Home FilmesCríticas Crítica | Carvão (2022)

Crítica | Carvão (2022)

Compreendendo o bizarro para abraçar o absurdo.

por Roberto Honorato
2,9K views

Carolina Markowicz tem sido uma escritora/diretora fascinante, com um trabalho mais reconhecido através de curtas como O Órfão e o criativo Edifício Tatuapé Mahal, feito em um formato animado e cheio do humor peculiar que logo seria seu grande diferencial, o que ela desenvolveu ainda mais na série Ninguém Tá Olhando, disponível na Netflix. Com Carvão ela realiza seu primeiro longa, uma trama curiosa e envolvente, com atuações marcantes e um excelente texto, que pode ser simples, mas também se garante em tudo que propõe.

Irene (Maeve Jinkings) é dona de uma pequena carvoaria numa cidade do interior. Vivendo com o marido, Jairo (Rômulo Braga), e o filho, Jean (Jean Costa), ela não aguenta mais lidar com todos os problemas pessoais, principalmente seu pai, que por conta da idade é incapaz de se comunicar ou movimentar direito. Isso faz com que ela aceite fazer um trato arriscado em troca de uma boa quantidade em dinheiro, mas surge uma nova preocupação quando um homem misterioso chega para mudar a dinâmica da família de Irene e fazê-la questionar suas decisões.

Como mencionei antes, ainda que tenha uma premissa intrigante, a trama é bem simples, principalmente considerando uma questão estrutural de roteiro, contudo, isso não impede o filme de interpretar elementos diversos que, mesmo carregados de comentário social, são apresentados com leveza e até humor, muito disso combinado com a direção de Markowicz, certeira e decidida, que sabe abordar cada símbolo de maneira honesta, ainda que possa utilizá-lo para fazer alguma piada, como quando durante uma conversa com Irene, um padre menciona compreender sua dor porque passa pelos mesmos problemas financeiros, e logo a câmera corta para um plano aberto do local, uma grande catedral que claramente não parece necessitar de muita ajuda.

Para isso, a montagem de Lautaro Colace consegue fortalecer a ideia da direção de Markowicz, que procura examinar as contradições de seus personagens, suas situações e do país. Se eu tivesse que justificar minha nota para o filme não ter sido máxima (não que notas sejam importantes, o que vale é o texto, mas vamos seguir em frente), é preciso mencionar que o tom da obra está quase perfeito, soube explorar a ambientação e os dilemas do núcleo dramático com inteligência, mas a tensão que é estabelecida por conta da personagem misteriosa interpretada por César Bordón (Relatos Selvagens) logo perde um pouco do fôlego, e muito disso está relacionado à forma que a trama procura estar constantemente surpreendendo o espectador com reviravoltas, todas apropriadas, porém elas acabam comprometendo um pouco a proposta inicial, priorizando as revelações cômicas, mas sem a intenção exclusiva de ser engraçado, mostrando através do absurdo uma crítica ao rumo que o país tomou nos últimos anos.

Por conta de todo o aspecto enigmático das personagens, que estão sempre agindo como se estivessem escondendo segredos de todos, não só dos vizinhos, mas dos próprios familiares, é exigido um certo nível de complexidade na atuação, que precisa ser sutil, tanto quanto cômica e dramática na mesma medida. Em questão de enredo, o espectador compreende que deve aceitar algumas conveniências para que a trama se desenrole da maneira que faz, e por conta disso o elenco vende bem a ideia através de ótimas atuações, principalmente Maeve Jinkings, quem precisava e conseguiu melhor equilibrar todas as mudanças do filme, transformando uma cena da clássica situação do vizinho inconveniente em um momento carregado de tensão, por exemplo. Tudo através da atuação física.

Carvão mergulha no bizarro e sombrio, observando o absurdo que o país se tornou, nossa relação com a violência, religião e moral. O desconfortável é extraído através da comédia, e é ela que enfatiza as contradições das personagens, situações e a nossa própria realidade. Carolina Markowicz é um nome que continuarei dando atenção, e Carvão é mais uma ótima adição ao nosso catálogo nacional, que está com um ótimo histórico esse ano.

Carvão — Brasil, 2022
Direção: Carolina Markowicz
Roteiro: Carolina Markowicz
Elenco: Maeve Jinkings, César Bordón, Jean Costa, Camila Márdila, Rômulo Braga, Pedro Wagner, Aline Marta
Duração: 107 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais