentro da dinâmica dos envolvidos, não para os leitores, entediados diante das manifestações paternais que inclusive são muito bonitas, mas repito, em nada empolgantes.

A sensação, ao final, é a de que atravessamos uma breve trajetória biográfica. E só. Não há revelações intrigantes, não há sequer algum traço do exercício metalinguístico do autor, algo que poderia nos chamar mais à atenção. Tudo isso, por sua vez, quando falamos da escrita. As imagens, no entanto, são de uma beleza esplendorosa, delicada e atrativa, algo que como sabemos ao ler outros elementos do livro (orelhas, sinopse, etc.), encantava os filhos a cada ano, período das trocas de correspondência entre as crianças e o Papai Tolkien Noel.

Cartas do Papai Noel (The Father Christmas Letters) — Estados Unidos, 1976
Autor: J. R. R. Tolkien
Tradução: Ronald Eduard Krymse
Editora no Brasil: Martins Fontes (2012)
Páginas: 168

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